quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Pereira Caldas

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 15 DE JUNHO DE 2007)


José Garcês Pereira Caldas nasceu na freguesia de Marvila do concelho de Santarém a 26 de Novembro de 1895.

Frequentou o Liceu Sá da Bandeira na sua cidade natal, passando depois para o de Passos Manuel, em Lisboa.

Mobilizado, fez parte do Corpo Expedicionário Português, partindo para França em Junho de 1917, como alferes miliciano de artilharia. Em Fevereiro do ano seguinte foi promovido a tenente, regressando a Portugal em Agosto, indo prestar serviço no Regimento de Artilharia de Costa e igualmente no Arsenal do Exército, o que aconteceu até finais de 1920, altura em que foi desmobilizado. Ganhou em Campanha a medalha da Vitória.

Em 1921 concluiu o curso de engenheiro-agrónomo no Instituto Superior de Agronomia, da Universidade Técnica de Lisboa.

Ingressou no quadro de engenheiros-agrónomos do Ministério da Agricultura após a conclusão do curso.

Em 1927 foi nomeado professor da Escola de Regentes Agrícolas de Santarém, onde se manteve até 1931, altura em que foi nomeado Governador Civil de Santarém, funções que exerce até 1935.

Foi delegado do Governo entre 1933 e 1937, na Federação dos Viticultores do Centro e Sul de Portugal, exercendo já em 1937 o lugar de vogal da Junta de Colonização Interna, a que passou a presidir a partir de Abril de 1941.

No seu tempo são criadas as colónias agrícolas da Gafanha e de Pegões.

Nomeado subsecretário de Estado da Agricultura em 16 de Outubro de 1948, funções de que é exonerado em 1950.

Em 1949 nomeou uma comissão para reorganizar o plano industrial da feitura do azeite e seus derivados e dá-se maior protecção às cooperativas leiteiras de norte a sul do País.

Fez parte de missões de estudo à Itália, Espanha e Suiça e realizou várias conferências sobre assuntos da sua especialidade.

Faleceu em Lisboa a 3 de Julho de 1958.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vols. 21 e 40
Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971
Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40, pág. 690
História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vols. XIV e XV

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Braz Ruivo

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 24 DE NOVEMBRO DE 2006)



Augusto Braz Ruivo, de seu nome completo, nasceu na cidade de Santarém, mais propriamente no “Largo do Seminário” em 3 de Maio de 1906.

Depois de terminar o curso no Liceu de Sá da Bandeira, na sua cidade natal, acaba por ingressar nos quadros da Caixa Geral de Depósitos, como funcionário.

Desde muito novo revelou excepcional aptidão para as artes plásticas e recebe as primeiras lições do pintor de arte, António da Saúde que dava aulas no liceu de Santarém.

Naturalista por excelência, dedicou-se ao levantamento da monumentalidade escalabitana, reproduzindo através do óleo, aguarela, carvão ou sépia, além do património edificado, as paisagens circundantes.

Esta dedicação levou-o a colaborar, ilustrando Santarém, lenda e história, de Eugénio de Lemos, 1940, em Santarém, História e Arte, de Joaquim Veríssimo Serrão, 1950 e em Santarém no Tempo, de Virgílio Arruda, 1971.

Prestou igualmente a sua colaboração no restauro efectuado na igreja do antigo Hospital da Misericórdia de Santarém.

Em finais da década de trinta os seus trabalhos deram origem a uma colecção de postais de arte, penso que em número de vinte, intitulada, Santarém Monumental, numa edição da Casa Ruivo Júnior, de Santarém e de que penso houve pelo menos duas edições.

Aposentou-se na década de sessenta e agora com mais tempo disponível, realiza dúzia e meia de quadros dedicados à Quinta de Vale de Lobos, reproduzindo com mestria os locais e conjuntos mais significativos e onde viveu e faleceu o historiador Alexandre Herculano.

Este conjunto de obras veio a ser adquirido pela Câmara Municipal de Santarém que o homenageou na passagem do 1º Centenário do seu nascimento e no qual se incluiu a exposição destes trabalhos.

Manteve-se sempre fiel à escola que abarcou.

Encontra-se representado em museus nacionais e estrangeiros, em colecções particulares e em vários organismos oficiais de Santarém e de Setúbal.

Augusto Braz Ruivo veio a falecer na Póvoa de Santo Adrião em 6 de Novembro de 1983, ficando sepultado no cemitério de Loures.
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Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971
Santarém – Raízes e Memórias, José Campos Braz, 2000
“O 1º Centenário do Pintor Braz Ruivo, Prof. Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, in Correio do Ribatejo de 13 de Abril de 2006-10-29
“Câmara de Santarém homenageia o pintor Braz Ruivo no centenário do seu nascimento, Correio do Ribatejo de 5 de Maio de 2006


Pequena nota do autor

Conheci na minha juventude este grande artista que era amigo de infância de meu pai e que quando se encontravam não deixavam de dar dois dedos de conversa. Foi numa situação dessas que o conheci. Era uma figura imponente, alto, forte e de grande gentileza. Procurava sempre ver os seus trabalhos que muito apreciava. Guardo como relíquia duas colecções dos seus postais, que recebi de meu pai.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Falsário em Vilgateira?

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 1 DE SETEMBRO DE 2008)

[Rua em Vilgateira. Foto JV, 2010]

Nas leituras que habitualmente fazemos, aqui e ali, ora em documentos originais existentes em vários departamentos para o efeito criados, ora em livros de especialidade, quando menos esperamos encontramos algo que nos interessa e surpreende. Foi o que aconteceu já há bastante tempo quando fomos desfolhando e lendo o valiosíssimo trabalho Archivo Historico Portuguez, Vol. – III, Lisboa, 1915 e em “A Chancellaria de D. Afonso V”, da responsabilidade de Braamcamp Freire e a pág. 415 encontrámos um interessante despacho.

A Chancelaria Régia era um departamento que funcionava junto do rei e onde eram elaborados, autenticados e expedidos os diplomas régios e onde trabalhavam vários funcionários sob a chefia do chanceler-mor.

