sexta-feira, 24 de abril de 2009

O apodo



(Publicado no Correio do Ribatejo de 27 de Novembro de 1992)

O Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5ª Edição, esclarece:- Apodo (ô) s.m. alcunha afrontosa, motejo, zombaria.

O MEU BAIRRO começou por uma rua comprida, puseram-lhe árvores nos passeios, em canteiros hexagonais. É uma avenida.

Eu morava no 408, hoje cento e vinte e tal e quando para lá fui, mal andava. Já decorreu mais de meia centúria!



As ruas (e não avenidas) paralelas e perpendiculares começaram a aparecer. Lembro-me da construção da maioria dos prédios. Na minha rua eram quase todas casinhas de rés-do-chão e ainda não se dispensava o quintal, com muro alto, onde vicejavam meia dúzia de couves, a salsa e a hortelã. O galinheiro, feito conforme as posses e habilidade do proprietário, possibilitava os ovos e quando necessário, o matar de um “bico” para caldinhos ao enfermo.

De primeiro andar, lembro-me de dois a que assisti à construção, ambos propriedade de industriais.

A minha rua e o MEU BAIRRO constituem na década de quarenta, a parte nova da cidade, destinada ao povo. A burguesia e a “nobreza”, situava-se no lado oposto com as suas vivendas e jardins.

Começava a expansão da velha urbe, a saída das ruelas estreitas e tortuosas, da época medieval, com construções encavalitadas umas sobre as outras. A minha rua era então larga, direita como um fuso e as casas não andavam às “cavaleiras”. Por serem edifícios de rés-do-chão, relativamente pequenos e simples, chamavam ao MEU BAIRRO, de que a minha rua é a via principal, ALDEIA de uma coisa que eu não quero dizer pelo respeito que me mereciam os anciãos da minha meninice que iam aos “arames” quando lhes diziam tal!

Os macacos do velho burgo e arrabaldes, falavam era de inveja, não é verdade?
A zona rústica do Rego de Manços começava a transformar-se em zona urbana.

Com a sensibilidade de poetisa, a minha prima Anel, que nasceu e ainda vive na minha rua, agora um pouco mais abaixo, via-a assim:

POEMA À MINHA RUA

É comprida, estreita, triste
A minha rua.
Se chove, entopem-se
As sarjetas e fica nas valetas
Água,
Água porca e cinzenta
Há regatas com barcos de papel
E de calças arregaçadas molham
Os pés mirrados, aos garotos
De nariz sujo.

E quando o sol chega
Vem a miudagem da rua
Com os seus gestos malcriados
E palavras descuidadas
Ferir os ouvidos das meninas,
Mais ou menos educadas.

Mas gosto da minha rua
Mesmo quando a canalha
Joga com botões
E desenha na parede
A giz e a carvão,
Uns tantos palavrões.

Oh! Como eu gosto
Da minha rua
Com casas velhinhas,
Mal caiadas
Mal cuidadas,
Mas que me parecem
Castelos,
Dos mais lindos,
Dos mais belos!

É a rua pobre, daquela gente
Ordinária... Indecente
Mas gente
Que sobrevive, trabalha
E também sente.

É assim a minha rua
Com miúdos malcriados,
Árvores tortas a dar
Jeito
De avenida
À minha rua, estreita
Triste
E tão comprida.

Santarém, 03/01/1963

Com este poema, quase com trinta anos e que agora trago a público, que me perdoe a minha prima por esta colaboração “forçada”, termino a primeira MEMÓRIA.