terça-feira, 30 de junho de 2009

Morreu António José, um dos melhores guarda-redes que Santarém deu ao futebol

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 18 DE MARÇO DE 2004)


A notícia chegou célere. Do outro lado do “fio” dizia-se: Morreu o António José, o funeral é amanhã.

Ainda que mais mês, menos mês e devido a problemas graves de saúde a notícia fosse esperada, ao ouvi-la, existe sempre um constrangimento. Como era nosso dever, lá seguimos para a nossa terra natal para acompanhar à última morada aquele nosso amigo ligado à minha família. Bem criança, lembro-me de assistir ao seu casamento!

Tratou sempre o miúdo, que para ele sempre fui, com um ar paternal que nunca esquecerei.

Santarém tem sido alfobre de muitos bons guarda-redes de futebol e só referindo-me aos que conheci ou vi actuar, citarei entre outros:- António Gomes, vulgo Chocolate, já falecido, Mário, que revi no funeral de seu irmão, António José, que não via há cinquenta anos e que foi o guarda-redes titular dos Leões de Santarém na época áurea e que depois se transferiu para o Sporting Farense, onde terminou a sua carreira, Miguel Rodrigues, com uma longa carreira intramuros e em que representou os dois rivais de então, “Os Leões” e o Operário, José Pires, já falecido e Fernando Fontes, velho amigo que a guerra colonial fez abortar de uma excelente carreira.

De todos contudo, e perdoem-me os restantes e opiniões contrárias, António José foi o “maior”, aquele que alcançou maior notoriedade, jogando muitos anos na primeira divisão que constituiu o escalão maior do nosso futebol, chegando mesmo a ser convocado para treinos da selecção nacional A.

Nos tempos de menino jogou com a trapeira nos largos próximos da casa onde nasceu e foi criado: S. Julião e Capuchos. Como acontece quase com todos, não começou por ser guarda-redes, mas os mais velhos para lhe permitirem entrar nas jogatanas, empurravam-no para a baliza, constituída por duas pedras colocadas no chão, mudando aos cinco e acabando aos dez. Todos queriam marcar golos!

Ingressando no Sport Grupo Scalabitano Os Leões, cedo se notabiliza na difícil posição. Por essa altura jogavam, entre outros, José Pereira, vulgo 14 que não deixou de acompanhar o seu velho amigo ao cemitério, António Faustino, Fernando Cardoso, Manuel Machado, António Vieira, Lima e outros.

Devido à grande amizade que sempre uniu as cidades de Santarém e da Covilhã, consegue transferir-se para aquela cidade serrana para representar o Sporting local, então na 1ª Divisão Nacional. É aí que depressa chega a titular da equipa treinada pelo húngaro, Mister Sezabo e onde permanece durante os melhores anos da sua carreira futebolística.

Em todos os defesos apareciam notícias sobre a possível transferência de António José para um dos grandes do futebol português, mas a verdade é que tal só aconteceu até os índices de produtividade começarem a descer. Transfere-se entretanto para o Belenenses, onde alinhavam, entre outros, o célebre Matateu e o seu irmão Vicente. Acaba por se transferir para o Vila Real, então na 2ª Divisão Nacional, onde termina a sua carreira como profissional de futebol.

Regressa então à sua cidade natal, onde eu já não me encontrava e exerce funções de treinador no seu clube de sempre, “Os Leões” de Santarém.

Expressando a sua vontade, a sua urna foi coberta com uma bandeira deste extinto clube e que quando a vi, me fez estremecer.

António José que no Sporting da Covilhã foi dos jogadores mais bem pagos, entre tantos foi colega do húngaro Simony, avançado–centro, sempre nos primeiros lugares da lista de marcadores, Oliveira, defesa esquerdo que depois jogou no Futebol Clube do Porto, Perides, que jogou igualmente na Académica, Sporting e Benfica e que foi internacional, Martin, um espanhol buliçoso na linha avançada, Livramento, depois transferido para Os Leões, o mesmo que aconteceu a Diamantino, Tomé, um armador de jogo, os irmãos Cavem, o defesa e o avançado que mais tarde jogou no Benfica e foi internacional, Rosato, um bom médio de nacionalidade argentina, etc., etc.

Duas pequenas curiosidades:- António José e Mário chegaram pelos menos uma vez a jogar oficialmente, um em cada baliza! Estando na Covilhã, uma vizinha chega a sua casa para mostrar à mulher um bom tacho de alumínio que tinha acabado de comprar. António José, para provar o contrário, pega-o nas mãos e esmaga-o como se fosse uma folha de papel. Ficou como uma bola! Aquelas mãos, quando agarravam a bola, era mesmo dele!

António José Fevereiro, de seu nome completo, faleceu no dia 8 de Março, aos setenta e sete anos, deixando viúva, D. Henriqueta Carvalho Nunes Fevereiro, duas filhas e vários netos.

Estas palavras foram escritas ao correr da pena, consultando só o arquivo da nossa memória.

To Zé, descansa em Paz.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tradições Varzeenses - A molhadura

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 5 DE ABRIL DE 1991) *

Já tivemos oportunidade de nestas páginas referir dois usos tradicionais varzeenses que se esboroaram no decorrer implacável do tempo.

Hoje, voltamos a mais um, completamente fora do âmbito dos anteriores. Trata-se, como viram no subtítulo, de “A MOLHADURA”.

Afinal, o que é que vem a ser isso de molhadura?, perguntarão os jovens.

Há uns bons anos atrás, não tinha sentido tal pergunta. Mas hoje?

Pegámos num dicionário enciclopédico e encontrámos como figurado popular o significado de gratificação, gorjeta, propina, o que se ajusta de certo modo ao pensar que tem o varzeense, do termo.

Ainda que seja hábito desaparecido, encontramos facilmente na freguesia quem saiba explicar o que era a molhadura.

Vejamos.

O ajuste dos trabalhadores rurais era efectuado em locais a que se chamavam praças e na freguesia realizavam duas, uma no Outeiro, junta à igreja matriz e outra em Perofilho.

Era aí que apareciam aos domingos, entre as 11 e as 15 horas, os interessados – trabalhadores sem ocupação
Ao e patrões necessitando da execução de serviços. Nas casas agrícolas com capataz, era muitas vezes este que se ocupava de tal tarefa.

Depois das conversações adequadas entre patrão e trabalhador, onde se referiam o trabalho e tempo de duração, entrava-se na tentativa de ajuste, onde o patrão procurava pagar o mínimo possível e o trabalhador receber o máximo, só que o poder deste era bem pouco.

A capacidade de trabalho e o saber do trabalhador tinham natural influência no preço.


[Era em frente desta sacrificada árvore que se encontrava a taberna onde se pagava a molhadura, no Outeiro da Várzea. - Foto JV]

Quando se alcançava o acordo verbal, havia necessidade de o autenticar. Para o efeito, o patrão fornecia o “selo” que era simbolizado pelo pagamento ao trabalhador, de meio litro de vinho.

Após este acto, a que se chamava A MOLHADURA, o jornaleiro cumpria rigorosamente o contrato, mesmo que posteriormente aparecesse outro, muito mais vantajoso.

Ainda hoje é vulgar ouvir-se dizer”vamos molhar a goela”, o que significa, “beber um copo”.

