domingo, 27 de dezembro de 2009

O Natal

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 18 DE DEZEMBRO DE 1998)



Quando escrevemos a última “Memória”, informámos os nossos leitores que tínhamos o desejo e a esperança de voltar às páginas do velhinho “Correio”, talvez o primeiro jornal que lemos, soletrando, principalmente os artigos de âmbito histórico ou desportivo, os que mais nos interessavam. É que, depois de ler o jornal na barbearia do MEU BAIRRO, logo que monetariamente fui independente, assinei-o, o que ainda hoje acontece. Há trinta e nove anos que o “Correio da Extremadura”, como lhe continuaram a chamar os idosos do MEU BAIRRO, pois assim o viram nascer, chega semanalmente às minhas mãos, sem qualquer interrupção, a não ser o atraso que os CTT de vez em quando lhe dá.

Quando estamos longe da nossa terra, a chegada torna-se mais valiosa porque nos inibe de cortar o cordão umbilical. Temos assim possibilidade de acompanhar a vida da nossa terra. Hoje, talvez a necessidade seja um pouco menor pois os meios audiovisuais diariamente levam-nos a casa tudo de importante que se passa no País. Não leva contudo a pequena notícia que ao cidadão comum nada diz mas que a nós, diz-nos muito.

Não vamos escrever nova série de “MEMÓRIAS” mas sim publicar duas ou três que temos escrito há muito e que estão na gaveta, aguardando companhia que pode nunca chegar. De um dia para o outro vão para o cesto dos papéis e acabou-se. Nada de valor ou importante se perdia. O único interesse (se o têm), segundo penso, é fazer trazer à memória dos velhos moradores do MEU BAIRRO, coisas de nada que conhecem tão bem ou muito melhor do que eu.

Tenho a certeza que aos assuntos apresentados os leitores referidos acrescentarão sempre mais isto ou aquilo e farão correcções que acharem por conveniente.

Vamos então ao assunto que nos trouxe.

Onde estava o subsídio de natal? Nem se sabia o que era isso! É uma conquista de ontem! Falava-se à socapa que fulano ou beltrano recebia as broas de Natal que o pat4rão dava a alguns chegados colaboradores, principalmente aos que tinham mais anos de casa. Mas isto constituía uma excepção tal o número exíguo de contemplados, considerados uns felizardos.

Na função pública, por exemplo, o magro vencimento só podia ser recebido a partir do último dia do mês. No dia 23 ou 24 os fundos, se os havia, eram bem poucos, quando não se estava gastando a crédito daqui e dali.

Carne, pouco se comprava; o peixe era mais acessível na altura. Comiam-se ovos pois havia galinheiro no quintal, legumes e hortaliças, afinal o que hoje os técnicos dizem ser uma alimentação saudável.

Apesar de tudo, nesses já distantes anos da década de 40/50, comemorava-se o nascimento do Menino Jesus no MEU BAIRRO, mas a níveis muito diferentes dos de hoje.

Fazia-se o presépio? É claro que sim mas... ia-se às pedrinhas, ao bonito musgo que se encontrava agarrado ao casco das oliveiras que constituíam os olivais do Louro, do Arrais e do Telhadas, que rodeavam o MEU BAIRRO. Traziam-se também de lá umas piteirinhas para compor a paisagem.

Do areeiro existente ao fundo da Avenida, onde se encontra hoje o Bairro de Santa Isabel, extraíamos a areia necessária.

As imagens eram de papel, que adquiríamos em folhas soltas na “Silva” ou na “Escolar”. Limitando-se a indicar os contornos, pintávamo-las com lápis de cor, colávamos em cartão e finalmente recortávamos.

E como se fazia a iluminação?

Certamente que não íamos às casas dos trezentos que evidentemente não existiam, comprar por dois tostões uma instalação eléctrica. Só conheci tal quando já era um homem feito. Se nessa altura ainda havia casas no MEU BAIRRO que não dispunham de energia eléctrica!

Mas nem por isso os presépios deixavam de ser iluminados. Em casa de meus pais utilizavam-se as cascas (conchas) de caracoletas que se enchiam de azeite colocando-se um pavio de algodão ou de uma planta cuja uma das partes se prestava a essa utilização, depois de convenientemente seca e que era conhecida por erva das lamparinas. Posicionavam-se enterradas na areia e em sítios estratégicos, evitando-se a sua visibilidade.

Havia quem utilizasse como lamparinas outros objectos e o petróleo igualmente era utilizado, aqui provocando um cheiro nada agradável.

Havia que ter cuidado e muitas vezes aconteciam incêndios.

A estrela também nós fazíamos, em papelão e forrada com a película “prateada” que envolvia alguns maços de cigarros de então.

É evidente que havia presépios mais evoluídos, de figuras impressas a cores e outras formando logo o conjunto e mesmo de barro ou louça, mas o vulgar, era o que descrevemos.

Nessas alturas mal se falava no Pai Natal. A mim diziam-me que as prendas eram postas no sapatinho pelo Menino Jesus que descia pela chaminé. Nesse sentido, foi sempre lá que pus o sapato

Havia uma regra a respeitar, é que o Menino Jesus só vinha depois da meia-noite e não se sabia a hora a que chegava, já que o trabalho era muito. As crianças, não se queriam deitar mas à hora habitual o sono chegava e lá íamos para a cama. A minha preocupação, lembro-me bem, tinha a ver, além das prendas, com a chegada do Menino Jesus, que queríamos conhecer.

Só no outro dia (dia 25), quando nos levantávamos, éramos alertados para a circunstância de ainda não termos visto o que o Menino Jesus nos tinha posto no sapatinho. Era a euforia, os pulos, os beijos, as primeiras observações!

O que é que o sapatinho no MEU BAIRRO tinha normalmente? Um brinquedo muito simples (automóvel de folha, camioneta de madeira ou carro de bois, uma pequena bola de borracha, prenda não muito usada porque partia os vidros das janelas dos vizinhos quando não das nossas, etc.) as meninas contempladas com bonecas, camas, tachos e panelas. Começavam bem cedo a secundarização da mulher!

Além disso havia umas “tabletes” de chocolate ordinário, daquelas que tinham uns bonecos colados à “prata” envolvente, que penso custavam trinta centavos, uns rebuçados e uma peça de vestuário. Quem tinha tudo isto era muito bom – sentia-se feliz. E bem pouco era!

Notar que não havia habitualmente prendas para os filhos mais crescidos que, quando já trabalhavam, eram os “meninos jesus “dos mais novos. Mais ninguém na família recebia prendas!

Não posso deixar de aqui referir duas prendas que o meu sapatinho acolheu.

Teria dez anos e por isso já sabia na altura que o Menino Jesus era outro, no caso a minha irmã mais nova: - uma caixa de madeira (dupla) para transporte e arrumação de lápis e borrachas, que muito gostei e uma pequena bússola. Pois caro leitor, apesar de tantos anos passados, essas duas insignificantes peças ainda fazem parte do meu património e têm para mim, elevadíssima cotação.

Também nessa altura se procurava ter uma mesa mais rica. A consoada não era muito uniforme. O bacalhau (na altura a pataco) com batatas e couves constituía o prato dos pobres, um galo corado no forno e nalgumas casas cabrito recheado constituíam algumas das hipóteses nas casas com menos dificuldades. Mas eram pratos que apareciam na mesa uma vez por ano!

Mais uniforme era a doçaria que se tratava quase exclusivamente da massa frita representada nos velhozes (filhós), “fritos” e coscorões. Quem tivesse origens alentejanas, como a mim me acontecia, não deixava de haver as azevias de grão ou batata-doce.

Sobre o assunto, foi o que a Memória me conseguiu trazer ao invocá-la.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Implantação da República

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 4 DE OUTUBRO DE 1991)



Desta vez, não foi difícil encontrar o tema a desenvolver. Ele ajusta-se ao momento visto passar amanhã mais um aniversário da queda do regime monárquico.

Interessará por venturas aos varzeenses e... não só, saber alguma coisa do que se passou nesse já distante ano de 1910.


É de sempre o choque provocado pela mudança profunda de qualquer regime político. As cenas repetem-se, chegando mesmo à utilização de termos revolucionários. Sucedem-se as justiças e injustiças, aproveita-se a mudança para retaliações de ordem pessoal, de fachada política. Para falarmos só nos últimos tempos, foi assim com a implantação do liberalismo, foi assim com a República, foi assim com o 28 de Maio de 1926, foi assim com o 25 de Abril de 1974.

A freguesia da Várzea não ficou inerte com a Proclamação da República e apenas dezoito dias chegaram para que a Comissão Paroquial Republicana, nomeada por alvará de 21 de Outubro de 1910, do Governador Civil, tomasse posse. Era constituída pelos cidadãos, Joaquim Eloy, Manuel Glórias e Joaquim Lopes, e a posse foi-lhe dada pela Junta Paroquial cessante, de que faziam parte, o Padre João Nuno Cotrim (presidente), João Costa e Guilherme Vargas.

Foram entregues os valores existentes, entre eles uma imagem do Sagrado Coração, um estandarte, um resplendor de prata dourado, etc., objectos pertencentes ao extinto Apostolado da Oração da Várzea.

A Comissão empossada resolve reunir de quinze em quinze dias, ordinariamente, aos sábados, pelas sete horas da tarde e em casa do cidadão membro da mesma, Joaquim Eloy. (1)

No dia seguinte, 24 de Outubro, realiza-se a primeira sessão mas com a presença de mais dois elementos, João Lopes da Fonseca e António Fragoso Rhodes.

Não se sabe porque não tomaram posse no dia anterior e nem a eles se faz qualquer referência naquele acto.

Procedeu-se à eleição para os cargos, que deu o seguinte resultado: João Lopes da Fonseca (presidente), Joaquim Lopes (tesoureiro) e Joaquim Eloy, secretário.

É nítida a preocupação de arranjar alguém que pudesse desempenhar capazmente a presidência e daí talvez o seu aparecimento tardio.

Republicano convicto? Talvez não. Republicano de ocasião, é possível.

Por proposta do vogal Manuel Glórias, resolveu-se informar o Governo Civil da recusa da anterior Junta, em entregar vários objectos, entre os quais um harmónio de que se desconhece o paradeiro. (2)

Mais tarde são entregues um Menino Jesus, um crucifixo e uma imagem de S. Pedro.

Outros são negados pois declara-se pertencerem a particulares. Apesar disso são pedidas providências no sentido de serem punidos pelas irregularidades detectadas, solicitando-se para o efeito uma audiência à Junta transacta. (3)

Em 29 de Outubro, ainda em ambiente político quente, o tesoureiro, Joaquim Lopes, propõe que se oficie ao Administrador do Concelho, para que seja extensivo a esta freguesia a proibição do dobre pelo sino, no dia de Finados.

A par da medida revolucionária é a vez do presidente propor um bodo a vinte pobres, dos mais necessitados, para regozijo da Proclamação da República. (4)

Entretanto, o vogal António Fragoso Rhodes é substituído por António Luiz Jacinto.

Como é natural, processa-se o saneamento político da Comissão de Beneficência, que passou a ser constituída por:- Dr. Júlio César Madeira Montez, Augusto de Oliveira Mendes, António Duarte do Carmo, David Martins Heitor e João Costa Constâncio. (5)

O horário do comércio local foi assunto muito debatido nas primeiras sessões republicanas e originou posições divergentes, o que não era habitual.

Pretende-se uniformizar a hora de encerramento tendo sido proposto e acabou por ser aprovado por maioria: “deverá o regedor mandar por um cabo de polícia, fazer o sinal com o toque da sineta existente na Capela de Santo António, procedendo o mesmo cabo, em seguida, a uma ronda por todas as tabernas. Como porém há sítios onde a sineta não é ouvida, deverão ser colocados editais para o mesmo fim com fiscalização feita pelos mesmos cabos de polícia”. (6)

[Actual edifício da Junta de Freguesia. Foto JV, 2005]

Na sessão de 1.7.1911 é aprovado um voto de regozijo pelas melhoras do Dr. Afonso Costa, Ministro da Justiça, voto que se deve fazer chegar ao seu conhecimento.

Cabe a esta Comissão o primeiro pedido para a criação de uma escola mista no lugar de Perofilho, pois fica a uma distância de 5 km. (7) da única existente na freguesia, situada em Vilgateira.

É pedida em contrapartida a dissolução da Irmandade Fabriqueira da Freguesia. (8)

Outra deliberação curiosa foi tomada:- Pedir autorização para que seja dados nomes de pessoas ilustre e históricas às ruas de Vilgateira e numerar todas as portas(9). Passados oitenta anos (!), ainda não foi feito, apesar do fornecimento de energia eléctrica e água ao domicílio.

Na década de setenta a Junta de Freguesia deu o nome de “Heróis do Ultramar” a uma das ruas de Vilgateira, mas nem sequer foi colocada placa toponímica, já que não havia verba para isso.

Pela leitura das actas das sessões nota-se o azedume causado pelos monárquicos locais, alguns referidos directamente mas outros que se lêem nas entrelinhas.

É curiosa a proposta feita por Joaquim Eloy, que foi aprovada:- “(...) caso rebente a contra-revolução se tomem rigorosas medidas visto haver grande número de beatos e religiosos encapotados e que toda a cautela é pouca, convidando-se por meio de editais para os cidadãos que queiram ir defender a Pátria e a República e que se queiram alistar, a começar pelo proponente”. (10)

É natural que alguns factos passados neste período tenham ficado ma memória do povo varzeense, transmitidos de pais para filhos pela via oral.

As circunstâncias da vida não nos permitiram ir procurá-los para aqui os deixarmos escritos.

[Edifício onde funcionou a antiga Junta de Freguesia, hoje biblioteca. Foto JV, 2009]

Pensamos que se a fonte documental é a base de uma investigação, os “floreados” da tradição, e nunca passando de tradição, ajudam-nos a compreender talvez melhor os assuntos. Existem mesmo factos reais que a documentação não regista por variadíssimos condicionalismos.

Também somos de opinião que seria interessante verificar a trajectória política destes “políticos”.Talvez tivéssemos dificuldades nalguns casos, entrando em dúvidas se não existiam duas pessoas com o mesmo nome!

As certidões de nascimento encarregavam-se de nos confirmar que se tratavam de uma única e só pessoa!

NOTAS

(1)– Livro de Actas da Junta de Paróquia, iniciado em 1.12.1873, sessão de 23.10.1910
(2) – Idem, sessão de 24.10.1910
(3) – Idem, sessão de 12.11.1910
(4) – Idem, sessão de 29.10.1910
(5) – Idem, sessão de 1.12.1910
(6) – Idem, sessão de 24.12.1910
(7) – Ofício do Presidente da Câmara, datado de 14.4.1910
(8) – Ofício do Presidente da Câmara datado de 24.3.1911
(9) – Acta da Sessão de 9.10.1912
(10) – Acta da sessão de 1.7.1911

sábado, 19 de dezembro de 2009

A farinação

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 SETEMBRO DE 1991)


Desde tempos recuados que pelo menos vem da Idade Média, que há referências a moinhos de vento.

Depois de moer o pão com o batimento de duas pedras, passou-se para os moinhos de braços, movidos por escravos e mais tarde por animais.

Em Portugal estes últimos tomaram a designação de atafonas, daí a existência deste topónimo, como acontece em Santarém.

Para aproveitamento da força do vento, existiram moinhos de vários tipos mas os mais difundidos em Portugal são constituído por um corpo em forma de tronco de cone, relativamente baixos, de alvenaria, caiados de branco e onde se rasgam a porta e uma ou mais janelas. É coberto por um tejadilho cónico e giratório que assenta no topo da parede. É dele que sai o mastro onde se fixam os varais, cruzados e onde se situam as quatro velas triangulares de pano e lona.

O tejadilho move-se conforme o vento impõe e por sistema não uniforme,

Os moinhos têm dois pisos ligados por escada interior. A moenda instala-se no superior e no inferior ficam a caixa onde cai a farinha que é para ali levada por uma conduta de madeira, e os anexos.

A estes moinhos chamam de tipo mediterrânico.

Encontram-se espalhados por todo o País, mas da grande maioria só restam as paredes, quando não parte.

É o que acontece na freguesia da Várzea que também teve os seus moinhos, não fosse ela uma região cerealífera, laborando numa altura já distante pois os idosos de agora nem aos avós ouviram falar do seu trabalhar.

[Moinho de Vilgateira.Des.de JV.]

Um, bem junto a Vilgateira, é conhecido naturalmente pelo moinho de Vilgateira (cota 79) e o outro, pelo moinho da Quinta da Amendoeira (cota 45), pela mesma razão.

Sobre o primeiro sabemos da existência de uma lenda que não chegámos a recolher, o que hoje muito lamentamos.

Quem a conhecia, já faleceu. Haverá na freguesia ainda alguém que a saiba contar?

Dentro do segundo nasceu e desenvolveu-se uma árvore, cuja copa ocupa o lugar da cúpula.

<[Moinho da Quinta da Amendoeira. Foto JV, 2009]

Em 8 de Janeiro de 1972 a Junta de Freguesia respondendo a um ofício da Câmara Municipal, informa existirem dois moinhos de vento dos quais só restam as paredes sendo de parecer que deveriam ser classificados como imóveis de interesse público. <[

O moinho de Vilgateira cuja área coberta é de 25 m2, tem um logradouro com 75 m2.


Se dos moinhos de vento ninguém se lembrar de trabalharem, não acontece o mesmo em relação aos hidráulicos – azenhas e moinhos propriamente ditos.

Os ribeiros que correm na freguesia proporcionaram a criação de um número apreciável de azenhas, chegando mesmo algumas a trabalhar ainda nos nossos dias.

A azenha é um moinho hidráulico de roda motriz vertical que dava grande rendimento, principalmente quando se verificou poder ser accionado por um fio de água conduzido pelo alto, por meio de uma caleira de madeira.

O moinho propriamente dito tinha roda horizontal e era o mais numeroso no País, onde se calculava existirem cerca de cinco mil!

No Ribeiro de Perofilho ficava, na Idade Média, um moinho “alveiro e segundeiro”, propriedade conjunta da Alcáçova e do Convento de Santa Clara. (1)

Uma azenha na Ribeira de Vilgateira, das últimas que deixou de trabalhar, acabou por dar origem ao topónimo Casais da Azenha. Já em 1838 o local era assim designado.

Na década de cinquenta deixou de funcionar uma azenha no ribeiro das Laranjeiras e na de 20, a da Quinta da Granja, no ribeiro das Fontainhas.

A dos Limões, no ribeiro de Perofilho, é referida com frequência e teria sido das últimas a deixar de trabalhar.

Pinho Leal, no seu sempre referenciado Portugal Antigo e Moderno, a pág. 766 do volume X, diz que o ribeiro de Perofilho move alguns moinhos.

Com o aparecimento de moagens de nova tecnologia, o que também aconteceu na freguesia, as azenhas foram ultrapassadas e consequentemente deu-se o seu natural abandono.

NOTA
(1) – Santarém Medieval, Maria Ângela V. Beirante, 1980, pág. 166.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Laurentino Veríssimo

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 13 DE OUTUBRO DE 1995)



Nunca me es-queci do nome de Laurentino Veríssimo que ouvia pronunciar na minha infância e depois na adolescência, aos meus familiares mais próximos, ficandome na ideia de tratar-se de uma boa pessoa, defensora dos interesses da sua terra.

O então existente “Bairro Laurentino”, como o povo lhe chamava, era alvo das minhas surtidas, a malta do Matadouro possuía a sua identidade e não gostava de ver os seus domínios devassados pelos que eram corridos à pedrada quando calhava.

Comecei a sentir que o nome do bairro tinha relação com aquele que ouvia aos meus familiares que, questionados responderam afirmativamente.