D. Afonso V passa grande parte do ano de 1446, no Ribatejo, principalmente nos seus Paços de Santarém, onde a 22 de Março é dado o seguinte despacho:

Fernão Lourenço de Villa Gateira, escudeiro do Infante D. Pedro, enviou dizer que algumas pessoas deram delle certos capítulos e denunciações enfamando, que elle com outras pessoas fora e era em conselho e companha de se fazer moeda falsa, etc. Foi preso; fugiu, tendo mais de setenta annos, em cima do rocim em que o levaram para a cadeia.
Carta de perdão. El Rei o mandou per Alvarenga e Luís Martinz. – fl. 20 v.

A aldeia de Vilgateira, em meados do século XV devia de ter alguma importância pois lá residia um escudeiro do Infante D. Pedro que nessa altura, apesar do rei ter atingido a maioridade, solicitou-lhe que continuasse a governar a Nação.

O Fernão Lourenço, acusado de fazedor de moeda falsa, quando era levado para a prisão, em cima de um rocim (cavalo fraco ou pequeno), apesar dos seus setenta anos, foge.

Depois, acaba por obter carta de perdão, possivelmente com a mãozinha do seu amo.

Se alguém pensa que estas coisas são de agora, por aqui se vê que são bem velhinhas!

O Algarve em João Arruda

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 de MAIO DE 2008)

Agora que se passaram os 117 anos deste velho Amigo que nós conhecemos há cerca de seis décadas, interessará referir, e nunca é demais fazê-lo, aquele que o criou e que não foi, exclusivamente um conhecedor da região onde nasceu e desenvolveu a sua plurifacetada actividade.

Para nossa surpresa, quando desfolhámos há anos o Volume I, A – B da ALGARVIANA – Subsídios para uma bibliografia do Algarve e dos autores algarvios, de autoria de Mário Lyster Franco, advogado, político, jornalista e escritor, outro homem muito versátil e que muito deu à sua região natal, encontrámos, a páginas 169 e 170 a seguinte referência ao fundador deste semanário:

[João Arruda]
ARRUDA (João) Escritor e jornalista, nascido em Santarém, a 18-XI-1868, e falecido na mesma cidade, a 14-V-1934. Na sua terra desempenhopu diferentes cargos públicos e fundou e dirigiu o semanário Correio da Extremadura, aparecido em 1891 e que, com o nome de Correio do Ribatejo, ainda se publica, desde a sua morte sob a direcção de seu filho, o advogado, escritor e académico dr. Virgílio Arruda. Nesse jornal publicou artigos de real valia e entre eles curiosas impressões de viagens que realizou a diferentes pontos do País e do estrangeiro. Figuram entre eles, publicada em 1905, uma série expressamente consagrada ao Algarve, que visitou por essa altura e que, reunidas em volume, com outras de várias regiões, constituem o livro

Cartas d`um viajor – 1908 – Typographia do Correio da Extremadura – editora – Santarém

In 4.º, 14,3x9, de 10-298-6 pp., sendo destas, 1 de erratas, 1de índice e 4 em br.. A capa, impressa a cores, reproduz vários aspectos das regiões visitadas e a parte que interessa a estes Subsídios. Intitulada No Algarve, comporta 8 capítulos, precedido cada um do respectivo sumário, é datada de Junho – 1905 e vai de pp. 67 a 129.

Além deste texto traz a capa do livro referido.

[Mário Lyster Franco]
Numa nota de rodapé refere: Igualmente nascido em Santarém (Virgílio Arruda), onde desfruta de grande prestígio, é também escritor de brilhantes qualidades, com valiosos trabalhos publicados. Amigo muito dedicado do Algarve e frequentador relativamente assíduo das suas praias, nunca deixa de registar também as suas impressões colhidas entre nós, em interessantes artigos que dá à estampa no jornal que dirige e nos semanários de Faro, Correio do Sul e Folha de Domingo de que é eventual colaborador.

O autor do trabalho que referimos foi várias vezes referido neste jornal pelo Dr. Virgílio Arruda, incluindo o seu falecimento ocorrido em 1984.

Infelizmente da ALGARVIANA só saiu o volume que referimos e já se passaram vinte e seis anos!

João Arruda, continua presente e teremos sempre coisas novas para nele encontrar, se as procurarmos.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Fróis Machado

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 17 DE NOVEMBRO DE .2006)

Nascido naquela que foi a velha Scalábis, em 1759, Gaspar Fróis Machado veio a tornar-se um notável gravador que muito honra a terra onde nasceu.

Iniciou os seus estudos em Mafra, na Escola de Ginoti, onde se manteve durante quatro anos., aproveitando ao mesmo tempo para estudar com Joaquim Carneiro da Silva.

Com vinte e um anos, acompanha para Roma, Pagliarino, que se tinha refugiado em Portugal por ter feito imprimir naquela cidade, sem autorização, a obra Tentative Théologique. Uma vez amnistiado, regressou àquela cidade.

A protecção que lhe foi prometida, não decorreu como esperava, aproveita contudo as lições do conhecido gravador Volpato. Foi com este e com Carneiro da Silva que se aperfeiçoou no processo do buril.

Foi um artista de extraordinários recursos, tendo praticado todos os géneros, desde o simples registo às grandes chapas alegóricas.

[Gravura executada por Fróis Machado]
No retrato, foi do melhor que se produziu em Portugal no século XVIII, equivalendo-se aos melhores artistas do estrangeiro.

É considerado de grande merecimento o retrato que fez de D. Maria I, segundo desenho de Hichey. Igualmente realizou os de D. José, príncipe do Brasil, Padre Teodoro de Almeida e do Marquês de Angeja, D. Pedro de Noronha.

São igualmente notáveis as suas alegorias, entre as quais se destacam a dos “Reis no trono”, composta por seu irmão mais novo, a do “Infante D. João”, o “Nascimento da Princesa da Beira” e “Estátua Equestre de D. José I”.

Gravou uma estampa da Torre de Belém que veio a ser oferecida por Niel ao Duque de Lafões em 1783.

Nas estampas religiosas, efectuadas com grande rigor técnico, destacam-se:. Nossa Senhora das Dores, S. Filipe de Nery e Nossa Senhora do Rosário.

Pretendendo ainda melhorar os seus conhecimentos técnicos, Fróis Machado procura estudar em Inglaterra com Bartollozzi mas o navio em que seguia naufragou, contando-se o artista entre as vítimas.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol.11

Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, 2 Vols., Porto, 1975.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Rafael Marques

Rafael da Silva Marques, de seu nome completo, nasceu em Santarém em 31 de Janeiro de 1885.

Frequentou a Escola Politécnica de Lisboa que abandona.

Aos dezasseis anos apresenta-se no Coliseu dos recreios, exibindo-se como faquir. Com a Companhia do Circo percorre as nossas colónias de África e desloca-se à América do Sul.

Como actor de teatro faz a sua estreia em 1905, no então teatro D. Amélia, na peça “A Cruz da Esmola, de Eduardo Schwalbach e integrado na Companhia Rosas & Brazão.

Em 1907 parte para a Bélgica com uma pensão do Estado a fim de obter o curso de engenheiro electricista, o que não veio a acontecer, indo viver para Paris.

Regressando a Portugal volta ao Teatro D. Amélia onde se mantém algum anos.
Com o incêndio neste teatro, em 1914, passou com a mesma Companhia para o de S. Carlos até 1916, altura em que é contratado para o antigo Éden Teatro, pelo empresário, Luís Galhardo.

Por aí se mantém até 1920, altura em que ingressa no Teatro Nacional Almeida Garrett onde trabalha com Eduardo Brazão e obtém grandes êxitos. Aí foi sócio, gerente e director de cena.

Com Ilda Stichini, em 1925 formou uma efémera Companhia, abandonando o teatro quatro anos depois.

Dedica-se então ao comércio e chega mesmo a Inspector de fronteiras, fazendo uso da língua francesa que falava correctamente.

Em 1930 já se encontra novamente no ambiente que sempre preferiu, o teatro, trabalhando no Teatro Apolo, de que foi empresário, obtendo aí grandes êxitos, como na peça “O Mártir do Calvário”, na qual interpretou o papel de “Cristo”.

Integrado na Companhia do D. Amélia, com actores como Eduardo Brazão e Adelina e Aura Abranches, actuou várias vezes na Brasil.

Falece em Lisboa no dia 16 de Novembro de 1939, altura em que trabalhava no filme João Ratão, nos estúdios da Tobis Portuguesa.

Era condecorado com a Ordem de Santiago de Espada.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 19
Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Bater em padre é sacrilégio

Pequena Nota
Caro Visitante/leitor

O “Correio das Lembranças” foi criado fundamentalmente para aqui repor o que fui publicando no centenário jornal da minha cidade, o Correio do Ribatejo, ao longo dos anos, sendo uma maneira de hipotéticos interessados a eles terem acesso.

O primeiro escrito que publiquei e incluído em Temas Varzeenses teve por título A Capela de Santo António, “Ex-libris” de Vilgateira e foi publicado no número de 22 de Fevereiro de 1991 e ilustrado com um desenho a tinta-da-china que executei para o efeito.

O texto e o desenho foram, entretanto, aqui reproduzidos.

Com a publicação de A Freguesia da Várzea (do concelho de Santarém) – Achegas para uma monografia, 2005, o mesmo desenho foi incluído a pág. 139.

Até aqui tudo normal.

Em princípios de Dezembro, sou contactado por e-mail com o pedido de autorização formulado por Saint-Clair Mello (Brasil) de permitir a utilização do meu desenho num texto que iria publicar no seu espaço ASFALTO & MATO, o que naturalmente autorizei e agradeci.

Sem dúvida que foi uma honra para mim o meu desenho ter sido escolhido entre muitas centenas, para não dizer milhares.

O texto muito interessante e bem escrito reflecte uma época que todos nós conhecemos e tem a vantagem de ser baseado em factos verídicos, segundo o autor nos veio a confessar.

Tudo isto me levou a publicar neste espaço, depois do consentimento do autor, o interessante artigo acompanhado do desenho e das palavras que teve a amabilidade de me dirigir.

Os meus leitores conterrâneos e não só ficarão a saber por onde anda o desenho da nossa capelinha de Sto. António.

Caro leitor: Não deixe de visitar o ASFALTO & MATO, onde além de prosa interessante encontra excelente poesia do nosso já Amigo, Saint Clair Mello a quem muito agradecemos.

JV



Postado em 10 de Dezembro de 2010, por Saint-Cair Mello

Nos primórdios da vila de Santo Antônio da Liberdade, hoje conhecida por Carabuçu, houve um padre que lá foi estabelecer seus rebanhos de fiéis, de gado e de mulheres.

Naquela época, as disputas de terra eram sangrentas. Terra nova, inexplorada, aberta à grilagem do mais esperto, do mais poderoso.


Prestígio de padre pode ser discutido no céu, por anjos e santos, não em lugarejos perdidos do interior. Assim, montado em seu prestígio, o padre abocanhou alguns alqueires de terra, onde plantou café, criou gado, fixou colonos, construiu uma bela sede de fazenda. Ministrava os sacramentos e administrava seus domínios com competência canônica.

Mas padre é gente, é homem, por isso capaz de pecar tão desavergonhadamente como qualquer mortal. Ocorre, porém, que o padre decidiu pecar justamente com Lucinda, sertaneja prendada, bem apessoada, olhar de Capitu. Sua fiel, é verdade, embora mais fiel do coronel Napoleão, que a trazia alinhada como cavalo de charrete.

Foi o que bastou para que o coronel se destemperasse, perdesse a fé e o respeito pelas coisas sagradas e mandasse recado destabocado para o padre.

- Nicandro, diz lá pro padre Ambrósio que vou lhe dar uma sova, pra ele aprender a se meter com menina alheia.

O mulato foi e voltou com a resposta do padre:

- Diz lá pro seu coronel que em padre só se pode bater acima da cabeça, caso contrário é sacrilégio, punido com excomunhão.

Coronel Napoleão não gostou da resposta atravessada do homem de Deus e tomou as providências cabíveis: mandou pendurar o padre de cabeça para baixo no galho de uma figueira e desceu-lhe a gurumbumba, até sua reverendíssima resolver abrir mão de fazenda, de Lucinda e de paróquia.

De seu, a única coisa que o padre deixou por aqueles arredores foi uma meia dúzia de meninos, que, nas noites de sexta-feira de lua cheia, andavam virando lobisomem e mula sem cabeça.

Agradecimentos a José Varzeano pela cessão de seu belo desenho a ilustrar este texto.)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Manuel Neves

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 3 NOVEMBRO DE 2006)

Jornalista, autor dramático e tradutor.

Nasceu na Ribeira de Santarém em 5 de Julho de 1875.

Aos treze anos é compelido a deixar o liceu de Santarém e inicia a aprendizagem da profissão de tipógrafo no Correio do Ribatejo que na altura se designava Correio da Extremadura visto ainda não ter sido criada a província do Ribatejo, o que só aconteceu muitos anos depois.

Como o semanário foi criado em 1891, existe aqui uma pequena diferença mas temos que atender que antes deste já João Arruda tinha dado outros a público.
Manteve-se nesta actividade até 1898.

Autodidacta, era atraído para a literatura e principalmente para o jornalismo, gosto possivelmente adquirido no jornal onde trabalhou.
Manuel Neves tinha menos cerca de sete anos do que João Arruda, outro autodidacta de grande valor que pisou caminhos semelhantes, tendo ambos nascido na parte baixa da cidade.

A cultura que foi adquirindo possibilitou ser professor do ensino primário em 1899.
Tendo sempre por fim o exercício do jornalismo, consegue entrar para a redacção do “Folha do Povo2”, de Lisboa, onde depressa dá provas das suas excepcionais qualidades.

Passa depois e sucessivamente pelo “O País”, “O Diário”, “Jornal da Noite”, O Intransigente” e por último pelo “O Século” (1911) onde exerceu a função de subchefe de redacção. Tanto escrevia o artigo de fundo como a mais insignificante notícia!
Para o teatro escreveu a peça em um acto Romantismo, premiada em mérito absoluto num concurso aberto pelo jornal “O Dia”.

De colaboração, escreveu a peça em quatro actos Um Lar, representada no Teatro Nacional em 21 de Junho de 1908.

Escreveu ainda uma opereta em três actos que intitulou Intrigas de Amor.
Traduziu variadíssimas obras, entre as quais “Le Satyre”, “A Viúva Alegre” “Sonho de Valsa e vários romances que foram publicados em “O Século”.

Reformou-se em 1952 e passou a colaborar no Século Ilustrado, escrevendo ainda várias revistas teatrais.

“O Século”, jornal onde trabalhou tantos anos veio a homenageá-lo.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 18 e 40

Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Natércia Freire

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE OUTUBRO 2006)



Poetisa, prosadora, compositora musical, professora do ensino primário, foi Natércia Ribeiro de Oliveira Freire, conhecida no campo literário por Natércia Freire e que viu a luz do dia em Benavente, aos 28 de Outubro de 1920.

Publica o seu primeiro livro (poesia) “Castelos de Sonho” em 1938 e continua a fazê-lo com regularidade. “Meu caminho de Luz”(1939), “Estátua”(1942), “Horizonte Fechado” (1942), “Rio Infindável”(1947-Prémio Antero de Quental), “Anel de Sete Pedras”(1952 – igualmente Prémio Antero de Quental), “Poemas” (1957), “Poesias Escolhidas (1959), “Poemas e Liberta em Pedra” (1964), “A Segunda Imagem” (1969), “Os Intrusos (1971 – Prémio Nacional de poesia, ex aequo com David Mourão Ferreira), “Liberdade Solar” (1977) Obra poética, 2 vols. (1994), foram os trabalhos que se seguiram.

Em 1964 recebe a “Medalle D`Or de Mérite National Français e em 1966 o “Diplome D`Honneur da Academie de Jeux Floraux de Loine-Ocean”.

Obteve o Prémio Nacional de Poesia em 1971.

Quanto a prosa, publica: “Irmão (romance), “A Alma da Velha Casa” (1945 – contos), “Infância de que nasci” (1955-Prémio Ricardo Malheiros), e “Não vás, minha Gazela”, novela (1957).

Organizou a monografia “Ribatejo”.

Publicou contos e novelas por várias revistas em que colaborava, como Atlântico, Ocidente, Acção, Portucale, Vida Ribatejana, etc.

Durante vinte anos dirigiu o suplemento Artes e Letras do Diário de Notícias e a seu convite obtém a colaboração de autores como Vergílio Ferreira, Agostinho da Silva, Urbano Tavares Rodrigues, David Mourão-Ferreira, João Gaspar Simões, Domingos Monteiro, José Régio, Sophia de Mello Bryner, Jacinto Prado Coelho, Jorge de Sena, Natália Correia, etc.

Além da colaboração em jornais e revistas portuguesas, fá-lo também em relação ao Brasil, Itália, Espanha, Bélgica, Suiça e França.

Os seus trabalhos poéticos encontram-se traduzidos em francês, inglês alemão, italiano e espanhol. Em sentido contrário, igualmente se dedicou à tradução.
No campo musical que igualmente cultivou, compôs “Canção quimérica, “Álbum de canções portuguesas e “Volta meu amor!”

Faleceu em Lisboa em Dezembro de 2004.

A Câmara Municipal de Benavente, com o patrocínio da Companhia das Lezírias e a colaboração da Associação Portuguesa de Escritores, instituiu em 2005, o Prémio de Poesia Natércia Freire, em sua homenagem.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 11

“Alguns Valores da Província do Ribatejo”, Octávio R. de Campos, em Vida Ribatejana, Número Comemorativo – 1940

“Figuras Notáveis do Ribatejo”, Jorge Ramos, em Correio do Ribatejo de 26 de Janeiro de 1979

Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso- Brasileiro 2 Vols. Porto 1975
Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI

Regulamento do Prémio de Poesia “Natércia Freire", Câmara Municipal de Benavente, 2005

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Os arelhos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 8 DE JUNHO DE 2007 E-REPUBLICADO NO BLOGUE ALCOUTIM LIVRE EM POSTAGEM DE 17 DE SETEMBRO DE 2008)

[Arelhada]

Há quase um ano que não escrevo sobre a freguesia da Várzea devido a vários factores que vão desde a falta de tempo até à lembrança de um assunto que me desperte a atenção e possa construir com aquilo que a memória foi acumulando no decorrer dos anos e uma análise simplista que nos reporte aos dias de hoje.

Do norte a sul do País o homem em períodos de crise, motivados por intempéries e situações políticas complicadas, recorreu muitas vezes às plantas espontâneas para uso alimentar o que acabou, nalguns casos, por dar origem a hábitos e usos gastronómicos que se foram transmitindo no decorrer dos anos, mesmo àqueles a que a vida corria melhor.

Celgas, labaças, cagarrinhas (cardos de folha larga que depois de esfolados se aproveita a nervura central), beldroegas, espargos, túberas, míscaros e outras espécies de cogumelos, serralhas, leitugas, agriões e arelhos, são algumas das espécies utilizadas, cozidas, fritas, guisadas ou cruas, mais propriamente em saladas.

Além disso não podemos esquecer o tempero aromático dos orégãos, da hortelã da ribeira, da erva das azeitonas, do funcho, do alecrim, do poejo e da carqueja, entre muitas outras.

Tenho verificado que a mesma planta tem utilizações diferentes, conforme a região. Enquanto na Várzea só conheço o uso das beldroegas (vulgo valdoregas) em salada, na Serra algarvia utilizam-na na sopa e nos “jantares” que constituem uma espécie de cozido. Por outro lado, as celgas que os varzeenses utilizam em sopas de feijão, naquela zona do sul do país comem-se cozidas.

Vem isto a propósito de há cerca de dois meses ter recebido telefonicamente um convite nos seguintes termos:- Então não quer vir amanhã comer uns arelhos com bacalhau, feitos por um conterrâneo para um grupo de amigos, igualmente varzeenses? Só não são comidos na Várzea, mas numa zona bem próxima.

O convite era tentador, primeiro porque ia saborear um prato que muito aprecio e que já não comia à volta de quarenta anos, segundo porque ia ter a oportunidade de conhecer alguns conterrâneos, que me conheciam de nome, através deste jornal, convivendo com outros já conhecidos, trocando impressões sobre a nossa terra e procurando enriquecer os nossos conhecimentos, já que a oralidade é sempre uma via importante de transmissão.

Além dos arelhos guisados com bacalhau e batatas, sou apreciador de sopa de feijão (ou feijoca) com celgas e todos os anos mato o gosto, porque me é fácil apanhá-las, pois sei confeccionar a sopa. Neste caso, não substituo as celgas pelas melhores couves do Mundo! Para a sua adequada confecção, é necessário conhecer algumas passagens que nem todos praticam ou conhecem.

[Prato de arelhos guizados com bacalhau. Foto JV]

Com os arelhos, não acontece o mesmo. Nunca apanhei tal coisa, ainda que saiba, porque o meu pai mo dizia, criavam-se bem nas vinhas, local onde os procurava.

Nos dicionários que consultei, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Francisco Torrinha, 1946, Lello Universal – Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Porto, 1975, Dicionário da Língua Portuguesa, por Almeida Costa e Sampaio e Melo “Editora”, 5ª Edição, 1977 e por último o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa – Verbo, 2001, não encontrei o substantivo arelho mas sim alhos-porros e alhos da vinha (espontâneos nas vinhas), entre outros. Estas duas designações presumo que sejam sinónimas de arelhos.

Existe o topónimo Foz do Arelho que José Pedro Machado pretende significar areia (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte /Confluência, 1993) e a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol 3, pág 172 refere o mesmo topónimo existente no concelho da Caldas da Rainha e de uma ribeira que nasce na Serra de Montejunto que se junta à de Arnoia, próximo da lagoa de Óbidos.

Vim a encontrar os mesmos alhos espontâneos na Serra Algarvia, igualmente utilizados na alimentação, mas aqui com um desenvolvimento muito inferior devido às terras serem mais delgadas e conhecidos por alhos-areios, designação que igualmente não encontrei nos dicionários que já referi.

Enquanto na Várzea e zonas circunvizinhas só se aproveita a “cabeça”, na Serra Algarvia aproveitam igualmente a rama (folha) e cozinham-nos de uma maneira totalmente diferente da do Ribatejo, com sopa de pão e fatias de toucinho. Constituem igualmente um bom petisco!

Até hoje nunca encontrei o bacalhau guisado com arelhos em qualquer restaurante que diz servir pratos regionais o que sempre me admirou, pensando eu que seria um prato típico da região completamente perdido.

Pelo que me foi dado ver, meia dúzia de conterrâneos fazem gala de manter a tradição gastronómica dos “arelhos” confeccionando-os com prazer e mestria, mantendo a sua originalidade.

Não compliquem com adicionamentos que possam desvirtuar ou lhe tirar a pureza. É só necessário manter o tradicional, o que por vezes não é fácil.

Procurem transmitir aos vossos descendentes as tradições gastronómicas.

Agradecido pelo convite.

Satisfizemos o estômago e a mente.

Muitos anos de vida para a “Confraria dos Arelhos”.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Nepomuceno de Macedo

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 5 DE MAIO DE 2006)

João Nepomuceno de Macedo nasceu na Chamusca no dia 15 de Maio de 1793, sendo filho de António Eliseu Raimundo de Macedo e de sua mulher, D. Teresa Faustina Challamar.

Segue a carreira das armas assentando praça em Cavalaria 10 em 1809 e em 31 de Agosto de 1813 já era tenente.

Tomou parte na Guerra Peninsular e ofereceu-se para fazer parte da expedição ao Rio da Prata, sendo já capitão.

Comandada por Carlos Lecor, depois de chegarem ao Rio de Janeiro, passaram a Santa Catarina, defrontam e destroçam um dos chefes rebeldes e continuam a marcha até à praça de Maldonado, acabando por entrar em Montevideu, tudo isto para fazer respeitar as fronteiras do território português que então o Brasil representava.

No combate de Índia Morta (19.10.1816) por ter sido gravemente ferido o comandante de dois esquadrões de Cavalaria e morto o major Duarte Mesquita, seu imediato, o jovem oficial assume o comando com bravura e denodo, sendo por isso graduado no posto de major, o que acaba por se tornar definitivo, sendo nomeado comandante do 1º Regimento de Cavalaria da Divisão de Operações.

Toma então parte em vários combates sempre com notoriedade e intrepidez.

Regressa ao Reino e adere à causa liberal.

É promovido a tenente-coronel em 15 de Agosto de 1826 mas em 1828 já se encontrava exilado em França.

Alcançando a ilha Terceira, nos Açores, que funcionava como refúgio e baluarte dos liberais, tomou parte no desembarque do Mindelo, vindo a ganhar renome pelos seus feitos no cerco do Porto.

Quando tropas miguelistas tinham conseguido penetrar nas defesas da praça e chegar, depois de tomar uma barreira levantada na estrada de São Cosme, João de Macedo comandando uma pequena força de vinte e três homens, carrega o inimigo fazendo gorar a arremetida que parecia vitoriosa, salvando assim a cidade de ser ocupada pelos partidários de D. Miguel.

Foi promovido a coronel a 6 de Agosto de 1832 e a brigadeiro em 2 de Julho de 1833.

Por decreto de 12 de Maio de 1835 foi agraciado com o título de Barão de São Cosme.

Era comendador das Ordens de Avis e Torre e Espada, condecorado com a medalha da Guerra Peninsular e com a Estrela de Ouro da Campanha do Rio da Prata.

Tombou no combate de Chão da Feira, próximo da vila da Batalha, o que igualmente aconteceu ao Conde de Redinha, quando comandava sob as ordens de Saldanha, uma força de Cavalaria que arremeteu contra um batalhão de Caçadores do então Barão do Bonfim.
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Nobreza de Portugal e do Brasil, Edições Zairol, lda. (dir. coord. E comp. De Doutor A. Martins Zúquete

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Portugal Militar, Carlos Selvagem, INCM, 2ª reimpressão, 1993

Tradição e Revolução, uma biografia do Portugal Político do séc. XIX ao XXI, José Adelino Maltez, Vol I (1820-1910), pág. 269

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Peixoto Barreto

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 17 DE DEZEMBRO DE 2004)



Nasceu a 22 de Fevereiro de 1580, em Pontével, actual freguesia do concelho do Cartaxo, este eclesiástico a quem foi dado o nome de Mateus Peixoto Barreto.

Cursou a Universidade de Coimbra, onde se licenciou em cânones.

Foi cónego da Sé de Lisboa, desembargador e chanceler da Relação Eclesiástica.
Deputado da inquisição de Coimbra em 1617, exerce as mesmas funções em Lisboa, dois anos depois.

Fundou em 1619, nas casas onde tinha nascido, o Recolhimento de São Dâmaso, destinado a viúvas e donzelas pobres, tendo para o efeito instituído um morgado.

Faleceu em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1641, sendo sepultado, como tinha determinado, na ermida de S. Dâmaso, capela do Recolhimento.

A instituição foi extinta em 1758, tendo tudo desaparecido, incluindo o seu túmulo.
Dedicou-se à investigação histórica e à genealogia, deixando manuscritas algumas obras como: Cronologia da Sé de Lisboa, Nobreza Lusitana na Colecção de Títulos de Muitas Famílias do Reino, Memórias Genealógicas da Família dos Peixotos, Colecção dos Brasões que estão Registados na Torre do Tombo. Etc.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira , Vol. IV
Boletim da Junta de Província do Ribatejo , 1937 – 40
"Pontével através dos tempos", A .H.Barata, in Correio do Ribatejo de 5 de Novembro de 1976.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Quem é aquele Senhor?

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 8 DE OUTUBRO DE 2004)




Quando Bernardo de Figueiredo faleceu em Palma de Maiorca, aos setenta e três anos, e já se passaram três, não me encontrava na minha residência oficial e para onde me é enviado o “Correio do Ribatejo”.

Nessas alturas, o meu afastamento do “Mundo” é quase total, pelo que só tive conhecimento do funesto acontecimento quando regressei e li os vários jornais que entretanto tinham chegado.

Naturalmente que a notícia é acompanhada por dados biográficos oriundos de vários quadrantes, desenhando e pondo em relevo o percurso do que era então classificado como o decano dos jornalistas de Santarém e que tinha sobre os seus ombros a difícil missão de substituir, o Dr. Virgílio Arruda, grande jornalista e escritor (homem de Cultura) que no campo da história escalabitana, deixou vasta obra em trabalhos publicados e nos milhares de páginas escritas no seu e em outros jornais e revistas.

Quando Bernardo de Figueiredo era um homem, era eu um rapazeco que sempre reparei naquela figura esguia, testa alta, cabelo liso, puxado para trás, passo cadenciado, fato inteiro e invariavelmente com livros ou jornais debaixo do braço, descendo a avenida do MEU BAIRRO.

Aquela figura mexia comigo e um dia, já próximo dos muros do antigo hospital de Jesus Cristo, aproveitei a companhia de meu pai e perguntei-lhe:- Quem é aquele senhor ? A resposta não se fez esperar:- É jornalista, escreve para os jornais.

Penso que nesta altura já era casado, (ou namoraria aquela que veio a ser sua esposa) que eu conhecia igualmente de vista, do MEU BAIRRO. Julgo que sempre teriam morado na Rua 2º Visconde de Santarém cujo último quarteirão então constituía uma das partes novas do MEU BAIRRO e onde as construções já começavam a ser de dois pisos. Deixei o MEU BAIRRO em fins da década de cinquenta, dando início na Beira-Alta à minha vida profissional, começando então a receber semanalmente, sem nunca ter falhado uma semana, este velhinho jornal que comecei por ler na barbearia do MEU BAIRRO.

Na segunda metade da década de oitenta, comecei a compilar elementos sobre a minha freguesia natal, percorrendo passo a passo o seu território, recolhendo usos e tradições, investigando o arquivo da Junta de Freguesia e procurando algo que estivesse escrito sobre ela, ainda que vivesse distante.

Com o trabalho desenvolvido foi-me possível organizar um “volume” dactilografado que intitulei A Freguesia da Várzea (do concelho de Santarém) - achegas para uma monografia que não veio a ser publicado por falta de conjugação de esforços.

Atendendo a que os destinatários principais deste humilde trabalho eram os meus conterrâneos, pensei em transformá-lo em escritos a publicar, se possível, no Correio do Ribatejo.

Nesta altura já dirigia o semanário, Bernardo de Figueiredo que solicitado a isso, deu a sua adesão. Foi assim que entre 22 de Janeiro de 1991 e 10 de Julho de 1992 foram publicados cinquenta e dois escritos sob o tema “Temas Varzeenses”.

Tivemos então oportunidade de nos conhecermos pessoalmente, conhecendo ele, naturalmente as minhas raízes com as indicações que lhe dei.

Nas poucas vezes que falámos, trocávamos impressões, transmitia-me os comentários que lhe faziam sobre os escritos e principalmente a procura da minha identificação que nunca fez, sem a minha autorização.

Bernardo de Figueiredo certamente me desculpará que aqui transcreva um pequeno trecho da carta que teve a amabilidade de me escrever e datada de 4 de Abril de 1992.

Lamento que os seus artigos sobre os temas Varzeenses, estejam a chegar ao fim, pois têm desfrutado o maior interesse. Contudo, tomo a liberdade de lhe sugerir que escreva sobre outros assuntos. O jornal está inteiramente aberto à sua (...) colaboração. Por isso, vá pensando no assunto.

Foi assim que vieram a aparecer AS MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO e as FIGURAS RIBATEJANAS, que ainda se vão mantendo, aliás como os TEMAS VARZEENSES, ainda que esporadicamente.

Como fica demonstrado, isso se deve a Bernardo de Figueiredo.

Está tudo ou quase tudo dito sobre José Bernardo de Figueiredo Duarte. Nunca li contudo qualquer referência à sua habilidade nata para o desenho e pintura. Vi um ou outro trabalho seu, de jovem, publicado no jornal e se não estou errando ilustrou um convite de casamento de um familiar próximo. Esta conversa veio a propósito dos meus bonecas que têm ilustrados alguns dos meus escritos.

QUEM É AQUELE SENHOR ?

Hoje digo:- Uma FIGURA RIBATEJANA, uma personalidade do MEU BAIRRO.
Aqui ficam estas despretensiosas palavras que a mim mesmo prometi escrever de simples homenagem a um jornalista que honrou a sua Terra e o seu BAIRRO.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Silva Branco

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 17 DE DEZEMBRO DE 2004)

Outro cartaxense nascido na freguesia de Valada em 6 de Fevereiro de 1834, tendo-se distinguido como jornalista, incisivo e polémico.

Farmacêutico de formação, era filho de um médico do mesmo nome.

Estreou-se na imprensa diária em 28 de Novembro de 1861, por isso um jovem, na Revolução de Setembro, um dos maiores jornais da imprensa portuguesa, fundado em 1840 por José Estêvão e outros e que sobreviveu até 1892.

O artigo publicado era acerca dos arrozais e causou controvérsia com Betâmio de Almeida e Mendes Leal.

Animado por Rodrigues Sampaio, foi colaborando com assiduidade naquele jornal, substituindo por vezes o redactor principal.

A sua maneira de escrever chegava a confundir-se com a de Rodrigues Sampaio.
José Maria da Silva Branco colaborou no Bejense, no Lethes e no Escoliaste médico.
Foi orador de nomeada e fez parte da várias associações populares.

Faleceu a 2 de Outubro de 1870, por isso com apenas tinta e seis anos.
O Diário de Notícias e a Gazeta do Povo, da época, honraram a sua memória com palavras adequadas.

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Diccionario Bibliographico Portuguez,Innocencio Francisco da Silva, Tomo XIII, 1885

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira , Vol. V

D. António Brandão

(Publicado no Correio do Ribatejo de 10 de Dezembro de 2004)

Também lhe têm chamado D. António Pereira Brandão.Pensa-se que terá nascido no Cartaxo este prelado do século XVI, bispo titular de Rociana ou Regione.

D. Martinho de Portugal que governou de 1533 a 1547 a arquidiocese do Funchal, sem nunca lá ter ido, tê-lo-ia enviado em 1538, com procuração bastante a fim de ali exercer actos próprios da ordem episcopal.

Foi quem sagrou a Igreja de S. João Baptista no Cartaxo, o adro e o sino grande da torre, conforme constava de uma inscrição existente na porta principal.

Igualmente sagrou, entre outras, a Igreja do Convento do Carmo em Lisboa e a matriz de Valada, concelho do Cartaxo, em 1528.

Era padroeiro da capela do Senhor dos Passos que existe na Rua Mouzinho de Albuquerque, no Cartaxo, por cima da porta da qual se vêem as armas deste bispo, tendo por timbre o chapéu episcopal.

Foi esmoler-mor de El-Rei.

Teria morrido em 1559.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira , Vol V

Boletim da Junta de Província do Ribatejo , 1937 – 40

História Eclesiástica de Portugal , P. Miguel de Oliveira, 1994

"A vila do Cartaxo e o seu termo através dos tempos", A. H. Barata, in Correio do Ribatejo de 11 de Fevereiro de 1977

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Cosme Delgado

É muito pouco o que se sabe da vida e obra deste cartaxense que teria nascido no último quartel do século XVI.

Foi mestre-de-capela da Sé de Évora e cantor de renome.

Tem fama de no seu tempo ter sido o mais célebre compositor de música sacra, tendo composto missas, motetes e lamentações, obras que deixou ao Convento do Espinheiro, próximo de Évora e que se teriam perdido em 1835.

As poucas referências encontradas, são praticamente decalcadas umas das outras.

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Boletim da Junta de Província do Ribatejo , 1937-40
Dicionário de Santos, de Jorge de Campos Tavares, Lello & Irmão, Editores, Porto, 1990
Lello Universal – Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Porto 1975

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sousa Martins


José Tomás de Sousa Martins é considerado um dos maiores médicos portugueses e uma honra para a medicina portuguesa.

Nasceu na Vila de Alhandra no dia 7 de Março de 1843.

Os primeiros estudos foram feitos na sua terra natal e aos treze anos praticava na farmácia de um seu tio. Ao mesmo tempo frequenta a Escola de Farmácia.
Em 1864 termina aquele curso mas em 1861 e com dezoito anos, tinha-se matriculado na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, curso que também conclui em 1866.

Foi brilhante aluno em ambos os cursos, sendo a sua tese em medicina considerada na altura de grande nível e versava sobre a inervação da fibra muscular cardíaca (O pneumogástrico preside a tonicidade da fibra muscular do coração).

Em 1872 desempenhava as funções de professor substituto da Escola Médica - Cirúrgica de Lisboa e quatro anos depois ocupava a cátedra de Patologia Geral, Semiologia e História da Medicina..

Ao mesmo tempo era médico do Hospital de S. José, sendo em 1855 director de enfermaria.

O Doutor Sousa Martins gozou de verdadeira celebridade no meio português, destacando-se fundamentalmente como clínico, pelo talento e saber científico, ajudado pela singular fluência da palavra convincente e pelo relacionamento com os doentes, onde a bondade e dedicação lhe fizeram ganhar o epíteto de “Pai dos Pobres”.
Foi conferencista de mérito e orador insigne. Deixou escrito: Comemoração de Luís Pasteur, Nosologia de Antero de Quental e vários estudos e relatórios da sua especialidade.

Era sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, da Sociedade Farmacêutica Lusitana, do Instituto de Coimbra, da Academia Real de Medicina da Bélgica, da Academia de Medicina de Madrid, da Sociedade de Geografia de Lisboa, da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, de que foi sócio fundador e de muitas mais Sociedades e Academias, nacionais e estrangeiras.
Fez parte igualmente de muitas comissões onde a sua presença era indispensável.
Foi em 1876 secretário e relator da comissão que redigiu a Farmacopeia Geral do Reino e a Farmacopeia Portuguesa.

Desempenhou variadíssimas vezes a função de representante de Portugal em vários eventos ligados à medicina e à saúde.

Em 1881 presidiu à comissão executiva e da secção de medicina da expedição científica à Serra da Estrela, o que lhe permitiu vir a redigir um estudo muito importante sobre o tratamento da tuberculose pulmonar.

Quando se sentiu doente e conhecendo que a doença que o atormentava não tinha cura, recolheu à sua casa de Alhandra onde veio a falecer no dia 18 de Agosto de 1897, apenas com cinquenta e quatro anos.

Dois anos depois do seu falecimento foi-lhe erguida uma estátua no Campo de Santana, em frente da Escola Médica.
A estátua primitiva veio a ser substituída pela actual de autoria do escultor Costa Mota.

Também na sua terra natal, os seus conterrâneos lhe levantaram um monumento semelhante.

O nome do Doutor Sousa Martins e apesar de ter decorrido mais de um século sobre a sua morte, continua a ser idolatrado por muita gente, como se de um taumaturgo se tratasse.

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Dicionário Ilustrado da História de Portugal - Edições Alfa

Lello Universal - Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro

Boletim da Junta de Província do Ribatejo - 1937 - 1940

História de Portugal - Vol. X - Joaquim Veríssimo Serrão

História de Portugal - Vol. 5- Dir. de José Mattoso

"Alguns Valores da Província do Ribatejo ", Octávio R. de Campos,
in Vida Ribatejana, nº Comemorativo dos Centenários - 1940

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Uma partida de há 50 anos!

(Publicada no Correio do Ribatejo de 1 de Agosto de 2008)

A ideia de escrever este tema, veio-me recentemente quando me contaram, em local bem distante da Várzea que, quando chegou depois de uma estada na capital, tinham-lhe bebido já três garrafões de vinho novo.

Esta revelação e na altura em que me davam a provar o vinho, que efectivamente era bom, sugeriu-me a pergunta se pelo menos tinham lavado os garrafões, o que me responderam que não.

E a pergunta já tinha a ver com a estória que iria seguidamente contar e que na altura me veio à memória, já com algumas falhas provocadas pelos longos anos passados, mas no fundamental, o facto passou-se efectivamente, ainda que possa parecer mentira.

Não tive qualquer interferência nela, mas sou seu contemporâneo.

Um varzeense solteirão que na altura rondaria os cinquenta e que herdou de seus pais alguns bens rústicos e mesmo urbanos, nunca se dedicou ao amanho das suas propriedades em plenitude, preferindo ir trabalhar para quintas de concelhos próximos onde exerceria funções de “feitor”ou próximas disso.

Nunca me apercebi das competências que teria na área, mas a verdade é que por lá não permanecia muito tempo, regressando à Várzea, sua freguesia natal.

Com espírito jovem por natureza, tinha alguns amigos que o eram efectivamente na idade, de tal maneira que se tratavam por tu lá tu cá, o que não era vulgar na época, como hoje é costume.

Então, depois de uma permanência mais ou menos longa na freguesia onde nasceu, vieram-no contratar para ir exercer funções numa quinta do concelho de Almeirim.
Lá foi o nosso homem ganhar uns trocos para fazer face aos períodos de “descanso” que eram frequentes.

Acontece que se tinha dado ao trabalho de apanhar umas uvas que tinha próximo enchendo um barril de 50 ou 100 litros de vinho, já não posso precisar.

[Casa desaparecida na Fonte de Vilgateira]

Dois amigos meus, da minha idade, que na altura rondariam os vinte anos e que faziam parte dos tais tu cá tu lá, sabendo que o homem estava ocupado nos seus trabalhos lá para os lados de Almeirim e nessa altura não eram fáceis as deslocações, apesar da proximidade, temendo que o vinho se estragasse e conhecendo os segredos da adega, entre Vilgateira e Aramanha, lá foram os dois ver como estavam as coisas. Hoje não me lembro como entraram na adega mas certamente foi através da chave que sabiam onde estava escondida ou de qualquer outra artimanha.

Entraram, observaram, estava tudo bem, mas não resistiram a provar o vinho pois já estaria feito.

Que rica pinga que o homem fez.

Deixaram tudo nos “conformes” preparando-se para quando o amigo regressasse ali se fazerem grandes petiscadas, como era hábito, quando havia vinho e nem sempre isso acontecia.

O amigo continuava sem aparecer e um dia arranjaram chouriço e pão e lá foram os dois, muito calados à adega para confirmarem se o vinho não tinha azedado.

Partiram a corda, como se costuma dizer e continuando o dono sem aparecer, lá foram fazendo o seu trabalho (agora que está em meio, temos que o beber todo, senão estraga-se, era a conjectura que faziam).

[Poço na Aramanha]

E o interessante da estória está aqui:- Lavaram muito bem o barril, emborcaram-no e colocaram-lhe um rótulo com o seguinte dizer:- Preparado para encher novamente.

Quando o homem regressou e deu com o espectáculo, depois do tratamento habitual, concluiu:- Portaram-se bem, são bons bebedores, evitaram que o vinho se estragasse e afectasse a vasilha. Fizeram o serviço completo. Só não lhes perdoaria se não tivessem lavado o vasilhame. É preferível que se estrague o deles do que o meu.

É evidente que o homem já não tinha idade para cá estar, mas os meus amigos e conterrâneos, partiram cedo demais e lembro-os com saudade.

Haverá alguém na Várzea que conheça esta estória?

domingo, 14 de novembro de 2010

Frei Luís de Sousa

Manuel de Sousa Coutinho nasceu em 1555 no Palácio de seus pais em Santarém, cuja frontaria dava para a Igreja do Salvador e entre as quais corria a Rua Direita da Porta de Leiria, actual Serpa Pinto.

Filho do fidalgo, guerreiro e escritor, Lopo de Sousa Coutinho e de D. Maria de Noronha, era um dos oito irmãos que constituíam a prole.

Estudou direito, actividade que troca talvez quando da morte do pai, pela carreira das armas.

Entra como noviço na Ordem de Malta. