terça-feira, 25 de agosto de 2009

Uma figura do Meu Bairro - Margarida Jerónima Fernandes

(CORREIO DO RIBATEJO DE 05.03.1993)



Com tal antropónimo, só os familiares saberão de quem se trata; pela nossa parte só soubemos do seu nome completo para escrever este pequeno apontamento.

Nesta série de MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, logo de início esteve nos meus planos “escolher” uma ou duas pessoas, das muitas que lá conheci, que devido à sua acção, justificariam uma abordagem.

Ainda que a maioria fosse gente modesta, havia igualmente doutores e endinheirados e também o lado oposto.

Entre tantos, destaco uma mulher que sempre me impressionou. Conheci-a já entrada na idade. Baixa e atirando para o forte, a varíola tinha-lhe deixado uma ou outra marca da sua presença. Um olhar penetrante, um rosto que inspirava confiança e ao mesmo tempo espargia generosidade. Se nunca a vi galhofar, nunca a vi zangada.

Lá seguia todas as manhãs para o mercado municipal onde tinha o seu posto de trabalho, a venda de pão. Não me lembro de a ter visto sem o lenço na cabeça, de tons amarelos acastanhados, que atava como tinha aprendido com os seus familiares.

Se não nasceu nas margens do Tejo, veio de Vieira de Leiria ou de praias limítrofes, bem nova. É que nos princípios do século, daquela zona, começaram a vir no Inverno, para o Tejo, famílias de pescadores já que naquela altura do ano, o mar, não permitia que saísse para o seu ganha-pão. Nessa altura, o Tejo, era abundante em sável, tainha e barbo, além de outras espécies, e aqui faziam a sua vida, até regressarem no Verão.

Estes homens e mulheres que migravam periodicamente, eram conhecidos por “avieiros”. Na década de trinta deixaram de regressar a Vieira de Leiria. O rio, muitos anos depois, começou a dar menos sustento. Os pescadores viram-se na necessidade de se transformarem em agricultores e encaminharam os filhos para outras actividades e hoje restarão meia dúzia, senão menos.

Apesar disso, muitos continuaram a viver junto do rio e alguns mesmo nas construções palafitas que eles próprios construíram.

Como é do conhecimento geral, Alves Redol, com base nas suas vidas, escreveu o romance Avieiros

Margarida Fernandes, filha de “avieiros”, cedo teria abandonado tal actividade, se alguma vez a teve. Já a conheci viúva e na actividade que desempenhava.

Morava no terceiro quarteirão da minha rua mas do lado oposto ao meu.

Havia com frequência quem procurasse a sua porta. É que ela era exímia em colocar no lugar “ossos desmanchados” e as “linhas” debaixo da acção das suas mãos, igualmente obrigadas a ir ao ligar. Tinha também um conjunto de mezinhas que aconselhava a quem a procurasse nesse sentido.

Lembro-me de ter tratado um meu familiar e de em minha casa se guardarem as lâmpadas após o filamento queimado (lâmpadas fundidas) pois o produto proveniente do esmagamento do vidro, com o auxílio de mel, era por ela empregue em emplastros.

Estava sempre disposta a atender quem dela se abeirasse, desde que fosse assunto dos seus conhecimentos. Não cobrava um tostão a ninguém, limitando-se a aceitar as lembranças de quem o quisesse fazer.

Informam-me que aprendeu a arte com familiares.

Toda a gente do MEU BAIRRO a conheceu e sabe de “problemas” que resolveu, mas tenho de dizer que era a Senhora Margarida Pescadora, como era conhecida por todos. Se o não fizesse, eram capazes de ter dificuldade em identificá-la.

Faleceu com 88 anos e nasceu em 1886.

Era uma boa alma que aqui gostosamente recordamos nesta simples MEMÓRIA e com muita admiração.