Em sessão da Junta de Freguesia de 14 de Setembro de 1926, comenta-se o facto de não se cumprir o horário das praças pois começam às 18 horas e terminam muitas vezes às 22, causando graves transtornos e dando origem a sérios conflitos, como ainda há pouco sucedeu na praça de Perofilho, onde esfaquearam um homem deixando-o em perigo de vida.

O costume ou hábito da molhadura, não era exclusivo da freguesia, como é natural, espalhando-se por grande parte do Bairro, principalmente pelas freguesias de Moçarria, Romeira, Abitureiras e outras, indo mesmo, com pequenas diferenças à zona do Campo e da Charneca.

Há mais de quarenta anos, lembramo-nos de também existir em Santarém, pelo menos uma praça que se realizava no “Largo das Amoreiras”, junto a uma casti8ça e famosa taberna que ali existiu muitos e muitos anos. Se aqui se usava a molhadura, não sabemos, mas é natural que sim.

Quando passávamos no local, pela mão do nosso pai e víamos aquele agrupamento de homens (filme que ainda passa na nossa memória), perguntávamos o que ali estavam fazendo, e nos era explicado.

Tanto na Beira-Alta, como no Algarve serrano, não encontrámos este hábito, nem reminiscências dele.
___________________

*nº do 1º centenário.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Carlos Amaro


(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21.04.1995)

Chegou a vez de referir um chamusquense.

Carlos Amaro de Miranda e Silva, nasceu na vila da Chamusca em 22 de Agosto de 1879, tendo falecido em Lisboa com sessenta e seis anos, mais precisamente em 8 de Julho de 1946.

Fez o curso liceal em Santarém, frequentando seguidamente a Escola de Agronomia de Lisboa, curso que foi forçado a abandonar em 1896, por ter sido preso na cadeia do Limoeiro, com outros estudantes republicanos, por motivos políticos.

Mais tarde vem a matricular-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde conclui o curso em 1907.

Foi um dos fundadores do “Clube dos Estudantes Republicanos José Falcão”, de que foi também presidente.

Fundou e colaborou no jornal académico A Pátria, que se publicava em Coimbra.
Fixa-se em Lisboa tomando parte activa na divulgação das ideias republicanas. Proclamada a República, é eleito deputado às Constituintes. Veio a ser militante do Partido Unionista.

Colaborou em diversos jornais, entre os quais, A Luta, República e Capital, sendo a sua última colaboração conhecida, no Diário de Lisboa, usando o pseudónimo de Frei Carlos.

Considerado poeta delicado, escreveu: “Castelos em Espanha”, ensaio e as peças “Cena Antiga” ou “Entre Dois Beijos”, representada em Coimbra; “S. João subiu ao Trono”, em três actos, representada em Lisboa e “Cabra Cega”, estreada em Setembro de 1935.
Desempenhou o lugar de Conservador do Registo Civil do 3º Bairro de Lisboa.

Foi crítico de Arte e de Teatro e colaborador da Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
___________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Jogos de correrias e não só

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 05.02.1993)

Quando escrevemos a MEMÓRIA dos jogos infantis, dissemos que voltaríamos ao assunto, já que não o tínhamos esgotado. Daí, o escrito de hoje, dedicado a jogos sim, mas principalmente àqueles baseados na corrida, já que o correr foi sempre uma actividade agradável do rapazio.

Iremos então tentar descrever alguns dos jogos mais usados no meu tempo.

A BANDEIRA

Quem não se lembra deste interessante jogo!
Dois chefes de equipa, normalmente os mais velhos, determinavam pelo sistema de passos, qual o primeiro a escolher o componente da “linha”.

A uma certa distância, iam alternadamente andando, colocando o calcanhar de um pé, junto à biqueira do outro. Aquele que pusesse o pé em cima do do adversário, era o primeiro a escolher entre os que estavam dispostos a jogar. A seguir, escolhia o outro e assim sucessivamente, pelo que as equipas saíam normalmente equilibradas. Quando isso não acontecia, havia logo protestos como o “assim não jogo”, tentando-se demonstrar que a outra equipa era muito mais forte. Depressa se chegava a acordo, provendo-se a equipa mais fraca de mais um elemento, ou acabado de chegar ou vindo da outra equipa.

Depois, fazia-se um risco na rua de parede a parede, que constituía a linha divisória dos “países”, a fronteira. Colocava-se um lenço no chão ou mal atado a uma das árvores, a uma distância considerável e igual, em cada um dos campos (países), simbolizando assim a bandeira desse país.

Os guardas da bandeira (os jogadores) encontravam-se obrigatoriamente na linha divisória (fronteira), guardando o seu país e a sua bandeira.

Quando algum invadisse o território (ultrapassasse o risco feito no chão), era perseguido pelos guardas desse país e quando lhe tocavam, significava que ficava preso nesse local. Esperava que algum companheiro o fosse libertar, tocando o que estava livre no preso que assim ficava liberto e procurava chegar ao seu “país”.
O fundamento do jogo constituía roubar a bandeira ao país vizinho.

Logo que algum passasse a fronteira, era-lhe movida perseguição por um ou mais, conforme a categoria do invasor e de quem o perseguisse. Depois de preso, o jogador que o prendia era obrigado a regressar à fronteira, não podendo assim ficar junto do prisioneiro.

Por vezes os ataques às bandeiras eram lançados simultaneamente, disputando-se jogos interessantíssimos com o desenrolar de situações inesperadas.

Grande jogador de bandeira era o meu amigo Maroca Santana que não sendo muito desenvolto na corrida e na destreza, era pouco marcado, aproveitando isso para sorrateiramente, sem se dar por tal, ir roubar, sem perseguição, o ambicionado trofeu. Quando ele explodia de alegria, já não havia espaço para o prender! Ganhámos!
E assim se jogava a Bandeira no MEU BAIRRO.

A ROLHA

Outro jogo de correrias mas muito diferente do anterior e próprio das noites quentes de Verão. Combinava-se previamente a zona de acção que normalmente era grande e que definíamos pelos nomes das ruas.

Confesso que é dos jogos de que não me lembro muito bem. Por sorteio constituíam-se dois grupos, um nitidamente maior do que o outro. O jogo terminava quando o grupo menor conseguia apanhar todos os elementos do outro.

O sinal de guerra e de início do jogo, dado pelo chefe e seguido por todos outros, ouvia-se por todo o Bairro :- Rolha Um, Rolha Dois, Rolha Três, Rolha a Rolha por esta Vez!

Era então que os perseguidores podiam começar a sua tarefa, cuja orientação tinha entretanto sido definida. Preocupação maior era apanhar o chefe do grupo, normalmente o mais difícil.

TRINTA E UM

Também conhecido pelo jogo das escondidas. Enquanto o jogo da rolha era jogado pelos mais matulões, este destinava-se aos mais pequeninos e onde em condições especiais entravam as meninas. A área de acção era muito pequena.

Nesse tempo e nas noites quentes de Verão, muitas famílias, para apanharem fresco, sentavam-se às portas em pequenas cadeiras, conversando uns com os outros. As portas ficavam abertas. Era então que a pequenada se lembrava desse jogo. O primeiro que se tinha lembrado do jogo fazia o sorteio que consistia em aplicar a seguinte lengalenga – Um dó li tró era de men dó um suleto cloreto, um dó li tró. Por cada palavra se apontava para um dos companheiros que estava em fila e o sorteador também era contado no princípio e no fim. Quando se dizia a última palavra (tró) a quem calhasse, ficava livre. O sorteio continuava na mesma forma entre os restantes até ficar só um. Perguntava-se:- Quem ficou? Ficou fulano.

