quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O artesanato


(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 DE AGOSTO DE 1991)
Todos nós temos conhecimento da importância que o artesanato hoje pode representar para uma região.

O artesanato é o processo manual de transformação de matérias primas, para o que se exige sentido estético , habilidade e perícia e não é isso muitas vezes o que nos é apresentado nas casas ditas da especialidade.

Diz Pinho Lel np seu “Portugal Antigo e Moderno (1873-1890)” que a freguesia da Várzea é a mais rica da comarca de Santarém e uma das mais ricas e férteis do Distrito Administrativo. Se efectivamente o era, não o foi em arte popular, talvez por isso mesmo.

É muito pobre e quase inexistente o artesanato varzeense, pelo que não é fácil falar dela. Não concebíamos deixar completamente em branco este assunto na análise que temos vindo a fazer da vida varzeense e, afinal, se tivermos sentido de observação, sempre algo encontramos que mereça ser referido.

Vamos por isso assim indicar dois tipos de artesanato,um, próprio do homem, o outro, da sua companheira.

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O homem civilizado preocupou-se sempre com a higiene, ainda que essa preocupação tenha passado por fases bem diferenciadas.

Há muito que a vassoura é utensílio indispensável em casas, pátios, jardins, quintais, palheiros, ruas, eu sei lá, em todo o lugar em que seja necessário recolher o lixo.

Hoje temos nas nossas casas vassouras provenientes de fábricas, onde predominam os materiais sintéticos, com relevância para o plástico.

A piaçaba ainda vai aparecendo, mas a palma, é raro ver-se.

Estas vassouras começaram por constituir um artesanato, mas mais tarde e naturalmente apareceu a industrialização do produto. Se ela se impôs no fabrico de vassouras para casa (interior), o mesmo não aconteceu para os grande espaços e outros de menor requinte.

Ainda hoje a rua por onde passámos estava a ser varrida com vassouras de giesta e não material sintético.

É claro que o homem para as fazer tem de recorrer ao que tem à mão, ao mais fácil de obter, tanto no aspecto de quantidade como de qualidade. Fazem-se vassouras das mais variadas plantas e arbustos por esse Portugal fora. No nordeste algarvio encontramos vassouras de tamuje e de mata-pulga, por exemplo.

O que fazia o varzeense para suprir as suas necessidades? A que recorria?

A ineixa é uma planta herbácea de pequenas flores amarelas, da família das crucíferas, a que pertencem também a couve, o nabo e o goiveiro, espontânea e muito vulgar na freguesia.

Depois de seca, o varzeense colhia variadíssimos pés que acomodava à volta de um pau, ou mesmo de um bocado de cana, formando o cabo com o auxílio de arame de fardo e antes do aparecimento deste, com corda.

A rama era ajeitada também com arame ou corda, colocada de maneira a armar a ramalhuda vassoura, de uma forma levemente achatada.

Segundo nos informaram, a vassoura só ficava em condições ideais para servir, depois de acamada, isto é, de servir uns dias.

A feitura desta vassouras, algumas bem avantajadas, era arte conhecida de todos os varzeenses, variando a qualidade com a habilidade do artista e o tamanho com a utilização que se lhe pretendia dar. Tudo varriam e consideradas insubstituíveis para separar o casulo nas eiras.

Pensamos que presentemente e devido a vários condicionalismos a sua existência deve ser muito precária.

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Ao artesanato feminino já nos referimos muito levemente quando abordámos o tipo de habitação. (1)

Trata-se de trabalho de agulha e dedal que actua sobre titãs de diversos tecidos de molde a confeccionar cobertas (para cama e malas), almofadas, tapetes, passadeiras e até sacos.

Cortavam-se tiras que se cosiam sobre um fundo, de modo a formar figuras geométricas, onde predominavam rectângulos, quadrados e triângulos. Estes normalmente utilizados nas cercaduras.

Apareciam trabalhos interessantíssimos já que a selecção das cores e oe tipos (estampados), proporcionavam arranjos harmoniosos.

Era principalmente neste campo e na perfeição de execução que se distinguiam uns dos outros, já que as formas pouco variavam.

Constituíam, como então dissemos, o principal recheio decorativo da habitação. Lá estavam na cozinha o saco pendurado, na casa de fora os tapetes e as passadeiras, não esquecendo as almofadas sobre as cadeiras e nos quartos de cama. As cobertas, almofadas ou almofadões.

Não era arte exclusiva da freguesia, já que se estendia por outras zonas, nomeadamente pelo maciço de Porto de Mós, mantendo ainda vivo algumas, ao contrário do que aqui acontece.

Não conhecemos qualquer outro tipo de artesanato digno de referência, já que o fabrico de queijo e de pão fogem ao âmbito da nossa concepção.

É, como vedes e dissemos, muito pobre o artesanato varzeense.

Que razões poderemos encontrar para isso? Falta de matérias-primas? A existência de mercados abastecedores bem perto como acontecia coma as feiras de Santarém? Ou seria que as outras ocupações se tornavam mais rendosas? Talvez esta última hipótese e em consonância com Pinho Leal, tenha mais razão de ser.

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Nota
(1) – Correio do Ribatejo de 12 de Junho de 1991.