terça-feira, 5 de maio de 2009

"Cavalos de vários tipos"

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11.12.1992)

Dos jogos infantis, como seguimento do escrito anterior e que estiveram no nosso pensamento para a abordagem de hoje, foram relegados para outra ocasião, a fim de se conseguir uma diversificação desejável para que os assuntos não enfadem.

A nossa memória de hoje, irá para um campo que nada tem a ver com o anterior.
A minha rua e enquanto lá vivi, cerca de vinte anos, não tinha saída, era um beco, tal como todas as outras que lhe eram paralelas.

A seguir à minha rua eram as “ribanceiras” , os olivais (que se enquadravam nos célebres olivais de Santarém) do Louro e do Arrais, como lhe chamávamos, invocando o nome dos seus proprietários, cujas figuras ainda permanecem na minha memória, ambos homens de meia idade, baixos e entroncados, o segundo que eu via sempre de fato macaco (eu não queria dizer esta última palavra!) devido à sua profissão e que corria com a rapaziada com grande autoridade.

Além dos olivais há a referir as hortas do Manuel Serralha, figura simpática que não dispensava o barrete preto, característico da zona do Bairro e que tinha um filho que era meu condiscípulo na escola primária e que nunca mais vi, da Ti Joaquina, uma velhota que morava numas casitas à curva antes da Fonte do Pingo Pingo e do Manuel Café, mais perto da minha rua e que vivia numa “casita” próxima da escola. Homem alto, calça à boca de sino, um pouco já curvado e que também usava barrete preto.

Lembro-me de ir muitas vezes à sua horta com o meu pai, que ficava ao fundo da sua pequena propriedade (não sabemos se era arrendada) comprar couves, favas, ervilhas, cebolas e o mais que por lá havia e vê-lo de enxada de bicos às costas.

Por estes arrabaldes do MEU BAIRRO, saltitávamos e brincávamos, vivíamos na cidade e no campo.

Este meu gosto de divagar antes de entrar no assunto de hoje!
Afinal, o que terão a ver os cavalos com a minha rua?
Se fizermos um esforço e procurarmos bem no fundo da nossa memória, alguma coisa iremos encontrar.

De quando em quando os nossos ouvidos eram alertados para o matraquear do casco de solípedes no alcatrão. Lá vinham ao longe, mais ou menos em formatura os “magalas” de Cavalaria 4 para mais uma aula prática.

Passavam pela minha rua e dirigiam-se, pensamos, para a Carreira de Tiro. Nas “ribanceiras” faziam normalmente alguns exercícios que muito nos excitavam.

Por vezes vinha também um oficial, figura bem conhecida da cidade, homem já entrado na idade, baixo, gordo de tal maneira que a barriga lhe caía sobre a sela. O seu vozeirão não deixava de chamar a atenção para o defeito dos recrutas.

Quando tudo isto acontecia o rapazio alvoroçava-se, deixando tudo para poder observar e apreciar estas movimentações que nos causavam gáudio.

Como ficou na minha lembrança algumas peripécias com aquelas gentes!
Híbridos provenientes de cavalos e éguas, também os haviam no MEU BAIRRO. Machos e mulas eram utilizados como animais de tracção. Lembro-me de um negociante de aves que tinha duas ou três carroças que percorriam as aldeias vizinhas onde compravam a olho o que aparecia e de um transportador de encomendas de e para a estação dos Caminhos-de-ferro. Ainda nos nossos dias este último, evoluindo, mudou de meio de transporte.
***
Passemos agora para outro tipo de cavalo, a unidade de força, representada nos veículos automóveis.

Hoje, na minha rua, não existe um buraco para estacionar. No meu tempo, nem meia dúzia de automóveis havia! – Talvez ainda hoje os contasse.

Eram, de uma maneira geral, modos de vida e não sinais exteriores de riqueza.

Mas na minha rua e o MEU BAIRRO, na altura, por constituírem a parte nova (popular) da cidade, com pouco movimento, eram procurados pelos instrutores de condução de veículos automóveis para lições práticas.

Não esqueço o entretenimento que a garotada tinha de fazer piruetas na frente dos veículos!
Quando qualquer aluno não buzinava à curva, era certo e sabido que havia banzé. Por vezes os nervos apoderavam-se dos instruendos e era um problema para pôr o motor a trabalhar. Assim, tinha de se utilizar a manivela para que o carro pegasse.



E o gozo que nos dava os alunos suando por todos os poros e ouvindo os ralhos do instrutor a quem a paciência tinha acabado!
E quando aparecia no velho Ford, Austin ou Fiat (Balila) a placa oval de latão, presa por correntes e com a palavra EXAME?

Então, era andar perto do veículo pois também nós fazíamos de examinadores!

Discutíamos uns com os outros quanto ao resultado do exame – eu digo que fica bem e eu digo que fica mel e cada um lá arranjava os seus argumentos.

Também os militares utilizavam o local para os mesmos fins, mas aqui assistia-se por vezes a situações esquisitas que os adultos do MEU BAIRRO comentavam com justiça. Era a tropa.

E de cavalos, fiquemo-nos por aqui.