Entrava este no “coito” (pequeno espaço junto a uma porta), punha a mão nos olhos e encostava a cabeça à parede e sem poder ver, o que nem sempre acontecia, começava a contar:- 1, 2, 3 (...) até 31 e quando dizia este, acrescentava:- quem estiver atrás de mim e ao lado, fica.

Enquanto isto se passava a rapaziada ia-se escondendo por onde podia, atrás do vizinho, na casa deste e daquele, por pátios e corredores, etc.
Se o que estava a ficar visse algum, dizia alto e bom som, quem era e onde estava, batendo com a mão na parede (o coito), denunciando-o assim. Então, passaria este a ficar.

Sempre que o que ficava se ia a pouco e pouco afastando do coito no sentido de descobrir os escondidos, iam saindo daqui e dali outros que batendo com a mão na parede, recolhiam ao coito.

Era um jogo que só acabava quando o sono chegava!

***

Descrevi, como me foi possível, três jogos tradicionais de correrias. Além destes, os mais usuais, os miúdos do MEU BAIRRO brincavam aos “polícias e ladrões” e muito “às touradas”, não faltando as tradicionais pegas, tão enraizadas como estão na maneira de ser do escalabitano.

Os matulões iam para a Ponte Celeiro ver os toiros nas pastagens.

***

Ao terminar esta MEMÓRIA sobre jogos, não quero deixar de referir, ainda que só de nome, visto não conhecer bem a sua execução, alguns jogos femininos. Assim, as meninas do MEU BAIRRO, saltavam à corda, jogavam ao ringue (ao mata), à patareca, o avião, o minhoto, a cabra-cega e o lenço (aqui vai o lenço, aqui fica o lenço).
Ainda que os rapazes brincassem todos os dias, as meninas não o podiam fazer – se o fizessem, eram consideradas rapazonas!

Aos domingos e pouco mais! Durante a semana, era necessário irem ajudando a mãe nas tarefas caseiras e cedo pagavam no dedal, na agulha e no bastidor. Já mais crescidinhas, brincavam às casinhas chegando mesmo a cozinhar a sério. Era uma maneira de vencer a “clausura” a que estavam sujeitas.

Ainda bem que tudo mudou, só foi pena ter passado para “o outro lado”.

domingo, 21 de junho de 2009

Infante D. Fernando


(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28.04.1995)

Foi em Almeirim, a 17 de Novembro de 1433 que nasceu este infante, filho do rei D. Duarte e da rainha D. Leonor de Aragão.

Foi jurado herdeiro do trono quando seu irmão, D. Afonso V herdou a coroa.
O Infante D. Henrique, seu tio, perfilhou-o quando tinha três anos, dando-lhe “os seus bens móveis e de raiz com excepção do terço de alma”, o que veio a ser confirmado por D. Afonso V a 23 de Novembro de 1451.

Tinha o Infante navegador a esperan-ça de que ele con-tinuasse os “descobrimentos”.
Casou D. Fernando em 1477 com sua prima D. Beatriz, filha do Infante D. João e de D. Isabel, filha de D. Afonso, 8º Conde Barcelos.

Deste casamento vieram a nascer, entre outros, D. Leonor que casou com D. João II e consequentemente veio a ser rainha e foi fundadora das Misericórdias; D. Isabel que casou com D. Fernando, Duque de Bragança, D. João que veio a ser 2º Duque de Beja e 3ºde Viseu, D. Diogo, 3º Duque de Beja e 4º de Viseu, que veio a ser apunhalado pelo rei seu cunhado, em Setúbal, por ter entrado em conspiração para o derrubar e D. Manuel, 4º Duque de Beja e depois rei de Portugal, que recebeu o trono do primo germano e cunhado, D. João II.

Acompanhou seu irmão D. Afonso V em 1458 na conquista de Alcácer Ceguer. Em Novembro de 1463, encontrava-se novamente a caminho de África com o rei. Chegados a Ceuta, prepararam três investidas contra Tânger, todas sem qualquer resultado positivo.

Mais tarde, D. Fernando, que era dotado de génio aventureiro, o que causou algumas preocupações ao irmão rei, desembarca à frente de 10.000 homens em Anafe (perto da actual Casablanca) que encontrou sem defesa visto os mouros terem fugido quando viram a nossa armada.

O infante limitou-se ao saque e a desmantelar alguns muros da vila, já que não podia lá deixar guarnição suficiente para a manter. Era deste porto que partiam os navios de corsários para atacar as nossas costas.

Segundo Caetano de Sousa, o infante D. Fernando “veio a ser o maior Senhor que nunca houve em Espanha, que não fosse Rei”.

2º Duque de Viseu, que recebeu do pai adoptivo e 1º de Beja, título que lhe foi dado por seu irmão D. Afonso V. Foi igualmente o 5º Condestável de Portugal, 9º Mestre da Ordem de Cristo e 12º da de S. Tiago; aos quinze anos Fronteiro-Mor do Alentejo e do Reino do Algarve.

Considerado o fidalgo mais rico da sua época, foi Senhor de poderosíssima casa, constituída pelos senhorios de Beja, Serpa, Moura, Lagos, Terras de Besteiros, Sátão e Covilhã e as alcaidarias-mor da Guarda, Tavira e Marvão.

Possuía os direitos reais de Santarém, incluindo a judiaria, a mouraria e reguengo. Pôs em exploração uma ferraria em Teixoso, para o que podia contratar até cinquenta mineiros.

Por morte de D. Henrique passou a beneficiar do regimento das saboarias.
Recebeu de seu tio a administração das ilhas descobertas, na altura Madeira, Açores e Cabo Verde que então se começavam a desenvolver.

Protegeu a Universidade e completou a igreja de Palmela.

Veio a falecer na cidade de Setúbal em 18 de Setembro de 1470, por isso com apenas trinta e sete anos e jaz no Mosteiro da Conceição, em Beja, que fundou em 1459, concedendo-lhe diversas doações.
_______________________

História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. II, 1979
Esta Almeirim Famosa, José Augusto Vermelho, 1950
Al-Meirim, José Augusto Vermelho, 1951
Dicionário Ilustrada da História de Portugal, Publicações Alfa
Dicionário da História de Portugal, Dir. de Joel Serrão

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Higiene

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 29.01.1993)

A organização destes despretensiosos escritos, na sua maioria, além de alguma capacidade de retenção na memória, tem a ver com a impressão causada a cada ser por coisas e factos. Todos nós somos diferentes, cada qual tem a sua sensibilidade.
Ao vasculharmos o sótão do nosso ser, procurando encontrar velharias, à medida que vão aparecendo, vamos arrumando-as no “arquivo” que consideramos mais adequado.
Foi assim que destes pequenos nadas construímos a MEMÓRIA de hoje, produto da sintetização de seis assuntos.

Iremos então referi-los, fazendo avivar a memória dos que os conheceram e tentando explicar aos jovens que lá vivem e se por acaso nos lerem, como é que a vida aí decorria.