A maturidade chegou, o interesse aguçou e com o rodar dos tempos, aqui e ali fui obtendo dados que iam aclarando a minha curiosidade até que, em 1986, na passagem do cinquentenário da sua morte, houve alguém que dele se lembrou publicando um interessante artigo intitulado – LAURENTINO VERÍSSIMO, INVESTIGADOR, MÚSICO E NENEMÉRITO, MORREU HÁ CINQUENTA ANOS, forneceu-me elementos que me possibilitaram conhecer melhor esta figura escalabitana de que tanto tinha ouvido falar em rapaz.

Laurentino Veríssimo nasceu em Santarém em 1855.

Republicano fervoroso, aplica os seus recursos económicos no desbravamento de São Lázaro onde faz construir um bairro para ser habitado por famílias de poucas possibilidades monetárias, abrindo uma larga avenida de acesso, isto em 1894 e que vieram a ter o seu nome.

Nomeado em 1915 bibliotecário municipal e Director do Museu Arqueológico, dedica-se com todo o entusiasmo às suas novas actividades.

A biblioteca “Camões”, quando ele toma posse, tinha pouco mais de dois mil volumes e duas décadas depois, ultrapassava os dezoito milhares devido ao seu constante e insano labor.

Muitos eruditos da época procuravam-no no sentido de obterem informações que enriqueciam os seus conhecimentos.

Como conservador do Museu, imprimiu-lhe um sentido de divulgação e procurou acautelar os objectos arqueológicos encontrados, apetrechando-o de novas peças.

Apressado, procura salvar o que restava do Convento de São Domingos e consegue a oferta de um histórico portal que entra no Museu em 1923.

Na altura da sua posse, o Museu possuiu cerca de duzentos objectos, adquiridos desde a fundação, em 1876 e devido à sua dedicação deram entrada mais de seiscentos, conforme refere o seu substituto, Eng. Zeferino Sarmento.

Deve-se a Laurentino Veríssimo um catálogo que elaborou das peças existentes no Museu, tomando em consideração os inventários anteriores.

A Edilidade da época tinha projectado ou deliberado demolir a velha e significativa Torre das Cabaças, relógio da cidade.

A voz e a pena de Laurentino Veríssimo levantou-se com tanta veemência, que só se calou quando conseguiu evitar o crime. A sua audácia veio-lhe a custara “pena de suspensão por trinta dias” com perdas dos respectivos vencimentos e melhorias”, mas isso para Laurentino Veríssimo pouco importava – o valor patrimonial que tinha salvo para a sua terra possuía um valor que não se comparava com qualquer outro.

A velha torre do relógio veio a ser considerada monumento nacional pelo decreto nº 14 985, de 3 de Fevereiro de 1928.

A quando da sua morte, ocorrida em 7 de Dezembro de 1936, a Câmara sanou em parte o erro cometido, já que ficou consignado em acta um voto de profundo pesar pelo seu falecimento, ele que foi um grande amigo de Santarém, da sus Biblioteca e Museu e até de grande parte da sua população. Todas as despesas do funeral ficaram a cargo da Câmara Municipal, segundo a mesma acta.

Laurentino Veríssimo foi um fecundo colaborador da imprensa regional, publicando, segundo levantamento de Bertino Coelho Martins, cento e vinte e nove trabalhos sobre a história local e nacional, nos periódicos: - “Correio da Extremadura”, “Combate”, (Santarém), “Vale do Tejo” (Almeirim) e “Terra Branca” (revista – Chamusca).

Além de um excelente músico, ajudou a fundar a Associação Comercial de Santarém.
Fica-nos a ideia que este santareno pôs sempre a parte espiritual à frente da monetária.

Das novas gerações poucas saberão da existência deste homem que deu o melhor de si à sua terra.

Sem dúvida que os trabalhos que publicou se fossem reunidos em livro, seria, como afirma Bertino Martins, para além de um acto de justiça e de reconhecimento pelo labor dum verdadeiro apaixonado pelas coisas de Santarém, de muito interesse para a historiografia local.

Não conheço nenhum dos cento e vinte e nove artigos publicados e não vai ser fácil conhecê-lo, tanto pela distância a que me encontro de Santarém, como pela dificuldade em encontrar os exemplares dos jornais em que se encontram. Ainda recentemente dirigimo-nos a um arquivo distrital afastado cerca de quatrocentos quilómetros da nossa residência e de trinta jornais que constavam da nossa lista, só três ou quatro encontrámos!
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“Laurentino Veríssimo – Investigador, Músico e Benemérito, morreu há cinquenta anos”, Bertino Coelho Martins, in Correio do Ribatejo de ?. 1986.
“As linhas de força da história Social de Santarém no século XIX”, Jorge Custódio, in Santarém a Cidade e os Homens, 1977
Arqueológio Scalabitano, Francisco Nogueira de Brito

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

António Boto

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 6 DE OUTUBRO DE 1995)



Poeta e prosador de grande sensibilidade que caracteriza o seu modernismo. É um dos mais notáveis e discutidos poetas da sua época.

António Tomás Boto nasceu em Concavada (Abrantes), segundo uns, em 1900, segundo outros em 1897.

O seu aparecimento nos meios literários causou grandes controvérsias e escândalos.
As revistas de vanguarda literária, da época, como a “Contemporânea”, “Athena” e “Águia”, ao publicarem os seus trabalhos, levaram-no a uma grande quantidade de leitores que o começaram a admirar.

Outras revistas, dirigidas a diferentes extractos sociais, igualmente fazem a sua divulgação.

O público e a crítica começaram a considerar o poeta como uma das realidades definitivas e de primeira linha na nossa intelectualidade.

O seu primeiro livro de poemas data de 1920, intitula-se “Canções” e tem prefácio de Manuel Teixeira Gomes, sendo apreendido em 1924. Foi traduzido para o inglês por Fernando Pessoa.

Escreveu a seguir, “António”, uma novela dramática com estudo crítico de Fernando Pessoa.

“Aos vinte e seis anos, Boto, de sobrancelhas depiladas e sempre, segundo os seus próprios amigos, comprometedor, era já uma figura típica de Lisboa”.

Na década de quarenta, fixa-se no Brasil, onde veio a falecer no Rio de Janeiro, no dia 12 de Março de 1959.

Publica, entre outros, mais os seguintes trabalhos: - “Alfama”, peça em três actos, “Trovas””Cantigas de Saudade”, “O Meu Amor Pequenino” (traduzido para o italiano, inglês, alemão e espanhol), “Ciúme”(com estudos críticos de José Régio e de José Gaspar Simões), “Motivos de Beleza” “Curiosidades Estéticas”, “Pequenas Esculturas”, “Olimpíadas”, “Dandismo”, “Cantares”, “Baionetas da Morte”, “”Nove de Abril” (teatro), “Por Causa do Fado” (teatro), “Dar de beber a quem tem sede”, “Verdade e Mentira da Minha Vida”, “Flor do Mal” (teatro) e “Sonetos”.

António Boto colaborou na grande imprensa, incluindo a revista “Presença”.

Quando o General Norton de Matos foi alto-comissário em Angola, desempenhou o lugar de Chefe da Repartição Política e Civil do Zaire.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Dicionário Universal Lello
História de Portugal, J. Veríssimo Serrão, Vol XII, 1990
História de Portugal, Dir. João Medina, Vol. 6

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

As vias de comunicação

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 20 DE SETEMBRO DE 1991)

[Carroça no Outeiro da Várzea fazendo o trajecto de Vilgateira-Santarém em 1936. Retirado de memoria com.historia]

Boas vias de comunicação foram sempre e serão um factor, entre outros, de primordial importância para o desenvolvimento de uma povoação ou região.

Ainda que a freguesia da Várzea conte com a presença de duas estradas nacionais, nº 114 (Santarém-Peniche) e 362 (Santarém-Porto de Mós), situam-se praticamente nos extremos, localizando-se Vilgateira e outras aldeias, entre elas, consequentemente fora de mão, circunstância que tem sido negativa para o seu desenvolvimento.

Não há muitos anos os vilgateirenses para utilizarem os transportes públicos colectivos, tinham que se deslocar ao apeadeiro da Quinta do Gualdim ou ao de Perofilho, ambos situados a distâncias consideráveis.

As estradas municipais de macadame e os caminhos, além de poucos, encontravam-se sempre em mau estado, negando-se muitas vezes os motoristas a efectuar os serviços solicitados.

Na década de cinquenta, a linha viária dorsal da freguesia foi beneficiada com a criação de uma carreira que ligava Santarém a Rio Maior, passando pelo Cortelo, Outeiro da Várzea, Vilgateira, Carneiria e Casais de Alcobacinha, isto só para referir as povoações da freguesia directamente beneficiadas. O isolamento das populações levou, com esta medida, grande machadada.

[Estrada do Cortelo. Des. de JV, 1980]


A deslocação à cidade era feita antigamente de burro, noutros animais de sela para os mais endinheirados e, de carroça, quando não a pé.

Existia na aldeia um breque que era o táxi da época.

As peripécias passadas nesse percurso, e algumas ouvimos contar, davam matéria para extensa descrição!

Era penosa a ida à cidade, apesar da sua proximidade. Quantas vezes se tinha de recorrer às juntas de bois para retirar as viaturas!

Por estas razões e outras, as deslocações faziam-se em reduzido número, só quando havia imperiosa necessidade, mas as feiras da cidade eram sempre contempladas.

Faziam-se as compras para o ano, desde os utensílios para a lavoura, até às necessidades da casa, passando pelo vestuário e calçado.

Apesar das grandes modificações operadas, o varzeense gosta ainda de ir à Feira da Piedade ou do Milagre e alguns procuram também os mercados mensais de gado.

Apareceu entretanto o luxo da bicicleta! Muitas vezes tinha que se transportar a máquina às costas, a corta-mato, pelos olivais, já que por aí se tornava mais fácil passar!

Ainda vive na aldeia quem quando viu para primeira vez um automóvel subir a ladeira do Rio de Pau, fugiu espavorido.

O troço municipal que saindo junto das Quintas do Gualdim e da Granja, nos leva a Vilgateira, foi o primeiro a ser asfaltado (1972).

Só após 1974 se deu movimento ao asfaltamento das outras estradas municipais, o que constituiu um melhoramento muito considerável. Podemos hoje dizer que a freguesia está bem servida de vias de comunicação.

