segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O cemitério da freguesia através dos tempos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 26 DE JULHO DE 1991)




Quem ficou admirado de abordarmos este assunto? Não será o cemitério o términus da nossa vida, pelo menos no sentido da matéria? É tão importante falar deste tema como de qualquer outro que já abordámos ou que venhamos a abordar. Aliás, não é a primeira vez que o “estudamos” (1) pois uma análise mais profunda obriga-nos a estabelecer diferenças que muito têm a ver com a vida espiritual e material das gentes.

***
Com a implantação do liberalismo e por decreto de 21 de Setembro de 1835, criaram-se os cemitérios públicos, mas só em 1844, Costa Cabral faz publicar o diploma que determina ser expressamente proibido enterrar os mortos dentro de qualquer igreja ou capela da freguesia onde houver cemitério.

O cumprimento desta determinação legal não era fácil pelos mais variados motivos, repartidos pelo poder de Estado e pelas populações.

São conhecidas as revoltas ditas populares que se deram com o pretexto do não enterramento nos templos e foram necessários alguns anos para que as populações começassem a aceitar os cemitérios públicos.

Além do aspecto religioso havia também a dificuldade de encontrar os terrenos viso as autarquias não possuírem recursos para os adquirir.

Na freguesia da Várzea, como em qualquer outra, os enterramentos faziam-se nas igrejas, capelas e seus adros, com maior incidência, como é natural, na igreja matriz. Como aqui já dissemos, a igreja matriz situava-se numa várzea da ribeira de Perofilho, principal curso de água que corre na freguesia, perto da Quinta de São Martinho. Naturalmente que seria nela e no seu adro que os varzeenses encontravam sepultura – os filhos de algo, no seu interior, os plebeus, no adro.

Pelo menos nos anos cinquenta, as luzinhas provenientes do fósforo, eram muito referenciadas pelos varzeenses que passavam naqueles sítios, nas noites de Verão.

Com a ruína deste templo, que tinha por invocação, Nª Sª da Várzea, a que não esteve alheio a acção “jacobina” dos franceses, construiu-se (ou adaptou-se a antiga capela de S. Miguel) no lugar do Outeiro, nos primeiros anos da década de sessenta do século passado, possivelmente em 1863, uma nova matriz.

Passaram para aí, então, os enterramentos, efectuados no amplo adro que se preparou, entrando nele, por aproveitamento, muitos materiais do antigo templo.

A pedra sepulcral mais próxima do portal possui um brasão de armas em relevo, dos Galaches.

Para os menos jovens diremos que se trata da sepultura do avô de D. Josefina Sacoto Galache, que bem conheceram e que foi, como os seus ascendentes, proprietária da Quinta do Freixo. Segundo nos diziam, esta Senhora, quando ia à missa, a que normalmente não faltava, nunca pisava aquela pedra, como sinal de respeito por aquele seu antepassado.

Sabemos que em 1947 existia o mesmo brasão de armas num palacete da Rua Direita, em Vila França de Xira (2).



Segundo informação fidedigna recentemente prestada, em operações de reconstrução de um prédio em terrenos contíguos ao adro, quando do arrancamento de uma oliveira, foi encontrado grande número de ossadas humanas que possivelmente teriam constituído uma vala comum.

Sabemos que em 15 de Abril de 1877 a Junta de Paróquia reúne-se na sacristia da igreja e aprova por unanimidade, o Regulamento do Cemitério. Era presidente o Padre António de Carvalho (3).

Este facto parece indicar-nos que o novo cemitério, nas traseiras da igreja, e bem perto dela, funcionaria por estas alturas, ainda que à entrada se possa ver uma lápide gravado com J.P. 1892.

Ainda conhecemos este cemitério com bastantes pedras sepulcrais, pois os restos mortais de muitos não foram trasladados para o cemitério actual, pelos mais variados motivos.

Por lá passámos algumas vezes, lendo os epitáfios e temos pena de não os ter recolhido pois ajudar-nos-iam a decifrar hoje algumas situações que em nós permanecem obscuras.

Algumas dessas pedras vieram a ser utilizadas pela Junta de Freguesia nas pias para dar de beber aos animais e nas escadas da sacristia da Capela de Sto. António, em Vilgateira.

Em 5 de Junho de 1906 o Presidente da Junta chama a atenção do coveiro no sentido de manter o cemitério limpo e dois meses depois, acaba por despedi-lo.

Delibera-se por esta altura fazer uma capela e levar pedra para o local. Pretende-se terreno de 4X5 m e falar com o dono do foro que vivia na vila de Óbidos.

Pensamos que a capela não chegou a ser construída, talvez por dificuldades na otenção do terreno e só se volta a falar no cemitério após a Implantação da República, para fixar novas taxas.

Assim, os covachos, como são designados os covais, obrigam ao dispêndio das seguintes verbas:

ADULTOS – Urna, 1.500 réis, Caixão, 800 réis; e Corpo à terra, 500 réis.

CRIANÇAS – Urna, 800 réis, Caixão, 240 réis e Corpo à terra, 200 réis.

Ficavam isentos os que apresentavam certidão de miséria passada pelo regedor (4).

Em 18 de Janeiro de 1914 considera a Junta de Paróquia conveniente a construção de uma casa mortuária que pensamos também não ter sido construída, talvez pelos mesmos motivos,

Nas actas das sessões da Junta só na de 15 de Fevereiro de 1928 se volta a falar no cemitério e desta vez no sentido de se construir um novo. Foi deliberado em reunião, solicitar um subsídio e mais qualquer auxílio no sentido de construir com urgência um novo cemitério, pois o actual é insuficiente para a mortalidade da freguesia e encontra-se num local impróprio, condenado pela Lei.

O novo cemitério veio efectivamente a ser feito no Alto da Olaia, possivelmente em 1934, já que é esta a data que consta do portão de acesso.

De 1933 a 1944 a Junta se reunia não lavrava actas, daí a dificuldade em confirmar esta data.



Sempre me constou que o terreno tinha sido oferecido pelo lavrador, Guilherme Vargas, cujo jazigo de família foi o primeiro a ser construído.

Em 2 de Fevereiro de 1971 é deliberado criar um talhão para os “Combatentes” e em 6 de Setembro do mesmo ano é pedido um subsídio à Câmara Municipal para a construção de quarenta e oito gavetões que são feitos no ano seguinte.

Constou-me que recentemente o cemitério foi consideravelmente aumentado.

Ao terminar este tema não resisto à tentação de relatar um facto que desde bem pequeno ouvimos contar a nosso pai.

Indo acompanhar ao cemitério um amigo que tinha falecido em Vilgateira, ouviu o seguinte diálogo que nunca esqueceu e repetia com muito realismo, segundo pensamos.

Coveiro – Oh Fulano, queres que lhe ponha cal?
Genro do falecido – Ouve lá, tenho que a pagar?
Coveiro – Tens.
Genro do falecido – Então, “prantalalá”.

Nesses tempos. Era hábito na freguesia o coveiro faltar a este seu dever, o que a família enlutada muito agradecia, pela má impressão que lhe causava e... para o coveiro, a mesma cal era paga por muitos.

Aqui fica o que até agora consegui reunir sobre o assunto.

________________________________

Notas

(1) – “Cemitério da Vila de Alcoutim, da origem aos nossos dias” in Jornal do Algarve de 10 e 17 de Março de 1988.
(2) – “Vila Franca de Xira”, Fausto Dias, in Vida Ribatejana, nº especial de Julho de 1947.
(3) – Acta da Sessão de 15 de Abril de 1877.
(4) – Acta da Sessão de 1 de Dezembro de 1910.