terça-feira, 10 de novembro de 2009

Alimentação e culinária

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 6 DE SETEMBRO DE 1991)



Nos pequenos escritos que temos vindo a publicar nas páginas deste secular semanário, por deferência do seu Director, procuramos, como já dissemos, variar os temas.

Pensamos que isso pode proporcionar aos possíveis leitores, uma leitura menos fastidiosa.

Assim, abordaremos hoje um assunto que também consideramos de muito interesse para a análise da vida varzeense.

Como já afirmámos, o que temos escrito não pode ser considerado como conclusivo, bem pelo contrário, constituem pequenas achegas sobre os temas abordados.

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O tipo de alimentação, confecção, número e horário das refeições, esteve sempre ligado ao modo de vida dos povos e às produções locais. Por isso, compreende-se que o pastor utilize bastante o leite e os seus derivados, o pescador o peixe, o magarefe a carne, o hortelão a hortaliça e o agricultor, os produtos provenientes da sua actividade.

O trabalhador rural varzeense que só possuía a força braçal que vendia principalmente aos lavradores locais por magros salários, sentia dificuldade em manter a família, só possível pela abnegada ajuda da companheira na apanha da azeitona, nas mondas nas ceifas, nas sachas e em qualquer outro trabalho a si destinado.

Sempre que podia e não era fácil, arrendava algum bocado de terra onde procurava fazer hortejo, colhendo batatas, favas, feijão, couves, nabos, alfaces, etc.

Como por todo o País, em período de crise de trabalho e não só, o varzeense recorria a muitas plantas espontâneas para uso culunário, tais como:- arelhos (alhos porros), celgas, cardos (tagarrilhas), serrelhas. Agriões, saramagos, ineixas, beldroegas, labaças, etc., proporcionando alguns pratos curiosos.

O povo desta região fazia normalmente três refeições, almoçava, jantava e ceava, sendo esta a refeição mais substancial. Ao levantar muitas vezes “matava o jejum”ou o “bicho”, bebendo normalmente um cálice de aguardente.

A alimentação variava conforme as circunstâncias, os dias festivos tinham os seus pratos próprios que nada tinham a ver com a alimentação do dia a dia, confeccionada muitas vezes, quando os trabalhos se realizavam afastados das residências, no campo com o auxílio da “burra” onde se pendurava a caldeira ou marmita.

O azeite, riqueza da região, entrava na maioria da preparação dos pratos, sendo muito utilizado para temperar vegetais cozidos e saladas. Todos os varzeenses possuíam uma “pinga” de azeite, quando não das suas oliveiras, de rabisco.

Enquanto o alentejano usa e abusa do pão e da carne de porco, o beirão da batata e do milho, o trasmontano da castanha e do centeio, podemos dizer que o varzeense usa e abusa dos vegetais dos legumes e do azeite.

Em dias festivos, a canja de galinha estava sempre presente e as aves, galinhas, patos e perus, “corados” com arroz nos fornos de cozer pão que quase todos os fogos possuíam.

O carneiro ou borrego guisado com batatas não podia faltar nos casamentos e outras reuniões festivas.

Como dissemos, os pratos estão muito condicionados às primícias. Aparecem em Maio (Maio as traz, Maio as leva – diz o Povo) , as favas e então há que aproveitar e comem-se favas com torresmos, favas cozidas temperadas de azeite e vinagre, ou de qualquer outro modo. Quando já estão muito feitas (duras), usam-se nos purés, acontecendo o mesmo quando secas. As saladas de folha tenra da figueira alegram as refeições.

As ervilhas vão contrabalançando como podem e aparecem algumas vezes feitas com ovos.

Chega o tempo do tomate e então e então é ele o rei nas saladas com batatas cozidas às rodelas e principalmente nas “molhangas” (molho de tomate).

Saladas também de alface e beldroegas.

A apanha da batata proporcionava “sopas e batatas” (sopa de pão, batatas às rodelas e ovos, não faltando a cebola, o alho e a hortelã, como temperos), “batatas inteiras” (batata cozida com a pele, temperada com azeite e vinagre) e acompanhada com o que seja possível, na altura muitas vezes o bacalhau.

“Massa à Barrão” e bacalhau de caldeirada, são pratos não muito vulgares noutras regiões.

Quando a vida se circunscrevia à freguesia e a ida à cidade era um luxo, além do bacalhau, de peixe, só se comia a sardinha, trazida primeiro em burros, depois em carroças e já há muito em “motorizadas”.

Hoje, segundo nos informam já aparecem os veículos automóveis que além da sardinha e do carapau já trazem algum peixe grosso, mas pouco.

Em tempos que já lá vão e porque o peixeiro que anunciava a passagem de corneta, vinha quando vinha, comprava-se mais sardinha que se conservava em sal, escorchando-a. Nas faltas, eram então cozidas ou assadas e acompanhada de grelos de ineixa ou de saramagos, quando não havia de couve ou de nabo.

Arelhos guisados com bacalhau são um prato muito genuíno e que consideramos de interesse gastronómico a nível turístico mas que até agora, e que seja do nosso conhecimento, ainda ninguém explorou.

Chícharos cozidos e temperados com azeite e vinagre, cebola e salsa, com ovos cozidos ou bacalhau assado, são muito do agrado destas gentes. Ainda hoje o chícharo é uma leguminosa muito procurada mas escasseia.

O cardo (tagarrilha) utiliza-se com carne de porco.

As sopas dos varzeenses são muito substanciais, de misturas muito variadas onde se pontificam os legumes (feijão, feijoca, grão e mesmo fava) se juntam batata aos “quartos miúdos”, couve feijão verde ou ervilhas, nabo, cenoura, abóbora ou chuchu (tudo dependente das épocas) de azeite mas que muitas vezes não dispensa uma morcela, um naco de toucinho ou uma farinheira.

Outras sopas típicas são as de celgas com feijão (de azeite) e de cardos com grão, de carne de porco.

Além das já referidas e das de uso comum, fazem saladas de papoilas, labaças e serralhas.

Ao rábanos aproveitam os homens, abertos com sal, como aperitivo para beberem um copo de vinho na taberna.

O caracol em que a zona é rica, é muito apreciado e nos últimos anos, quando a sua procura aumentou devido a generalizar-se o seu consumo, originou uma boa fonte de receita de mulheres e reformados.

Na doçaria o bolo de noivo é rei. Próprio da zona do Bairro e estendendo-se pelo maciço de Porto de Mós, já se encontra semi-industrializado sem contudo e como é compreensível, conseguir manter as suas reais características. Tomando a forma de ferradura e de tamanho avantajado, é tipo de bolo seco. Saber fazer este bolo era obrigatório à varzeense. A receita é para a quantidade de um alqueire. Juntamente com o arroz doce constituía a doçaria dos casamentos.

Pelas festas cíclicas, fazem fritos como coscorões e filhós, massas de farinha batida com ovos, frita e povilhada com açúcar e canela.

Em determinad época do ano, que já não sabemos determinar, a Sra. Maria Amália fritava, porque fazia bem, folhas de laranjeira previamente molhadas numa massa de farinha. Tinha sempre meia dúzia delas para oferecer em minha casa. Era agradável principalmente pelo toque do gosto da folha.

Do que descrevemos, pouco se mantém, mas é preciso que ao varzeenses de agora saibam como os seus antepassados se alimentavam.