[Estrada da Perofilho. Foto JV, 2009]

Asfaltou-se o troço de Outeiro-Aramanha. Em 1979 foi a vez da ligação de Perofilho ao Cortelo e finalmente a estrada municipal nº 34, oriunda do alto do Mocho, via utilizada pela Rodoviária Nacional e que constitui a mais curta distância entre a cidade e Vilgateira.

Para completar a rede faltará, se a memória não nos atraiçoa, o troço Vilgateira-Aramanha, passando pela Fonte de Vilgateira ao Maio, pela Pisca e seguindo por Alcobacinha.

As vias de comunicação foram sempre das principais preocupações dos autarcas locais.

A freguesia da Várzea éw hoje atravessada pela auto-estrada (Lisboa-Porto), o que deu ligar a expropriações mas pensamos que tal facto irá pesar no desenvolvimento da freguesia.

Terminaremos o tema com a indicação cronológica de acções desenvolvidas neste campo:

1873 – A Junta de Paróquia deu parecer favorável devido aos benefícios e vantagens que traz à inclusão definitiva da estrada municipal, a que parte ao quilómetro 6 da Estrada Real nº 65 e que termina no lugar de Albergaria, servindo Outeiro da Cortiçada e Correias;

1880 – A pedido da Junta de Paróquia de Abitureiras e com o aval da da Várzea, a mesma estrada passa a “distrital”;

1907 – A Junta de Paróquia pede à Câmara Municipal para que a “contribuição de trabalho” da freguesia seja aplicada na estrada entre Perofilho e Baixinho, que estava intransitável;

1910 – São pedidos cem mil réis para o arranjo do ramal vivinal para a Fonte de Vilgateira;

1911 – Prevê-se o arranjo de 7 km de estrada municipal e a conclusão da estrada de Vilgateira (210 m) com calcetamento nas valetas;

1915 – É deliberado pedir à Câmara Municipal para que também se construa a estrada do Gualdim ao entroncamento com a estrada do Cortelo;

1933 – A Câmara Municipal deliberou mandar reparar a estrada da Fonte de Vilgateira, e um maoa das estradas municipais do distrito de Santarém classificava as seguintes no que respeita à freguesia da Várzea:

E.M. nº 32 – De Perofilho ao Baixinho e ramais;

E.M. nº 33 – De Perofilho ao Gualdim;

E.M. nº 34 – Do Mocho à Várzea e ramais;

1940 – Construção da estrada de Perofilho ao Grainho, e pavimentação inteiramente renovada da estrada de Perofilho à estrada da Várzea;

1947 – É projectada a estrada entre a freguesia da Várzea e a Romeira;

1960 – A população dos Casais dos Chões pede à Junta autorização para consertarem, por sua conta, uma esxtensão de 200 m de estrada que faz limite com a freguesia da Moçarria;

1961 – Foi concedido um subsídio para o arranjo da estrada de Alcobacinha e arranjo da estrada da Charruada – 1 km já se encontre terraplanado. Existem 50 m3 de brita e são necessários outros tantos. Fizeram-se setecentos e cinquenta metros de estrada nova e repararam-se 650;

[Estrada dos Casais da Charruada. Foto JV, 2009]

1966 – Estrada de Vilgateira ao Maio, passando pela Pisca e seguindo por Alcobacinha (1.500 metros). Foi concedido um subsídio de 15 contos. Alargado e construído um aqueduto;

1968 – A Junta de Freguesia pede a construção dos seguintes caminhos: Da Laranjeira aos Casais do Orégão, numa extensão de 455 metros e de Vilgateira ao Rio Feitor, de 165 metros;

1970 – A J. F. gasta 41.495$00 no arranjo da estrada do Quintão ao Grainho;

1972 – Alcatroamento da estrada da Quinta do Gualdim a Vilgateira e pedido à Câmara Municipal do mesmo em relação à do Alto da Olaia ao Alto do Mocho;

1973 – É novamente solicitado o alcatroamento da estrada do Cortelo e a reparação do caminho da Aramanha à fonte do mesmo ligar, numa extensão de cento e cinquenta metros. Igualmente se solicita a reparação da “rua” que parte de Vilgateira para a Fonte do mesmo lugar e da estrada de Vilgateira aos Casais da Aroeira, já da freguesia das Abitureiras;

1979 – É pedido o asfaltamento da estrada do Cortelo, Perofilho e Casais do Rosário;

[Carneiria, autoestrada. Foto JV]

1980 – A J.F. deliberou propor o alcatroamento de:- Rua do Moderno, Casais do Mocho à Flor do Mato, Rua do Quintão. Estrada dos Casais da Charruada, Rua da Parreira, no Grainho e troço da estrada entre a Quinta de S. Martinho e o Laureano. É proposto também o empedramento de: - Estrada das Hortas (Casais da Azenha aos Casais da Narcisa), estrada da Carraceira (do Rio Pau à Carneiria) e estrada dos Casais do Maio e Casais da Aroeira.

Aqui fica o que foi possível reunir sobre o assunto.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Lembrando o Prof. Albertino Henriques Barata

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 20 DE OUTUBRO DE 1995) *

Nota Breve
Esta segunda parte das MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO que intitulámos de CRÓNICAS SOLTAS seguiu-se a uma primeira série que pensávamos que fosse única.
Pelas razões que fomos explicando ao longo das croniquetas, foram aparecendo pequenos nadas que nos foram sugerindo mais esta, mais aquela e publicadas com grande irregularidade e que se espalharam ao longo dos anos com destaque para 2004 em que foram publicadas dezassete.




Desloquei-me propositadamente a Santarém para assistir ao lançamento do nº 3 – Março de 1992, dos Cadernos Culturais da C.M.S., intitulado NOTÍCIAS HISTÓRICAS SOBRE O CONCELHO DE SANTARÉM, que reuniu as crónicas publicadas neste semanário e na “Voz do Espinheiro”, sobre o concelho de Santarém e de autoria do Prof. Albertino Henriques Barata.

Ao regressar a casa, a cerca de noventa quilómetros de distância, fui buscar uma carta datada de 19 de Abril de 1976 e assinada pelo Prof. Barata, colocando-a, após pequena colagem, no final do livrinho, pois entendemos que o completa.

Pena tenho de me ter desaparecido uma outra posterior que, com as andanças da minha vida profissional se perdeu ou ainda não encontrei. O meu mundo dos papéis, recortes de jornais, revistas, boletins, cartas, papéis avulso, eu sei lá, antes da selecção, organização e arquivo, sofria por vezes alguns ataques de limpeza, de autoria de gente estranha.

Nessa carta, Albertino Barata, com excelente caligrafia, própria dos mestres da sua época, agradecia-nos as palavras que lhe tínhamos endereçado e datadas de 9 de Abril de 1976.

O cronista do “Correio do Ribatejo”, no número de 26 de Março de 1976, tinha feito publicar uma das suas habituais crónicas históricas, intitulada A FREGUESIA DA VÁRZEA ATRAVÉS DOS TEMPOS. Ainda que conhecêssemos tudo ou quase tudo do que lá se escrevia, senti-me na obrigação de lhe agradecer o que tinha escrito sobre a minha freguesia natal, que muito prezo. Ler coisas sobre a nossa terra é sempre agradável.

Quando escrevi ao Prof. Barata, relacionei-o com o Dr. José Henriques Barata que conhecia desde a minha juventude pela leitura de alguns dos seus trabalhos, como “Fastos de Santarém” e artigos dispersos no “Correio do Ribatejo” e “Vida Ribatejana”, de Vila Franca de Xira e admiti que fossem irmãos o que era fácil de deduzir e que se veio a confirmar.

Em contrapartida fui relacionado com os meus familiares, foi-me dado o meu avô como possível “pai” e o que me seria o meu pai. Na segunda carta, a explicação veio:- como é que um homem tão novo se interessava por estes assuntos; fazia-me muito mais velho!

Ao sugerir a publicação das crónicas em livro, o professor dizia-nos:- É POSSÍVEL QUE AS MINHAS CRÓNICAS PUBLICADAS NO “CORREIO DO RIBATEJO” POSSAM SER APROVEITADAS PARA UM (livro). Felizmente que isso veio a acontecer, ainda que o tivesse sido dezasseis anos depois! Mais vale tarde que nunca, como diz o povo.

Faz precisamente hoje nove anos que faleceu o Prof. Albertino Barata.

Sem ser um técnico no assunto, o professor passou muitas e muitas horas em bibliotecas e arquivos compilando o que já se tinha escrito sobre as cidades, vilas e aldeias ribatejanas e sempre que possível, acrescentava algo de inédito e mais recente, que era do seu conhecimento.

Estas crónicas, que foram republicadas neste jornal no que respeita ao concelho de Santarém, tiveram a grande vantagem de numa linguagem acessível levar ao cidadão comum os principais conhecimentos históricos, geográficos, etnográficos e outros sobre as suas terras e vizinhas, o que de outra maneira não lhe seria fácil obter.


[Rua Almeida Garrett onde viveu no Meu Bairro o Prof. Albertino Barata]

Aqui fica esta pequena lembrança ao Prof. Albertino Henriques Barata que viveu muitos anos no MEU BAIRRO, mais precisamente na Rua 2º Visconde de Santarém e daí a inclusão nas MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO.

* Este escrito saiu indevidamente publicado na nossa rubrica FIGURAS RIBATENAS, quando o devia ter sido nas MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, aliás como se deduz do texto. Daí esta explicação.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Francisco Xavier de Moncada

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 29 DE SETEMBRO DE 1995)



De seu nome completo, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, nasceu na vila de Constância a 4 de Setembro de 1859, sendo filho de José Maria Moncada e de D. Maria Xavier da Costa Freire Cabral.

Fez os estudos preparatórios para o ingresso na Universidade, no Seminário Episcopal de Coimbra. Matriculou-se em Direito em 1879, obtendo o grau de bacharel em 1884.

Exerceu a advocacia em Torres Novas e posteriormente nomeado Administrador do concelho de Sintra.

Em 1886, é nomeado Delegado do Procurador Régio em Torres Novas onde se mantém até 1889.

É colocado em Lisboa onde exerce as mesmas funções na 5ª Vara e depois na 3ª daquela cidade.

Em 1895 foi nomeado ajudante do Procurador Geral da Coroa e Fazenda, sendo depois promovido a juiz e colocado na comarca de Coruche.

Por decreto de 19 de Julho de 1900 assumiu o governo geral da província de Angola onde esteve até 1904.

Neste período deu-se a revolta do Bailundo que foi dominada debaixo da sua direcção.

Foram-lhe concedidas as medalhas de oiro da Rainha D. Amélia e a Comenda da Ordem Militar de Nª Sª da Conceição, de Vila Viçosa.

Regressando ao continente e à sua carreira profissional, é promovido a juiz de segunda classe e colocado em Idanha-a-Nova (1905).

Foi Comissário Régio na Companhia de Caminhos de Ferro de Benguela e deputado em várias legislaturas, tendo pertencido ao Partido regenerador, chefiado por Hintze Ribeiro.

Além de numerosos discursos parlamentares impressos, o Dr. Francisco de Moncada deixou o livro “A Campanha do Bailundo de 1903”.

Faleceu em 4 de Janeiro de 1908.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Descripção da Villa de Punhete (actualmente designada Constância) por V.J. d’O., 1830 – Inscrição, Prefácio e Notas Complementares por José Eugénio de Campos Godinho, 1945.

sábado, 28 de novembro de 2009

Memória "Última"

(PUBLICADO NO 11 DE JUNHO DE 1993)

As MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO vão terminar hoje. A “Memória Última” vai ser dividida em duas partes.

Após a publicação dos primeiros números, começaram a chegar aos meus ouvidos, não as sugestões que tinha pedido mas sim pedidos de reclamação quanto a situações que se passam no bairro e que muitos dos seus moradores não aceitam.

Informámos dentro das nossas possibilidades que a temática das MEMÓRIAS nada tinha a ver com esses assuntos que afinal têm de ser postos aos órgãos autárquicos competentes das maneiras que julgarem convenientes.

Contudo, e porque conheço também alguns dos problemas e tratar-se de uma MEMÓRIA especial, vou aproveitar para chamar a atenção de quem de direito, para os problemas que me ventilaram.

O alcatroamento das ruas é muito deficiente, com buracos e remendos que naturalmente provocam desníveis e mau aspecto, As ruas do populoso e já “velho” bairro citadino, mereciam bem um tapete uniforme de asfalto.

Também é notório, por vários motivos, alguns desnivelamentos nos passeios.

Dizem-nos que há sarjetas entupidas já que a “assistência” não é feita com a regularidade desejada.

Algumas árvores secaram e não foram substituídas e outras, com um porte bastante avantajado, estão decrépitas e já não produzem a folhagem suficiente para embelezamento e proporcionar uma certa fresquidão nos dias quentes de Verão.

Um dos velhos candeeiros (lembro-me de serem colocados e chamávamos-lhe “cabeças de nabo” foi derrubado e ainda não voltou ao seu lugar!

É regra, e por falta de número suficiente, os recipientes do lixo não comportarem o mesmo e assim muito fica espalhado pelo chão.

Muitos proprietários das habitações não as caiam ou pintam há anos pelo que oferecem mau aspecto. Não haverá uma postura municipal que os obrigue?

Aqui ficam as reclamações que nos pediram para transmitir.

***
[Casa do Meu Bairro onde vivi dos 2 aos 19 anos. Foto JV]
Agora iremos abordar a segunda parte.

Se existiu na primeira MEMÓRIA uma pequena nota explicativa que pensamos se justificava pois havia necessidade de indicar aquilo que nos propúnhamos realizar, hoje existe a mesma razão ao terminar o trabalho e fazer o balanço.

Como já dissemos, ao programar as MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, tínhamos previsto cerca de doze escritos. Afinal e como sabeis, foi para o dobro! Mas queríamos escrever mais e é compreensível que isso seria possível. Mas então porque não fazê-lo? É que escrever e para mim é algo que só se faz com prazer, é dar alguma coisa de nós, como nos dias há dias e a propósito, um velho amigo. Nem sempre existe disponibilidade para isso, tanto temporal, como mental. Além disso, o afastamento do local impede-nos de abordar alguns temas de interesse que de certo modo poderiam completar a ideia fundamental que nos norteou.

Por agora, o sótão das nossas recordações está inerte. Quem sabe se um dia despertará novamente para estes assuntos?

O mais difícil é aparecerem as ideias, quando surgem e têm conteúdo e antes da pena, a pouco e pouco vamos “pegando” as pequeninas coisas e dando corpo assim a essa ideia, procurando sempre apresentá-la com cabeça, tronco e membros, o que nem sempre conseguimos fazer.

Durante o período da publicação, que ultrapassou os seis meses, com duas únicas falhas, chegou-nos ao conhecimento que o número de leitores interessados ia aumentando e até alguns factos que muito nos sensibilizaram.

Quando as “falhas” surgiram, começaram a dizer que tinham acabado as MEMÓRIAS, o que não era verdade. Hoje sim, será a última, pelo menos desta série. Quem sabe se um dia aparecerá uma segunda?

Ao terminar as MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, queremos agradecer a todos aqueles que de qualquer modo as ajudaram a “construir”, tanto com as suas achegas, como com os incentivos que chegaram ao nosso conhecimento, de várias formas.

Não podemos deixar de exarar um agradecimento especial à nossa prima Anel, uma verdadeira apaixonada do bairro onde nasceu e ainda vive, tanto pela sua colaboração poética, como pelos esclarecimentos prestados e até pela ligação que acabou por estabelecer entre mim e alguns leitores, nomeadamente do bairro.

Os nossos tempos livres que gastamos nestas assuntos, irão agora para outras paragens que igualmente nos são muito queridas e que gostamos de divulgar.
Um dia regressaremos às páginas deste “velhinho” semanário, é uma ideia que não queremos abandonar

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Guilherme de Azevedo


(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 22 DE SETEMBRO DE 1995)

Esta figura emblemática da cidade que tem sempre vindo a ser referida como proeminente nos campos que abarcou, nasceu em Santarém, mais propriamente na travessa do Sequeira, Bairro do Pereiro, no dia 30 de Novembro de 1839.

Guilherme Avelino de Azevedo Chaves, conhecido nos meios literários por Guilherme de Azevedo, era filho de Felício José Chaves, homem rijo, austero e íntegro que exercia as funções de secretário de finanças e de D. Maria do Carmo Pratt de Azevedo, filha de inglesa.

Muito cedo com problemas de saúde que lhe debilitaram um dos membros inferiores, houve tentativa de seu pai para o fazer seguir a sua carreira profissional, o que não era de modo nenhum consentâneo com a sua maneira de ser.

Revelando desde muito jovem tendência para as letras, para a crítica social, humor e sátira política, funda na sua terra natal, juntamente com Lino Assumpção e Ferreira Braga, em 1871, o bissemanário “O Alfageme”, folha política, literário e noticiosa de que era redactor - director e que durou seis meses.

Nas crónicas que escrevia, transmitia o colectivismo e as ideias socialistas que defendia, tendo mesmo a coragem de fazer o elogio da comuna o que originou, por parte de muitos assinantes, a devolução do jornal.

Em carta datada de 21 de Setembro de 1871, afasta-se do jornal por incompatibilidades com os restantes mesmos.

Falecido o pai, tenta o jornalismo na capital onde não lhe falta trabalho, colaborando nos principais periódicos, “Diário da Manhã”, “Lanterna Mágica”, “Gazeta do Dia” e no “Pimpão”, além de no “Ocidente”, onde lhe é oferecida a direcção.

As suas crónicas, de sabor essencialmente crítico, viram-se para à vida lisboeta, tornando-se muito conhecidas e apreciadas.

Aceita a correspondência de Lisboa no diário portuenses “A Luta”, enviando também ao “Primeiro de Janeiro” um folhetim semanal e outro quinzenal ao “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro.

Tentado pelos agentes teatrais escreveu a comédia em quatro actos, “Rosalino”, que representada no “D. Maria”, fracassou mas que veio a ter êxito no Brasil e no Porto.

Depois, e em parceria com Guerra Junqueiro, escreve uma peça de critica política intitulada “Viagem à Volta da Parvónia”, revista (1879) cuja representação foi outro insucesso e que deu lugar a cacetada no dia da sua apresentação e proibida ao segundo dia, a pretexto de perturbação da ordem.

Fundou com Bordalo Pinheiro o “António Maria” tendo a seu cargo aparte literária.

Traduziu uma opereta que se representou no “Trindade”.

Em 1880 a “Gazeta de Notícias” do Rio de Janeiro nomeia-o seu correspondente em Paris, para onde parte, continuando o seu trabalho jornalístico e onde acaba por falecer no dia 6 de Abril de 1882, vítima da doença que o ataca desde criança. Fica sepultado em França.

Publica o seu primeiro livro de poemas em 1867 (Aparições), seguindo-se-lhe”Radiações da Noite” (1871) e “Alma Nova” (1873) a sua obra-prima, “verdadeiro cântico da revolução em marcha”, que lhe granjeou merecido louvor e dedicado ao eminente poeta e pensador, Antero de Quental.

O seu poema “Palhaços” figura em diversas antologias portuguesas e brasileiras.

O jornalista assassinou o poeta, escreveu um dia Guerra Junqueiro.

Espírito cintilante foi um dos promotores das Conferências Democráticas do Casino.

Desde há muito tem o seu nome numa das principais artérias da cidade onde recentemente lhe foi erigido um monumento.
__________________________

A Mundividência na Poesia de Guilherme de Azevedo, J. Veríssimo Serrão, Santarém, 1948

Santarém na História de Portugal, J. Veríssimo Serrão, Santarém, 1950

Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

“O Poeta da Alma Nova”, V. Arruda, in Correio do Ribatejo, desde 16.02.1982

“O Ribatejo na Literatura”, Jorge Vernex, in “Vida Ribatejana”, nº especial de 1940

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Bartolomeu dos Mártires Dias de Sousa

(PUBLICADO NO CORREIO DO ROBATEJO DE 15 DE SETEMBRO DE 1995)


Nasceu em Constância a 27 de Julho de 1806 tendo concluído o curso em Cânones em 1828.
Professando as ideias liberais, alistou-se no Batalhão Académico e fez parte dos sete mil e quinhentos homens que desembarcaram no Mindelo, tomando parte em todas as acções e pronunciamentos do liberalismo.

Foi um escritor notável.

Tinha a carta de conselho e era comendador de Cristo, Conceição, S. Tiago, cavaleiro da Torre e Espada, de S. Maurício, S. Lázaro de Itália e Gran-Cruz de S. Gregório Magno, de Roma.

Desempenhou as funções de Director-Geral da Secretaria de Justiça, deputado da Junta Geral da Bula da Cruzada e foi várias vezes presidente da Câmara de Deputados.
Faleceu a 7 de Janeiro de 1882 em Lisboa deixando toda a sua fortuna à filha única, casada com o Conde de Tomar.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
“A Vila de Constância e o seu termo”, in Correio do Ribatejo, Albertino Henriques Barata
Descrição da Villa de Punhete, 1830, Veríssimo José de Oliveira

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A água, esse precioso líquido

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 13 DE SETEMBRO DE 1991)

Numa conversa familiar alguém nos pergunta, olhando para o volume dos nossos apontamentos e antes de os ler:- Tudo isto é sobre a freguesia da Várzea? Afinal o que há para dizer sobre meia dúzia de aldeolas, algumas nem esse nome podem ter, que constituem essa freguesia? Para mim, e continuava, uma folha chegava e tinha dificuldade em completá-la.

O que este familiar nos disse, pode ser extensivo a muita gente, incluindo os varzeenses.

O gosto que temos por essa temática obriga-nos a ler isto e aquilo, umas vezes para encontrarmos referências, outras para podermos traduzir o que vimos ou que nos contaram. Se colocarmos a sensibilidade ao serviço da questão, conseguimos de pequenos nadas que passam despercebidos a muita gente, organizar um tema que ao ler-se, pode interessar aos leitores.

Este pequeno intróito justifica o tema que hoje iremos abordar.

Quem já tinha pensado nele?

***

Água, esse precioso líquido, não é escassa na freguesia, bem pelo contrário, pode-se considerar região rica em águas nativas.

Sem qualquer rio, possui contudo grande rede hidrográfica constituída por pequenos cursos de água, ribeiros, regatos e arroios.

Procuraremos agora dar uma ideia dos ribeiros existentes que em épocas recuadas moveram moinhos e azenhas que constituíam a principal indústria moageira, importante numa região cerealífera como esta.

DAS FONTAÍNHAS
Ao norte da freguesia corre este ribeiro que deve ter origem na vizinha freguesia da Romeira, atravessa a Quinta da Granja, sendo conhecido por isso como “Rio da Granja”. Corre depois paralelamente ao alongado povo do Cortelo, cruzando-se com a estrada do “Casal do Poço”, o que provoca largo aqueduto.

Atravessa depois a estrada nacional nº 114 e entra na freguesia de S. Nicolau, irrigando a dispersa povoação que lhe deu o nome e indo desaguar ao Rio Asseca, afluente do Tejo.

O topónimo Fontainhas tem origem no grande número de pequenas fontes existentes na zona.

DE VILGATEIRA
Na parte central da freguesia destaca-se este ribeiro que, segundo nos informaram recentemente, tem origem num olho de água que brota no Casal das Figueiras. Depois de passar pela Fonte da Aramanha, Casais da Azenha e Fonte de Vilgateira, toma a designação de “Rio de Pau, atravessa a estrada, dando origem ao que impropriamente se chama “Ponte do Rio de Pau” e entre em terrenos da Quinta do Freixo. Corre depois pelo vale paralelo ao alongado povoamento da Carneiria e na várzea” deita as suas águas no Ribeiro de Perofilho, aqui designado por “Rio de S. Martinho”.

DE PEROFILHO

[Ponte romana em Perofilho. Foto JV]

Fica ao sul este curso de água que é o mais importante da freguesia e se formou pela junção dos ribeiros da Lamarosa e do Vidigão.

Vai recebendo os regatos do Baixinho, de Alcobacinha, que nasce nas proximidades dos Casais da Aroeira, da vizinha freguesia das Abitureiras, e o da Pontinha que é conhecido por “rio Feitor” e rio das Laranjeiras”, conforme os locais por onde passa.

O ribeiro de Perofilho depois de atravessar a estrada nacional nº 114, corre pelo vale situado entre os Casais do Rosário e os da Charruada e Mata-o-Demo, desaguando na vala da Asseca. (1)

***

Acabámos de ver os pequenos cursos de água, mas não são só estes que nos interessam abordar.

Se as fontes existentes na freguesia hoje pouco ou nada representam para a população, não há muitos anos tinham grande importância sendo das principais preocupações dos órgãos autárquicos. Chegou mesmo a haver o pelouro das fontes.

Além de fornecerem água para o consumo doméstico, pois nem todos tinham possibilidades de mandar abrir um poço, davam de beber aos animais e abasteciam os lavadouros públicos, naturalmente muito frequentados e o principal ponto de coscuvilhice.

Hoje, a sua utilização é muito restrita e deveriam constituir verdadeiros “monumentos” locais que deveriam ser preservados. (*)

Iremos assim referi-las com os dados que nos foi possível obter.

DE VILGATEIRA
A sua existência teria acabado por dar origem a um pequeno aglomerado populacional, em desenvolvimento. Localiza-se numa baixa, como é próprio, e num lugar frondoso, na linha do ribeiro de Vilgateira.

[Antiga Fonte de Vilgateira. Foto JV]

Em 15 de Junho de 1890 compareceu na reunião da Junta de Paróquia, D. José Sacoto Galache que fez algumas considerações sobre a maneira de empregar bem o dinheiro concedido pelo Ministério das Obras Públicas para reparar a fonte. As suas sugestões foram tomadas em boa conta e aprovadas pelos presentes. D. José tinha-se deslocado a Lisboa usando os seus bons ofícios para a concessão do subsídio.

António Vargas arrematou por concurso a perfuração da mina nume extensão de 27 metros (20.07.1890).

Actualmente possui tanques cobertos por bom telheiro. Três bicas. Duas abastecem pias que dão de beber aos animais, hoje em reduzido número.

Uma placa de pedra tem a seguinte inscrição:- J P (que significa Junta de Paróquia) – 1896. Deve atestar qualquer reparação importante que sofreu.

Ainda que não tivesse ficado assinalado por inscrição, sabemos que foi reparada em 1911, 1933 (2) e 1945, mas neste caso ficou inscrição a atestá-lo.

Na frontaria, trabalho simples de argamassa onde realça uma estrela de cinco pontas.

Em 1960 a Junta de Freguesia solicita providências ao Delegado de Saúde por causa das águas estarem impróprias para consumo devido a infiltrações de água de rega. Um ano depois procura-se expropriar uma faixa de terreno para evitar tais infiltrações.

DA PONTINHA
A outra fonte que abastecia Vilgateira, situa-se na linha de um regato com o mesmo nome. Menos apetrechada do que a anterior, tem acesso difícil, principalmente na época invernosa, ainda que no Verão de 1986 tenha tido arranjo considerável com utilização de máquinas. Possuindo tanques para lavagem de roupa e pia para o gado beber, foi coberta cerca de 1975, o que foi feito com muito mau gosto.

Em sessão da Junta de 18 de Agosto de 1918, concluiu-se que era necessário limpar a mina e nascente e conveniente evitar a entrada por intermédio de porta com fechadura, não possibilitando assim que a garotada lançasse peras, paus e outros objectos.

Em 1961 foi cimentado o chão junto ao tanque.

[Fonte da Pontinha, restaurada em 2008. Foto JV]

DE PEROFILHO Situa-se nas proximidades da aldeia que servia, no velho caminho da ponte romana que vence o ribeiro do mesmo nome.

Parece-nos de antiguidade considerável.

[Antiquíssima Fonte de Perofilho. Foto JV]
Em 1911 a Junta de Paróquia não orça qualquer verba para o seu arranjo, visto “se encontrar n`uma rocha enorme e tornar-se muito dispendioso mexer-se nela”. Sete anos depois diz-se que necessita de grande limpeza, além de se dever procurar um maior caudal.

A situação vai-se arrastando e em 1961 a Junta de Freguesia procura resolver a precária situação em que vivia o povo perofilhense, prevendo-se a construção de um depósito para recolha de água a fim de abastecer a população e lavadouros públicos entretanto a construir.

Nada disto é realizado e dois anos depois fala-se na construção de um alpendre e tanques individuais.

Em 5 de Junho de 1964 a Junta de Freguesia oficiando à Câmara Municipal informa que só foi conseguido o arranjo da mina, apesar dos pedidos formulados em 1953, 1961 e 1963 e nunca satisfeitos.

Pretende-se que rapidamente sejam feitos um reservatório subterrâneo, a construção de tanques individuais e alpendres. O Ministro do Interior visitou a fonte acompanhado do Presidente da Câmara e reconheceu o interesse da obra.

Nem mesmo assim o trabalho avançou e em 1973 era voz corrente que houve uma reunião com indivíduos de Perofilho e entidade particular não especificada, para resolver em Lisboa, com urgência, a construção de fontanários e tanques.

Só após 1974 o abastecimento de água foi resolvido mas não por intermédio da fonte, completamente abandonada.

DA ARAMANHA
Situa-se na linha de água conhecida por “rio Pau”. A bica cilíndrica de chapa de ferro sobressai no paredão que a define, rematado por adorno simples. Placa de mármore com “C. M. – 1871” indica certamente grande reparação feita pela Câmara Municipal. Ladeiam o local para colocação de vasilhas, poiais de pedra.

A água quando não recolhida pelas vasilhas segue o caminho das duas pias e do tanque com cerca de 10 X 5 metros, com telheiro a quatro águas, efectuado pela Junta de Freguesia da Várzea em 1952, como atesta a inscrição. As pias foram feitas com pedras sepulcrais oriundas do antigo cemitério da freguesia.

Sabemos que em 1911 fizeram-se reparos que montaram a 50 mil réis e em 1918 há preocupações pelo mal que causam as raízes da árvore próximo, que inutilizam as manilhas.
[Fonte da Aramanha restaurada em 2007. Foto JV]

DO CORTELO
Aparece também indicada como poço. Em 22 de Setembro de 1960 é pedida autorização para atravessar o Aqueduto do Alviela na trincheira nº 37, com uma canalização de água do lavadouro, o que foi concedido.

Em 8 de Dezembro seguinte são inaugurados os tanques com a presença do vereador da Câmara Municipal, António Ribeiro de Fragoso Rhodes.

Em 1961 é considerada necessária a expropriação duma faixa de terreno para serventia pública e construção de uma caleira para a condução de águas de despejo dos tanques.

DA CARNEIRIA
Indicada como de mergulho e situada junto a uma propriedade que foi do Tenente-coronel Fonseca Guedes. As obras projectadas para esta fonte foram abandonadas.

DE ALCOBACINHA
Igualmente indicadas como de mergulho. Em 1961 pretende a Junta colocar uma bomba aspirante e a construção de tanques.

***

Depois de termos falado de ribeiros e de fontes, resta-nos referir os poços.

Nas margens dos cursos de água, abrem-se dezenas de poços que possibilitam boa horticultura e variadíssimas árvores de fruto.

Na aldeia de Vilgateira são poucos os fogos que não possuem poço, o mesmo acontecendo noutros aglomerados populacionais. É evidente que estamos a referir-nos às habitações antigas.

O abastecimento de água era e é naturalmente uma preocupação dos órgãos autárquicos. Fontes e estradas (caminhos) foram durante séculos preocupações dominantes da Junta de Freguesia (ou de Paróquia) e daí ser o tema mais abordado em reuniões.

[Fontanário nas Casais da Charruada. Foto JV, 2009]

Em Setembro de 1981 foi aberto um furo no sítio das Hortas e que tem 182 metros de profundidade. Com bom caudal, a água é conduzida para um depósito situado nas proximidades dos Casais da Narcisa e abastece ao domicílio praticamente toda a freguesia e mesmo várias localidades circunvizinhas.

***

Isto é o que nos foi possível reunir sobre o assunto. De maneira nenhuma, aliás como em qualquer outro, está esgotado.

É preciso continuar a reunir novas achegas. É preciso corrigir o que está errado. Só assim é possível conhecer melhor a freguesia da Várzea.

NOTAS
(1) - Carta militar de Portugal, folha 352.
(2) - Boletim da Junta Geral do Distrito de Santarém, nº 37, Julho/Dezembro de 1933.

(*) – Escrevemos então e já lá vão 18 anos! “Hoje, a sua utilização é muito restrita e deveriam constituir verdadeiros “monumentos” locais que deveriam ser preservados”.
Como algumas fotografias que apresentamos demonstram, os responsáveis locais entenderam, tal como nós, que as “fontes” tinham de ser preservadas. Prestaram um bom serviço ao património da Freguesia o que devia ser seguido pelas suas congéneres.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Tipos humanos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 4 DE JUNHO DE1993)




As figuras populares são uma constante desde sempre de pequenas “terras”, bairros, zonas mais alargadas e até mesmo de “terras” maiores, onde a sua projecção acaba por se “impor”

A figura típica abrange todos os extractos sociais mas tem mais incidência nas de menor ou nulo poder económico.

É se figura popular sem o procurar-se ser – a sociedade em que está inserido e involuntariamente é que acaba por o determinar.

As razões dessa “eleição” determinam-se por características que evidenciam, de que não abdicam, utilizando-as em excesso, muitas delas ou quase todas com algum sabor picaresco.

São assim pessoas conhecidas de todos, ainda que muitas vezes não se lhe conheça o nome, mas quase sempre a alcunha, algumas provenientes do seu próprio tipismo.
A MEMÓRIA de hoje é dedicada a três figuras humanas do MEU BAIRRO e da minha adolescência.

Não sei o nome de nenhum e penso que quem os conheceu como eu, também não o saberá, mas creio que as minhas palavras facilmente as trarão à memória.

Homem meão, para o baixo, curvado, de meia-idade mas de cara já enrugada, jaqueta, calça justa de cotim já coçada. Solteiro.

Aos sábados, após o sol-posto e depois de receber a jorna, aparecia no MEU BAIRRO, muitas vezes de enxada de bicos às costas e que constituía o seu ganha-pão e da mãe, com quem vivia.

Nunca soubemos onde morava mas penso que seria numas casitas na periferia do bairro, para o lado da Fonte das Padeiras.

Com uns magros escudos, vinha para o seu passatempo favorito, beber uns copos nas tabernas do bairro.

Ainda “são”, ia dizendo numa linguagem atrapalhada e pouco perceptível:- (...) com um bocadi de bacalhá, pã e um li de vim, mim tabalha di intê.

Não seria preciso muito para se embebedar e quando as tabernas fechavam, meio cambaleando, caía aqui e ali, acabando por se sentar ou deitar, onde calhava, de Verão ou de Inverno.

Bom homem, nunca ofendeu ninguém, mas... o seu apito, que não dispensava, não deixava de apitar e nas casas que tinham o azar de ficar próximo do local onde “assentava arraiais”, não se conseguia descansar até alta noite!
Quem não se lembra deste pobre homem trabalhador que todos conheciam por Bacalhá!
Como o tempo passa!
A sua figura continua no meu sótão das recordações!

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As outras duas figuras constituíam um casal. Ele, magro e alto, sempre de boné enfiado na cabeça para lhe acomodar o cabelo, barba invariavelmente crescida, aspecto macilento, movendo-se com lentidão. Pouco menos que andrajoso, carrega numa saca os utensílios do trabalho.

Ela, baixa e franzina, andrajava-se de preto e transportava numa antiga alcofa, o misérrimo pecúlio. Aparentemente mais velha do que ele, corriam as ruas do MEU BAIRRO com o seu pregão característico. Dizia ela, numa voz esganiçada: - É o gateiro e o chapeleiro; respondia ele num tom mais grave e pausado – co – la – tudo.
A miudagem apanhou o sotaque (que ainda hoje tenho) e vai disto, um pouco à frente ou um pouco atrás (para obter segurança, não fosse o diabo tecê-las ia repetindo o pregão, sem qualquer reacção da parte dele mas ela, de vez em quando fazia ameaças e principalmente saía-se com grande palavreado.

Pernoitavam onde calhava e o alpendre da escola protegeu-os muitas vezes da chuva e do frio.

Lembro-me de os ver no seu trabalho, ela sentada no chão com os seus óculos ovais na ponta do nariz, gateando alguidares e tachos, ele substituindo varetas partidas em chapéus-de-chuva.

Quando adquiriam alguns tostões, entravam na taberna e ela pedia um copo dos grandes para ela e um pequeno para o “marido”, justificando sempre que “eu é que trabalho!”
Dizia-se que esta pobre mulher, em tempos, casada, tinha vivido muito bem.
Algumas vezes a minha mãe lhes matou a fome, chegando a impressionar a maneira sôfrega com que comiam.

Pobre gente, de que nunca soube o nome!

Aqui fica está MEMÓRIA que como é óbvio, não teve o intuito de menosprezar as pessoas, mas sim recordar gentes que me marcaram e não esqueço.

Por detrás daquelas vidas de que conheci uma mínima parte, que tramas se teriam desenrolado?

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

De Convento de S. Domingos das Donas aos dias de hoje

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE MAIO DE 1993)



Quando na XVI MEMÓRIA, intitulada, “O HOSPITAL DE JESUS CRISTO E A SUA IGREJA”, publicada em 26.03.93, referimos a limitação do MEU BAIRRO, a grosso modo, por dois conventos, o dos Frades Terceiros de S. Francisco, que deu origem ao extinto Hospital de Jesus Cristo, e o das Dominicanas das Donas, demos a entender que mais tarde diríamos alguma coisa sobre este último. Assim vai acontecer hoje.

***
Antes de reproduzirmos aquilo que recolhemos na literatura da especialidade, iremos procurar voltar à nossa meninice e dar uma ideia do que era nos anos quarenta aquele grande casarão para o qual olhávamos com admiração pelo seu volume e número de janelas.

Quando seguíamos pela mão do nosso pai e passávamos perto, havia sempre perguntas a fazer a que ele respondia dentro das suas possibilidades e em linguagem que nos fosse perceptível.

Dizia-me que tinha sido um antigo convento a que chamavam das “Donas”.

Lembro-me que as paredes eram pintadas de ocre amarelo e foi-o assim durante alguns anos. Os terrenos adjacentes e que eu percorria quando ia a casa de meus avós, estavam apenas terraplenados. Se no Inverno as poças provocavam lamaçal, no Verão ou no Outono, quando se levantava ventania, vinham nuvens de poeira que tapavam o nosso horizonte e nos deixavam todos sujos. Era isto o Campo-Fora-de-Vila como então chamávamos ao já oficialmente Campo de Sá da Bandeira.

A estrada para Lisboa passava junto ao muro do Seminário e em frente da Rua Teixeira Guedes, aos Correios, havia a “Gaiola do Canário”, como chamávamos a uma cabina semafórica manual, de forma cilíndrica, envidraçada até ao meio na parte superior e pintada de vermelho, se a memória não me atraiçoa. A estrada contornava o Largo das Amoreiras, curvando à Fonte do Boneco.

No Campo-Fora-de-Vila só havia meia dúzia de árvores junto a um velho e derruído muro e onde se encontra hoje uma estação rodoviária. Chamávamos a estas árvores “bagueiras” pois davam um pequeno fruto esférico, preto quando maduro e que apreciávamos muito o seu gosto.

Era neste campo que se realizava a instrução militar e aproveitavam a sombra destas árvores para apresentar armamento e outras lições do tipo. Muitas vezes ali nos quedávamos a ouvir as lições e quando chegávamos a casa, havia “barulho”
Também aqui se realizavam as feiras anuais e os mercados de gado e também grandes largadas de toiros de que ainda me lembro. Velhos tempos!

Mas, não é sobre o Campo-Fora-de-Vila que nos propusemos escrever alguma coisa, mas sim sobre o Convento das Donas, como me ensinou meu pai.

Lembro grandes obras no que respeita à parte exterior e virada para o Largo das Amoreiras, afinal tal como se encontra hoje. Ainda não havia estrada, era um terreiro.

Vamos então ao que respigámos sobre o velho Convento das Donas.

Em meados do século XIII, reinando D. Sancho II, uma “dona” da então vila de Santarém, Elvira Duranda, que frequentava a igreja do Convento de São Domingos (onde se veio a construir o primeiro redondel da cidade) teve uma visão miraculosa, causando-lhe isso tal perturbação que resolveu desprezar as coisas terrenas.

Mandando fazer um cubículo subterrâneo junto da ermida da Senhora da Abóbada, então existente perto do Convento da Trindade, onde se “emparedou”. Aquele cubículo só tinha uma fresta para dentro da ermida, por onde passavam os alimentos e os “sacramentos”, Adoptou naturalmente a “emparedada” o hábito de São Domingos.
Após Elvira Duranda, mais “donas” de Santarém lhe seguiram o exemplo, chegando facilmente a dezanove.

Como dissemos, as celas encontravam-se na érea do Convento de São Francisco mas as “emparedadas” recebiam a direcção espiritual dos dominicanos. Esta circunstância acabou por dar origem a um litígio que se prolongou por vários anos, acabando numa solução conciliatória, deixando as “emparedadas” as suas celas, reunindo-se em comunidade perto da porta de Mansos, onde se mantiveram até à extinção das ordens religiosas (1834).

O Convento chamou-se de S. Domingos das Donas, para não se confundir com o de S. Domingos dos Frades, sito na Rafoa.

As dependências do mosteiro passaram a ser utilizadas para fins militares. Fizeram dali quartel várias unidades, como um regimento de infantaria, batalhão de ciclistas (daí o topónimo popular Rampa dos Ciclistas), regimento de artilharia, dependência da Escola Prática de Cavalaria e presentemente, se julgo saber, Distrito de Recrutamento e Mobilização, além da PSP.

Informa o Senhor Professor Doutor J. Veríssimo Serrão, na sua monumental História de Portugal, vol. X, pág. 238 que “Considerando o pedido da Câmara Municipal e da Associação Comercial de Santarém, o Governo... concedeu o extinto Convento de S. Domingos das Donas para instalar um aquartelamento e escola do ensino primário, ficando as obras de adaptação a cargo do Município” (30.01.1902).

Do Convento resta apenas a configuração e um ou outro vestígio, como fragmentos de lápides, pedras brasonadas e azulejos.

Na igreja, além de outros nobres, repousaram os Teles de Meneses, condes de Unhão.
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BIBLIOGRAFIA

Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

Santarém, Vitor Serrão, 1990

Tesouros Artísticos de Portugal, Selecções do Reader`s Digest, 1976

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Alimentação e culinária

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 6 DE SETEMBRO DE 1991)



Nos pequenos escritos que temos vindo a publicar nas páginas deste secular semanário, por deferência do seu Director, procuramos, como já dissemos, variar os temas.

Pensamos que isso pode proporcionar aos possíveis leitores, uma leitura menos fastidiosa.

Assim, abordaremos hoje um assunto que também consideramos de muito interesse para a análise da vida varzeense.

Como já afirmámos, o que temos escrito não pode ser considerado como conclusivo, bem pelo contrário, constituem pequenas achegas sobre os temas abordados.

***
O tipo de alimentação, confecção, número e horário das refeições, esteve sempre ligado ao modo de vida dos povos e às produções locais. Por isso, compreende-se que o pastor utilize bastante o leite e os seus derivados, o pescador o peixe, o magarefe a carne, o hortelão a hortaliça e o agricultor, os produtos provenientes da sua actividade.

O trabalhador rural varzeense que só possuía a força braçal que vendia principalmente aos lavradores locais por magros salários, sentia dificuldade em manter a família, só possível pela abnegada ajuda da companheira na apanha da azeitona, nas mondas nas ceifas, nas sachas e em qualquer outro trabalho a si destinado.

Sempre que podia e não era fácil, arrendava algum bocado de terra onde procurava fazer hortejo, colhendo batatas, favas, feijão, couves, nabos, alfaces, etc.

Como por todo o País, em período de crise de trabalho e não só, o varzeense recorria a muitas plantas espontâneas para uso culunário, tais como:- arelhos (alhos porros), celgas, cardos (tagarrilhas), serrelhas. Agriões, saramagos, ineixas, beldroegas, labaças, etc., proporcionando alguns pratos curiosos.

O povo desta região fazia normalmente três refeições, almoçava, jantava e ceava, sendo esta a refeição mais substancial. Ao levantar muitas vezes “matava o jejum”ou o “bicho”, bebendo normalmente um cálice de aguardente.

A alimentação variava conforme as circunstâncias, os dias festivos tinham os seus pratos próprios que nada tinham a ver com a alimentação do dia a dia, confeccionada muitas vezes, quando os trabalhos se realizavam afastados das residências, no campo com o auxílio da “burra” onde se pendurava a caldeira ou marmita.

O azeite, riqueza da região, entrava na maioria da preparação dos pratos, sendo muito utilizado para temperar vegetais cozidos e saladas. Todos os varzeenses possuíam uma “pinga” de azeite, quando não das suas oliveiras, de rabisco.

Enquanto o alentejano usa e abusa do pão e da carne de porco, o beirão da batata e do milho, o trasmontano da castanha e do centeio, podemos dizer que o varzeense usa e abusa dos vegetais dos legumes e do azeite.

Em dias festivos, a canja de galinha estava sempre presente e as aves, galinhas, patos e perus, “corados” com arroz nos fornos de cozer pão que quase todos os fogos possuíam.

O carneiro ou borrego guisado com batatas não podia faltar nos casamentos e outras reuniões festivas.

Como dissemos, os pratos estão muito condicionados às primícias. Aparecem em Maio (Maio as traz, Maio as leva – diz o Povo) , as favas e então há que aproveitar e comem-se favas com torresmos, favas cozidas temperadas de azeite e vinagre, ou de qualquer outro modo. Quando já estão muito feitas (duras), usam-se nos purés, acontecendo o mesmo quando secas. As saladas de folha tenra da figueira alegram as refeições.

As ervilhas vão contrabalançando como podem e aparecem algumas vezes feitas com ovos.

Chega o tempo do tomate e então e então é ele o rei nas saladas com batatas cozidas às rodelas e principalmente nas “molhangas” (molho de tomate).

Saladas também de alface e beldroegas.

A apanha da batata proporcionava “sopas e batatas” (sopa de pão, batatas às rodelas e ovos, não faltando a cebola, o alho e a hortelã, como temperos), “batatas inteiras” (batata cozida com a pele, temperada com azeite e vinagre) e acompanhada com o que seja possível, na altura muitas vezes o bacalhau.

“Massa à Barrão” e bacalhau de caldeirada, são pratos não muito vulgares noutras regiões.

Quando a vida se circunscrevia à freguesia e a ida à cidade era um luxo, além do bacalhau, de peixe, só se comia a sardinha, trazida primeiro em burros, depois em carroças e já há muito em “motorizadas”.

Hoje, segundo nos informam já aparecem os veículos automóveis que além da sardinha e do carapau já trazem algum peixe grosso, mas pouco.

Em tempos que já lá vão e porque o peixeiro que anunciava a passagem de corneta, vinha quando vinha, comprava-se mais sardinha que se conservava em sal, escorchando-a. Nas faltas, eram então cozidas ou assadas e acompanhada de grelos de ineixa ou de saramagos, quando não havia de couve ou de nabo.

Arelhos guisados com bacalhau são um prato muito genuíno e que consideramos de interesse gastronómico a nível turístico mas que até agora, e que seja do nosso conhecimento, ainda ninguém explorou.

Chícharos cozidos e temperados com azeite e vinagre, cebola e salsa, com ovos cozidos ou bacalhau assado, são muito do agrado destas gentes. Ainda hoje o chícharo é uma leguminosa muito procurada mas escasseia.

O cardo (tagarrilha) utiliza-se com carne de porco.

As sopas dos varzeenses são muito substanciais, de misturas muito variadas onde se pontificam os legumes (feijão, feijoca, grão e mesmo fava) se juntam batata aos “quartos miúdos”, couve feijão verde ou ervilhas, nabo, cenoura, abóbora ou chuchu (tudo dependente das épocas) de azeite mas que muitas vezes não dispensa uma morcela, um naco de toucinho ou uma farinheira.

Outras sopas típicas são as de celgas com feijão (de azeite) e de cardos com grão, de carne de porco.

Além das já referidas e das de uso comum, fazem saladas de papoilas, labaças e serralhas.

Ao rábanos aproveitam os homens, abertos com sal, como aperitivo para beberem um copo de vinho na taberna.

O caracol em que a zona é rica, é muito apreciado e nos últimos anos, quando a sua procura aumentou devido a generalizar-se o seu consumo, originou uma boa fonte de receita de mulheres e reformados.

Na doçaria o bolo de noivo é rei. Próprio da zona do Bairro e estendendo-se pelo maciço de Porto de Mós, já se encontra semi-industrializado sem contudo e como é compreensível, conseguir manter as suas reais características. Tomando a forma de ferradura e de tamanho avantajado, é tipo de bolo seco. Saber fazer este bolo era obrigatório à varzeense. A receita é para a quantidade de um alqueire. Juntamente com o arroz doce constituía a doçaria dos casamentos.

Pelas festas cíclicas, fazem fritos como coscorões e filhós, massas de farinha batida com ovos, frita e povilhada com açúcar e canela.

Em determinad época do ano, que já não sabemos determinar, a Sra. Maria Amália fritava, porque fazia bem, folhas de laranjeira previamente molhadas numa massa de farinha. Tinha sempre meia dúzia delas para oferecer em minha casa. Era agradável principalmente pelo toque do gosto da folha.

Do que descrevemos, pouco se mantém, mas é preciso que ao varzeenses de agora saibam como os seus antepassados se alimentavam.