CARROÇA DO LIXO

Logo pela manhã as donas de casa punham às portas os caixotes de madeira onde tinham recolhido o lixo do dia anterior.

Era completamente proibido deitar o lixo na “ribanceira”, ao fundo da minha rua e a polícia procurava controlar a situação, lembrando-me de algumas situações caricatas com a identificação de pessoas e a tentativa de levantamento de auto para o pagamento da competente multa.

Isto acontecia quando a carroça do lixo passava e o caixote não era posto à porta por qualquer circunstância.

A carroça era puxada por macho ou mula, tapada abauladamente e onde se movimentavam pelo menos duas portas (talvez quatro, duas de cada lado) conforme a necessidade. Pintadas de cinzento, na parte da frente possuíam uma sineta fixada em peça maleável que, com o andar do animal, provocava um tilintar que chamava a atenção principalmente daquelas que ainda não tinham posto o caixote à porta.

Na retaguarda da carroça não faltava a sigla C.M.S., identificativa do município.
Havia muita gente que só punha o caixote na rua quando a carroça aparecia, a fim de evitar que os cães o espalhassem.

O condutor vestia farda municipal de que se destacava o boné, igualmente com a identificação do município, gravada em chapa metálica.

O condutor ia pegando nos caixotes, despejando-os na carroça, tendo sempre um toque final para que nada lhe ficasse dentro e isto sem mandar parar o animal que tinha um passo cadenciado à medida das necessidades do seu condutor.

É uma imagem que ainda não desapareceu da minha memória!

VARREDORES

Estes funcionários menores vestiam uma espécie de blusão aos quadradinhos azuis e brancos e que tinha bordado a vermelho a sigla municipal já referida.
Com as suas vassouras ramalhudas de giesta iam juntando o lixo que deitavam em carros de madeira de forma cúbica, igualmente pintados de cinzento e que eles próprios conduzia.

LIMPA SARJETAS

Vestia como os anteriores. Transportava uma bilha de folha zincada, chave para as caixas de boca-de-incêndio, um pequeno cano levemente curvo e um instrumento de ferro, com um cabo e em cuja extremidade se fixava folha estreita, rectangular e abaulada nos dois vértices consecutivos mais distantes.

Com o instrumento referido e nos dizem chamar-se rodo, retirava a pedra, areias e qualquer objecto que se encontrasse na sarjeta. Em seguida, com movimentos bruscos atirava a água para a canalização geral, fazendo-a transpor o nível separador.

Depois, dirigia-se à caixa da boca-de-incêndio (havia uma no prédio em que eu morava) que abria, colocava o cano, enchia a bilha que ia deitar na sarjeta. Ficava assim o trabalho feito e das sarjetas não provinha mau cheiro.

Destes trabalhadores lembramo-nos de um já bem entrado na idade, baixo, franzino e curvado que executava o trabalho com grande rigor. Dizia-me o meu pai que tinha sido combatente na Guerra 1914/18.

Não era homem de falas, a rapaziada conhecia-o bem e mantinha-se sempre a uma determinada distância, não fosse o diabo tecê-las!

A miudagem não gostava dele, era vê-lo partir ia meter na sarjeta aquilo que ele tinha tirado e que esperava pela recolha!

RUSGA AOS CANÍDEOS

Mal assomavam ao cimo da minha rua, o alarme era lançado e corria célere pelo MEU BAIRRO. Aí vinham os homens da Câmara com redes ao pescoço para apanhar a canzoada.
Havia cães vadios, cães que tinham dono mas não tinham licença; os licenciados, poucos, e os que tinham açaimo, ainda menos. O meu cão chegou a ter um mas não o aguentava, talvez por falta de hábito.

A rapaziada corria pelas ruas procurando encontrar os seus cães, pondo-os a recato, prendendo-os no quintal ou em casa. A seguir, socorriam-se os vizinhos e amigos para depois procurar assistir ao espectáculo da caça.

Os funcionários municipais, muitos deles varredores, estavam evidentemente no cumprimento de um dever. Eram sempre apoiados pelo polícia que estivesse de serviço na zona; pensamos mesmo que sem ele não se atreviam a executar o serviço.

Aquela gente para nós e também para a maioria dos adultos, vinha numa missão que detestávamos. Não está em causa o fim mas a maneira de o alcançar.

O espectáculo era degradante e rocambolesco. Os cães vadios, aqueles que não tinham ninguém que os protegesse, raramente eram apanhados, a não ser já velhos. Além de reconhecerem à légua as redes, pisgavam-se logo e quando eram surpreendidos pelo cerco, faziam fintas mirabolantes.

Lembro-me de uma cadela que, em caso de necessidade, saltava por cima da rede para se safar.

Os homens que faziam este trabalho ingrato eram normalmente já entradotes na idade e consequentemente tinham pouco mobilidade.

Quando os cães se safavam, era a alegria, havia chacota mais ou menos declarada e os adultos mais afoitos, de passagem largavam a sua “boca” e seguiam não fossem parar ao xelindró por causa disso.

Os apanhados eram presos pelo pescoço e ficavam à guarda de um dos homens. Uma vez no canil havia um prazo para o resgate após o pagamento da competente coima e cumprimento de qualquer outra obrigação, se fosse necessário. Os outros eram abatidos.

O meu Zaire foi lá parar uma vez e não larguei o meu pai enquanto não o foi buscar. O reencontro foi uma alegria.

Nessa altura e não sei porquê, era hábito pôr aos cães nomes de rios:- Tejo, Mondego, Zaire, Guadiana e Tui (Venezuela) são alguns dos que me lembro. Também havia muitos Pilotos, Farruscos e Dianas. (1)

Como são hoje eliminados os cães vadios? Confesso que não sei mas foi espectáculo que nunca mais vi.

REGA DAS RUAS

Nos meses de Verão aparecia o autotanque dos Bombeiros Municipais que lentamente percorria todas as ruas do MEU BAIRRO, lançando para ambos os lados da rua vários esguichos, todos de intensidade diferente pelo que as ruas eram lavadas e ficavam frescas.

Como facilmente se compreende a presença do carro da rega, como nós lhe chamávamos, causava euforia na miudagem. Nessa altura, grande parte andava descalça e aqueles que o não andavam, iam pôr os sapatos em casa. Assim, podia-se brincar à vontade!
Era bastante complacente o condutor da viatura que também tinha a seu cargo a regularização dos esguichos. De vez enquanto lá vinha um mais forte que era aquilo que a rapaziada queria. A secagem era rápida.

Aquilo constituía grande brincadeira para aqueles miúdos que na sua grande maioria não conheciam a praia e quando isso acontecia era na maior parte das vezes por intermédio da Colónia Balnear da Junta de Província do Ribatejo e situada na praia da Nazaré.

Os tempos eram outros!

LIMPEZA DAS ÁRVORES

Quando na época própria vinha com escada ao ombro o trabalhador camarário poder as árvores da minha rua, era uma alegria!

Ainda hoje recordo a figura do limpador. Homem relativamente novo, baixo, entroncado, cara bolachuda e quase não falava.

Subia a escada de madeira que procurava colocar com segurança e, de serrote em punho ia desbastando, deixando as árvores de maneira que não avançassem muito para não prejudicar paredes, telhados e fios condutores de corrente eléctrica.

Mais atrasada, uma carrocita carregava as varas que iam caindo pela acção do serrote. Eram elas que provocavam a nossa alegria pois as suas curvaturas constituíam pretexto para se organizarem equipas de hóquei em patins... sem patins.
Umas vezes jogava-se em ringues de terra batida, outras em quintais cimentados.
A disputa pela melhor vara provocava por vezes o confronto físico. Nos jogos, quando menos lestos nos desvios, era sabido que chegávamos a casa com escoriações nos dedos, nas mãos e nas pernas. No outro dia, os prélios continuavam agora com novos estiques, ora porque se tinham partido nas refregas, que mudavam aos cinco e acabavam aos dez, ora porque tínhamos arranjado melhores exemplares.

Não me lembro do podador se ter aborrecido connosco, que seringávamos à sua volta todo o dia. Era um bom homem.

A mania de sermos Jesus Correia, Correia dos Santos, Raio, Sidónio, Edgar. Emídio ou Cipriano que nessa época davam cartas no hóquei mundial, só acabava quando a poda terminava e os aléus se partiam.

E as bolas?

Só havia uma solução, surripiá-la num jogo de “bonecos”.

Aqui fica mais esta MEMÓRIA DO MEU BAIRRO que girou à volta de coisas muitos simples.

(1) – Hoje, opta-se, na maior parte dos casos, por nomes de pessoas, mas não conheço o uso de nomes de familiares próximos.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Árvores da vida varzeenses

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE MARÇO DE 1991)


É vulgar a imprensa trazer so domínio público determinados problemas originados pelo abate ou tentativa de abate de certas árvores que conseguiram, por determinadas razões, na maior parte dos casos pelo tamanho e longevidade, entrar na vida das populações, acabando pelo património real extravasar e vir a constituir um património comunitário.

Situações houve que deram origem até a levantamentos populares em zonas de acérrimo bairrismo.

Todos nós conhecemos por esse País fora, exemplares que constituem verdadeiros monumentos e como tal visitados. Vêm-me à memória e de repente, um secular castanheiro de tronco descomunal junto ao Santuário dos Remédios (Lamego), oliveiras multisseculares em Serpa e um cedro no Buçaco com mais de trezentos anos.

Há uns anos e se a memória não nos atraiçoa, lemos algures a edição de um livre que reunia precisamente estes monumentos do reino vegetal.

Não esquecer que grande número de topónimos, desde cidades a aldeias, teve por base o nome de árvores. Figueira e oliveira, pinheiro, carvalho e freixo, palmeira e castanheiro são alguns exemplos entre tantos.

Presentemente e que seja do nosso conhecimento, a freguesia da Várzea, nos seus cerca de 25 km2 não possui nenhum exemplar que mereça menção a nível nacional, como já teve, contudo, alguns têm bastante significado localmente e mesmo mais além.

A referência é feita por motivos diversos como a raridade, porte, passando pelo defeito e até a longevidade.

Umas, já não existem, ficaram contudo na memória deste povo ou mesmo referenciadas em livro, outras, mantêm-se de pé, cheias de saúde, continuando a desenvolver-se, outras, definhando-se de dia para dia.

Os “antigos”, diz o povo, referiam-se em quadras apropriadas ao pinheiro da Mafarra e à azinheira da Granja.

A – PINHEIRO DA MAFARRA
“Colossal de tronco e de ramagem e que serve aos que transitam por estes sítios de ponto de referência para a contagem do caminho”, é como Fialho de Almeida o apresenta.

No Guia de Portugal, de Raul Proença, 1927, pág. 370, é referido do seguinte modo: - “Há aí um famoso pinheiro, que se julga ter mais de duzentos anos, com trinta metros de altura e 7,5 de circunferência”.

Está desenhado no “In Memoriam”, organizado pelo Dr. Francisco Tavares Proença quer foi grande amigo do Doutor Oliveira Feijão.

Acabou por ser fulminado por um raio.

B – EUCALIPTOS DO RIO PAU

Eram treze que o “ciclone” arrancou num ápice. O estrondo provocado pela queda causou alarme nas redondezas, aterrorizando os vilgateirenses.

Bebiam fartamente no pequeno ribeiro.

O maior, dizem que três homens não conseguiam abraça-lo. De altura e copa correspondente ao tronco, nele, um casal de cegonha fazia todos os anos ninho, sob o qual, a passarada se acoitava ao cair da tarde, provocando grande chilreada que se misturava com o gorjear do regato.

C – AILANTO

Esta árvore, própria para a arborização de avenidas, situava-se no Outeiro da Várzea, mesmo à beira da estrada.

Tinha a particularidade do tronco ser bastante mais grosso junto à copa do que ao pé, parecendo-se com uma garrafa em posição invertida.

Diz o povo, na sua farta imaginação, que a árvore era assim devido ao facto de naquele local se realizar outrora a “praça de pessoal”, isto é, o contrato dos trabalhadores rurais feito com os patrões, que era selado por uma “molhadura” de meio litro de vinho na taberna defronte. O pessoal deslocava ao local muitas vezes em animais que eram amarrados ao pé da árvore que assim se via sacrificada pelo roçar das cordas e correntes!

O ailanto tomou uma configuração caprichosa e invulgar devido a qualquer deficiência que ocorreu no seu crescimento. Tornou-se muito conhecido e referenciado, precisamente por causa disso.
Quase seco, foi abatido em 1985.

D- PINHEIRO DA NARCISA
Árvore de grande porte que pertencia a esta quinta. Situava-se perto de um pombal junto à estrada que nos leva aos Casais da Aroeira, já na freguesia de Abitureiras.

Foi abatido em 1965 e vendido para a construção naval.

Lembramo-nos de o ver passar carregando grande camião.

E- OLIVEIRAS GROSSAS

Sendo a oliveira, no aspecto arbóreo, a rainha desta região, é natural que tivesse sido aproveitada para a impregnação de lendas e superstições.

Todos os vilgateirenses conheciam as “oliveiras grossas”, que de grossas já não têm nada, a não ser o nome, se ainda o têm. Contudo, ainda as conheci bem avantajadas.

Constituídas por três ou quatro pés bastante juntos, situavam-se à saída de Vilgateira, a caminho da Carneiria, mesmo junto à estrada.

Eram apontadas como albergue de fantasmas e almas do outro mundo, e a verdade é que muita gente, a horas mortas, não ousava passar por ali e quando o fazia, era com receio, procurando sempre que possível, companhia.

Os mais idosos ainda terão para contar factos “verídicos”.

F – CARRASQUEIRO DA FONTE

A caminho da Fonte de Vilgateira, junto à estrada, ao lado direito, entre velha e típica moradia e moderna vivenda, situa-se um exemplar deste arbusto silvestre que mais parece uma árvore, tal o tronco e copa que apresenta.

Em 1955 dizia-nos o então seu proprietário, pessoa bastante idosa, que sempre o tinha conhecido assim.

Estava convencido que se tratava de um arbusto secular.

G – AMOREIRA DE VILGATEIRA

Quem passar por Vilgateira, chama a atenção esta árvore de tronco longilíneo (1,70 m de perímetro) e aprumado, património da Junta de Freguesia.

O recanto não estava aproveitado, foi-o cerca de 1914, na comemoração de um “Dia da Árvore”. A pequena festa escolar englobou, além da plantação deste exemplar, a recitação de poesias alusivas so dia e a que assistiu o ilustre cirurgião, Doutor Oliveira Feijão.

