segunda-feira, 8 de junho de 2009

Porquê freguesia da Várzea?

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 22 DE MARÇO DE 1991)



Qualquer cidadão, não é preciso ser muito ilustrado, tem a percepção de que as freguesias rurais vão buscar o nome à aldeia que lhe serve de sede4, enquanto nos centros urbanos em que há mais de uma freguesia, o seu nome é normalmente o do orago invocado na matriz. Desapareceu assim a invocação a nível da designação na Paróquia (com sentido administrativo) rural, mantendo-se contudo no urbano.

Como se sabe, são as excepções que confirmam a regra.

Bem cedo me intrigou não existir na minha freguesia natal uma aldeia chamada Várzea.

Estávamos na presença de uma excepção que penso ser única a nível do concelho de Santarém (rural).

Sempre que a oportunidade surgia, perguntávamos porque afinal a freguesia era designada por Várzea?

Nunca ninguém nos explicou.

Os anos foram passando, fomos crescendo e a curiosidade mantinha-se.

Aos jovens dessa altura não lhes mandavam fazer trabalhos em grupo, com obrigação de consultas, ainda que elementares, em bibliotecas e arquivos. Santarém já possuía a sua biblioteca, mas que só conhecíamos por fora – dava-nos a ideia de que aquilo era só para os “grandes”, crescidos e não todos!

A do liceu, que certamente existia, também nunca lhe tivemos acesso.

Felizmente que as coisas hoje são diferentes e neste campo as bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian têm tido uma acção gigantesca. É onde recolhemos para consultas de obras colectivas, não fáceis de adquirir pelo preço e também pela acomodação.

Já não foi cedo quando acabámos por tomar contacto com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e foi aí que obtivemos alguns dados de interesse que nos levaram a outras obras de consulta, não fáceis de conseguir.

Com o conhecimento pessoal que entretantp viemos a obter da freguesia, acabámos por satisfazer a nossa curiosidade e tirar grande parte das dúvidas que tínhamos.

Vejamos.

A igreja paroquial que vinha da Idade-Média, situava-se próximo da Quinta de São Martinho, numa boa várzea, banhada pelo ribeiro de Perofilho (que no local toma o nome de rio de S. Martinho) principal curso de água da freguesia.

Era nesse templo que se reuniam as gentes da zona espalhadas por aldeias, casais e quintas.

O Padre Ignácio da Piedade e Vasconcellos, monografo scalabitano, intitula-a de Nossa Senhora da Várzea, ou Nossa Senhora da Conceição da Várzea, dizendo que “fica distante desta villa para a parte do Norte pouco mais de huma légoa” (1)

É implícita a ligação da invocação à situação do templo – numa várzea.

O Padre Carvalho (2) chama-lhe Nossa Senhora da Várzea e Outeiro. Porquê Outeiro?

Sabe-se que em 1522 dois casais de camponeses possuíam junto de Vilgateira, “no limite de Nª Sª do Outeiro, as suas courelas”. (3)

Pensamos que existe relação entre estas duas situações.

A igreja paroquial, saqueada e profanada em 1810 pelas tropas de Massena e atingida pelas inundações provocadas pelo ribeiro, entra em ruína e os varzeenses recorrem à ermidinha de São Miguel, situada num extremo da freguesia, mas num local seguro e aprazível. (4)

Cerca de 1860 demoliu-se o que restava da Igreja de Santa Maria da Várzea, Nossa Senhora da Várzea ou Nossa Senhora da Conceição e com os materiais aproveitados ajudou-se à construção do amplo adro da nova igreja matriz (5) que passou a ser a velha capela de São Miguel depois de obras de ampliação e restauro.

Uma lápide à poucos anos posta a descoberto, ao cimo da escadaria que dá acesso ao amplo adro, com a inscrição IRMAMDADE S.S. 1863, indicará possivelmente a data da conclusão dos trabalhos.

Várzea manteve-se assim a nível administrativo e Nª Sª da Conceição, talvez devido à mudança de local, vingou como padroeira da freguesia.

Aqui fica, segundo a nossa opinião, a razão porque existe a Freguesia da Várzea, do concelho de Santarém, sem que haja, como é normal, povoação com essa designação.

Será assim?

NOTAS
(1) - História de Santarém Edificada, 1740, pág. 278 e 293.
(2) - Corografia Portuguesa, 1712, Tomo III, p. 250.
(3) - Santarém Quinhentista, Maria Ângela Rocha Beirante, Lisboa, 1981.
(4) - Portugal Antigo e Moderno, Pinho leal, 1873/1890
(5) - Grande Enciclopédia portuguesa e brasileira.