Apesar de contar já com algumas dezenas de anos, mostra-se vigorosa, continuando a desenvolver-se. Veremos se os homens não a assassinam.

***
Aqui fica o que nos foi possível compilar. É natural que existam na freguesia outras dignas de “historiar”, mas se existem, não as conhecemos.

Ultimamente voltou-se a falar muito no dia da árvore, comemorando-se mesmo em alguns locais.

Pensamos que é preciso incrementar muito mais a ideia e dar a lição prática às crianças já que o ensinamento torna-se muito mais profundo.

As Juntas de Freguesia com o apoio das Câmaras Municipais e a colaboração dos professores, poderão ter uma acção muito importante pois há sempre um local para plantar uma árvore.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Fontoura da Costa

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DE ABRIL DE 1995)

Este alpiarcense nasceu a 9 de Dezembro de 1869 e seguiu a carreira da Marinha.
Admitido como aspirante na Escola Naval em 15 de Novembro de 1887, foi promovido a segundo-tenente em 4 de Fevereiro de 1892, passando à reforma no posto de capitão-de-mar e guerra.

Inteligente e culto, distingue-se como oficial, escritor, investigador e professor, tudo virado para o campo náutico.

Foi professor e directos da Escola Naval e deu aulas na Escola Auxiliar da Marinha.
Em 1901 fez parte da comissão que fixou as fronteiras entre Angola e o Congo.

Exerce em 1907 as funções de Reitor do Liceu Central de Lisboa e mais tarde no de Passos Manuel.

Em 1910 foi encarregado de assistir aos trabalhos do Congresso Internacional sobre a educação física da juventude e de ginástica pedagógica, militar, médica e estética, então reunido em Bruxelas.

Uma comissão, da qual fez parte, elaborou e propôs um programa de educação física escolar para o nosso País.

Igualmente participa na Comissão encarregada de estipular as condições para um contrato de navegação a estabelecer entre Lisboa e a América do Norte e entre Lisboa e os Açores.

Desempenhou as funções de Governador de Cabo Verde entre 1915 e 1917 e foi agraciado com a Real Ordem do Bamho pelo rei Jorge V de Inglaterra, pelo auxílio que prestou à marinha britânica.

Também foi ministro, sobraçando a pasta da Agricultura e mais tarde a da Marinha.
Organizou a Exposição de Roteiros Portugueses dos Séculos XVI e XVII que constituiu proveitosa lição do alto grau que naquela época atingiu a ciência náutica portuguesa. Por esta acção veio a ser louvado pelo Governo por Portaria de 20 de Janeiro de 1934.

Continuou a representar o País oficialmente em vários congressos e a fazer parte de comissões no campo histórico, náutico e cartográfico.

O comandante Abel Fontoura da Costa, invulgar investigador, de grande cultura científica e perfeito domínio da técnica da marinharia, realizou uma obra de vulto, principalmente no campo das “Descobertas”, procurando demonstrar a originalidade da nossa ciência náutica.

Rejeitou sempre a doutrina do acaso, defendendo o carácter científico na nossa expansão quatrocentista.

“Marinharia dos Descobrimentos” (1933), com reedições em 1939 e 1960, é uma obra importante que publicou sobre a arte de navegar dos pilotos portugueses dos séculos XV e XVI.

Procurou dar a conhecer obras significativas da época de ouro da história nacional, pelo que foram editados alguns “inéditos” e promovidas reedições de outros que eram praticamente inacessíveis.

Proferiu várias conferências e efectuou estudos como A Arrojada Viagem de Pedro Álvares Cabral e a sua Armada – 1500/1501 (1937) e Cartas Portuguesas dos Séculos XV e XVI de paradeiros desconhecidos (1938), entre outros.

Foi membro da Academia Francesa de Marinha da qual recebeu a medalha de ouro em resultado dos trabalhos nela apresentados e da Academia Portuguesa da História.
Faleceu em Lisboa a 7 de Dezembro de 1940.
__________________________

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Cultura Portuguesa, Ruy d’Abreu Torres, Vol. 17

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Porquê freguesia da Várzea?

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 22 DE MARÇO DE 1991)



Qualquer cidadão, não é preciso ser muito ilustrado, tem a percepção de que as freguesias rurais vão buscar o nome à aldeia que lhe serve de sede4, enquanto nos centros urbanos em que há mais de uma freguesia, o seu nome é normalmente o do orago invocado na matriz. Desapareceu assim a invocação a nível da designação na Paróquia (com sentido administrativo) rural, mantendo-se contudo no urbano.

Como se sabe, são as excepções que confirmam a regra.

Bem cedo me intrigou não existir na minha freguesia natal uma aldeia chamada Várzea.

Estávamos na presença de uma excepção que penso ser única a nível do concelho de Santarém (rural).

Sempre que a oportunidade surgia, perguntávamos porque afinal a freguesia era designada por Várzea?

Nunca ninguém nos explicou.

Os anos foram passando, fomos crescendo e a curiosidade mantinha-se.

Aos jovens dessa altura não lhes mandavam fazer trabalhos em grupo, com obrigação de consultas, ainda que elementares, em bibliotecas e arquivos. Santarém já possuía a sua biblioteca, mas que só conhecíamos por fora – dava-nos a ideia de que aquilo era só para os “grandes”, crescidos e não todos!

A do liceu, que certamente existia, também nunca lhe tivemos acesso.

Felizmente que as coisas hoje são diferentes e neste campo as bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian têm tido uma acção gigantesca. É onde recolhemos para consultas de obras colectivas, não fáceis de adquirir pelo preço e também pela acomodação.

Já não foi cedo quando acabámos por tomar contacto com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e foi aí que obtivemos alguns dados de interesse que nos levaram a outras obras de consulta, não fáceis de conseguir.

Com o conhecimento pessoal que entretantp viemos a obter da freguesia, acabámos por satisfazer a nossa curiosidade e tirar grande parte das dúvidas que tínhamos.

Vejamos.

A igreja paroquial que vinha da Idade-Média, situava-se próximo da Quinta de São Martinho, numa boa várzea, banhada pelo ribeiro de Perofilho (que no local toma o nome de rio de S. Martinho) principal curso de água da freguesia.

Era nesse templo que se reuniam as gentes da zona espalhadas por aldeias, casais e quintas.

O Padre Ignácio da Piedade e Vasconcellos, monografo scalabitano, intitula-a de Nossa Senhora da Várzea, ou Nossa Senhora da Conceição da Várzea, dizendo que “fica distante desta villa para a parte do Norte pouco mais de huma légoa” (1)

É implícita a ligação da invocação à situação do templo – numa várzea.

O Padre Carvalho (2) chama-lhe Nossa Senhora da Várzea e Outeiro. Porquê Outeiro?

Sabe-se que em 1522 dois casais de camponeses possuíam junto de Vilgateira, “no limite de Nª Sª do Outeiro, as suas courelas”. (3)

Pensamos que existe relação entre estas duas situações.

A igreja paroquial, saqueada e profanada em 1810 pelas tropas de Massena e atingida pelas inundações provocadas pelo ribeiro, entra em ruína e os varzeenses recorrem à ermidinha de São Miguel, situada num extremo da freguesia, mas num local seguro e aprazível. (4)

Cerca de 1860 demoliu-se o que restava da Igreja de Santa Maria da Várzea, Nossa Senhora da Várzea ou Nossa Senhora da Conceição e com os materiais aproveitados ajudou-se à construção do amplo adro da nova igreja matriz (5) que passou a ser a velha capela de São Miguel depois de obras de ampliação e restauro.

Uma lápide à poucos anos posta a descoberto, ao cimo da escadaria que dá acesso ao amplo adro, com a inscrição IRMAMDADE S.S. 1863, indicará possivelmente a data da conclusão dos trabalhos.

Várzea manteve-se assim a nível administrativo e Nª Sª da Conceição, talvez devido à mudança de local, vingou como padroeira da freguesia.

Aqui fica, segundo a nossa opinião, a razão porque existe a Freguesia da Várzea, do concelho de Santarém, sem que haja, como é normal, povoação com essa designação.

Será assim?

NOTAS
(1) - História de Santarém Edificada, 1740, pág. 278 e 293.
(2) - Corografia Portuguesa, 1712, Tomo III, p. 250.
(3) - Santarém Quinhentista, Maria Ângela Rocha Beirante, Lisboa, 1981.
(4) - Portugal Antigo e Moderno, Pinho leal, 1873/1890
(5) - Grande Enciclopédia portuguesa e brasileira.

sábado, 6 de junho de 2009

Marcelino Mesquita

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 7 DE ABRIL DE 1995)


Desta vez a figura a abordar é um cartaxense.

Poeta, contista, jornalista e insigne dramaturgo, é um dos mais notáveis escritores dos fins do século XIX e princípios do seguinte.

Marcelino António da Silva Mesquita, de seu nome completo, nasceu na vila do Cartaxo a 1 de Setembro de 1856.

De 1867 a 1871, estudou no Seminário de Santarém, seguindo depois para Lisboa onde esteve na escola Académica até 1874, frequentando depois a Escola politécnica. Matriculou-se na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa onde se formou em 1885.

Exerceu clínica no Cartaxo e foi deputado por este círculo em 1892.

Ainda estuante de medicina, estreou-se com “Pérola”, comédia-drama que foi rejeitada no Teatro Nacional D. Maria II sob a alegação de imoral mas que veio a ser representada no Teatro do Príncipe Real na noite de 23 de Maio de 1885.

Em 1893 o drama histórico em cinco actos e em verso “Leonor Teles”, conseguiu grande êxito.

“O Regente” (1897) é peça melodramática dos dois sacrificados no trágico recontro de Alfarrobeira.

Em 1896 escreveu mais duas peças: “O Velho Tema” drama em cinco actos e “Dor Suprema”, em três.

“Peraltas e Sécias”, é uma comédia de costumes que se estreou em 1899.

Escreveu ainda “Sempre Noiva” (1900), comédia histórica, “Sinhá”, inspirado na vida burguesa, “O Tio Pedro” (1902), episódio trágico, “Envelhecer” (1909), onde se questiona os rebates da velhice e “Margarida do Monte” (1910) em que retrata um amor serôdio, “Pedro, o cruel”, tragédia histórica, (1915), terminando em 1918 com o poema retórico “O Grande Amor”.

Autor de um livro de contos, “A Azenha” (1896).

Colaborou em vários jornais tendo fundado mesmo os periódicos “Portugal” e “Comédia Portuguesa”

Faleceu em Lisboa a 7 de Junho de 1919.
__________________________

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40
Cultura Portuguesa, Ruy d’Abreu Torre, 1976, Vol. 19

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Em Memória de João Andrade

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE DEZEMBRO DE 1998)
Tive conhecimento do falecimento de João Andrade por um semanário da cidade de Santarém, ficando constrangido e admirado, uma vez que desconhecia o seu precário estado de saúde.

Li hoje num mensário uns tantos depoimentos sobre a sua figura que reproduzem aquilo que foi a sua vida.

Não tenho a certeza mas penso que de todos os que se pronunciaram, talvez seja eu, o que o conheci mais cedo, não significando, de maneira nenhuma e pelo contrário, que o tivesse conhecido melhor.

Estava convencido que João Monteiro Andrade tivesse sido meu conterrâneo, mas no trabalho de que é co-autor com Bertino Coelho Martins, intitulado CANCIONEIRO DA ROMEIRA e editado pela Câmara Municipal de Santarém, informou-me que tinha nascido na freguesia citadina de Marvila mas que fez toda a sua adolescência na freguesia da Várzea.

Enquanto João Andrade foi um santareno que se fez homem na Várzea, eu sou um varzeense que fui criado na cidade de Santarém.

[Outeiro da Várzea antigo. Des. de JV]

Fomos praticamente da mesma idade, sendo eu um tudo nada mais velho.

Não tivemos, pelas circunstâncias apontadas, uma criação próxima e quando nos conhecemos, já éramos espigadotes, por volta dos dezoito anos.

O convívio foi esporádico e curto porque entretanto iniciei a minha vida profissional, abandonando a aldeia.

Monteiro Andrade que na altura se deslocava diariamente a Santarém, de bicicleta a pedal e onde exercia a sua profissão, era um rapaz extremamente educado e verdadeiramente espirituoso. Estava sempre bem disposto, contando as coisas com grande realismo onde o pormenor picaresco tinha na sua oralidade grande expressão.

Lembro-me ter-lhe ouvido contar, a pedido de um amigo comum, a partida carnavalesca que lhe fizeram, em Santarém, era ainda bem jovem, na qual entrava um polícia sinaleiro, um barbeiro e... uma mala que continha um objecto especial.

João Andrade contou-nos isto com tal engenho que “eu ia rebentando a rir”!

Além do mais, era já na altura um homem solidário.

Numa série de escritos que fiz publicar neste semanário e de que certamente João Andrade teve conhecimento, publiquei um (1991-03-15) intitulado AS PULHAS E A SERRAÇÃO DA VELHA. Na altura não o referi, por desnecessário; hoje em MEMÓRIA DE JOÃO ANDRADE posso dizer que aquela serração da velha a que assisti e fiz parte, foi por ele organizada e “leaderada” tendo tido o cuidado de tudo me explicar e que eu desconhecia totalmente. Nesta altura não tínhamos ainda vinte anos mas Monteiro Andrade já vivia e entendia todos estes assuntos.

Este pequeno episódio é demonstrativo de quão cedo estes assuntos lhe mereceram interesse e que, com a sua capacidade, estudo e experiência, desenvolveu, ocupando um lugar de respeito e consideração no campo do Folclore e da Etnografia.

O que escreveu no Cancioneiro da Romeira tem muito da freguesia da Várzea. Além das estórias de família, os bailes de aldeia (1950/60) estão extremamente bem descritos pois ainda os conheci com essas características que a mim, por falta de hábito, na altura me chocavam.

Devido ao meu afastamento de Santarém por motivos profissionais, nunca mais contactei com João Monteiro Andrade, mas nunca o esqueci.

ESCREVI EM SUA MEMÓRIA.

OBRIGADO PELO QUE ME ENSINASTE.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Tradições Varzeenses - A serração da velha

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 15 DE MARÇO DE 1991)

O desaparecimento da serração da velha é posterior ao das pulhas, talvez por ser dedicado aos “velhotes” e consequentemente com menor poder de oposição.

“Folguedo popular ainda em uso em muitas aldeias e que consiste em fingir que se serra uma velha a meio da Quaresma”. (2)

“Costumeira que ainda há nalgumas aldeias, de irem grupos populares à porta de mulheres idosas, em meio da Quaresma e fingirem que as serram, folgando e motejando-as”. (3)

“Celebração que em Portugal tem lugar a meio da Quaresma, interrompendo nesse dia com a sua licenciosidade, o regime das severas abstenções do período (...) consiste frequentemente numa assuada à porta das mulheres idosas, incluindo geralmente a serração de um cortiço. É susceptível de interpretações míticas e pode remontar ao período Romano”. (4)

Estas definições não podiam deixar de ser sucintas, o que não nos permite ficar com uma ideia mais concreta deste folguedo que também foi muito do agrado dos varzeenses.

Tentando ser mais objectivo, descreveremos uma SERRAÇÃO a que tivemos o gosto de assistir e que perdura na nossa memória.

Estávamos a meio da Quaresma, época exclusiva para a sua prática.

Decorria o final da década de cinquenta. Foi uma das primeiras vezes que estivemos na nossa aldeia, meio que só conhecíamos pelas referências que ouvíamos a nossos pais.

Rondava a meia-noite. Nessa altura, a tal hora, poucos estavam de pé – mão havia iluminação pública e muito menos TV. O azeite nas velhas candeias e o petróleo revolucionário em lanternas, candeeiros e meios mais evoluídos, onde pontificava o “petromax”, dava-nos a luz possível.

Estávamos sentados nas escadas da capela de Sto. António. A rapaziada que se juntou, dialogou e traçou o projecto.

Ainda que me procurassem enquadrar, sentia-me deslocado mas aceitei com gosto o convite que me fizeram para entrar no plano do qual ia tirando uma ideia que me espicaçava a curiosidade.

Á existia nas mãos do “chefe”um pedaço de cortiça e um sarrafo dentado como uma serra. As “vítimas” foram antecipadamente escolhidas. A selecção fez-se em função da idade e do temperamento – quanto mais irritadiços melhor. Não havia distinção de sexos.

Lá fomos. Descemos para a Fonte e subimos à Aramanha. A minha acção limitava-se a cumprir as obrigações. Ao aproximarmo-nos da casa da vítima, caminhava-se com cuidado redobrado, a fim de não se dar pela presença do grupo. Escolhido o local adequado – porta ou janela – e só nós não conhecíamos os cantos à casa, o “chefe” avançou e com duas ou três pancadas secas e apressadas, acordou e despertou o velhote.


[Casario típico da Aramanha, já desaparecido. Des. de JV]

Sem deixar que saísse a pergunta normal de – Quem está lá?, o folgazão com a voz demonstrando inquietação, informa ardilosamente da recepção de um telefonema proveniente da filha, algures para os lados do Cartaxo. Podia-se ter optado por outro motivo, como por exemplo, dizendo que o burro estava solto.

A avançada idade, o sono interrompido, a hora, o espírito de amor, solidariedade ou de responsabilidade e o inesperado da notícia provocava normalmente excitação e o levantar-se. Era o momento azado para entrar o “serrador” que, com a cortiça e o sarrafo habilmente manejados, provocava um barulho forte e característico, entoando ao mesmo tempo, dolentemente: - JÁ MORREU A MINHA AVÓ, QUE NÃO DÁ PONTO SEM NÓ! – os restantes comparsas faziam de ruidosas carpideiras. Só então o velhote se lembrava estar perante a “serração” e irritado, descompunha os serradores, uma vez que o serrar pressagiava a sua morte no decorrer do ano.

A grandeza dos vitupérios era a recompensa dos serradores.

Entre as vítimas desse ano, lembro o Sr. Manuel Bento, conhecido pelo Ciclá, figura típica da aldeia. Combatente na Grande Guerra 1914/18 e que sofreu o efeitos dos gases, contava as voltas que tinha dado num estilo inconfundível, onde aparecia com frequência, na formação das frases, a expressão “cá que ciclá”, penso que devido à sua gaguez e numa tentativa de desbloquear a dificuldade que tinha.

O estratagema para fazer levantar o Sr. Manuel Bento, foi o do burro solto e fomos obsequiados , como era seu hábito, pelo postigo da porta, com uma “penicada”.

Ainda não era um homem velho, mas o seu temperamento deu-lhe direito a ser serrado muitos anos.

Aqui tendes t6radições varzeenses já perdidas no tempo e que alguns recordarão com saudade.

________________________________

NOTAS

(2) – Dicionário Enciclopédico Lello Universal.
(3) – Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Dicionário de Morais).
(4) – Focus – Enciclopédia Internacional, Vol. IV, Livraria Sá da Costa, Lisboa.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Tradições Varzeenses - As pulhas

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 15 DE MARÇO DE 1991)

Estes folguedos de Entrudo, a que se podem juntar outros, como as “Caqueiradas”, mais velhos que o tempo e que sem origem bem definida, espalham-se por muitas terras do País mas ainda que a base da actuação seja semelhante, variam muito de zona, de região para região.

No “Bairro de Santarém” esses costumes mantiveram-se até à década de cinquenta, pelo menos no que se refere à freguesia da Várzea.

Os jovens de hoje desconhecerão totalmente tais costumes, tal como a terceira idade desconhecerá os seus. É o eterno conflito de gerações.

Iremos agora tentar dar a conhecer o mais aproximadamente possível, como funcionavam na zona estes folguedos.

A pulha é um gracejo praticada no Entrudo e que consiste em provocar uma pergunta a que se dá uma resposta já preparada e que encerra escárnio. (1)

Na noite combinada, juntavam-se os homens que se dividiam em dois grupos, procurando lugar alto e bem situado, a fim de se poderem ouvir reciprocamente e serem ouvidos em toda a aldeia.

Em Vilgateira era hábito escolherem o palheiro que pertenceu a Manuel Cordeiro, durante muitos anos regedor da freguesia e uma “varanda” da casa de João Laranjeiro, taberneiro na aldeia.

As pulhas visavam todos os acontecimentos “importantes” que durante o ano se davam com maior ou menor clareza na aldeia.

Ainda que o nome das pessoas não fosse dito, o conteúdo da pulha era claro para identificar o visado. Havia porém uma ou outra que raros compreendiam e que intrigava as pessoas.


[Vilgateira, década de 80 do século passado. Foto JV]

Referiam-se normalmente a factos ainda em embrião ou que foram muito pouco conhecidos na altura. Por vezes só tempos depois se concluía que a pulha tal tinha sido para fulano ou beltrana, porque entretanto o “assunto” tinha chegado ao domínio público.

A pulha começava sempre por “ASSIM COMO É VERDADE” (uma afirmação plena de veracidade) e terminava com “É VERDADE, É VERDADE, É VERDADE!” (confirmação absoluta da afirmação feita).

Era “deitada” por um grupo e respondida pelo outro, tudo isto prévia e cuidadosamente preparado.

Durante o ano diziam uns para os outros: - Fulano ou fulana, este ano não se livra de ir às pulhas.

Os mais idosos lembram-se bem delas, conseguindo mesmo reproduzir algumas que pela sua acutilância e estrondo ficaram bem no ouvido e na memória.

A grosso modo poder-se-ia dizer que as pulhas constituíam um tribunal popular local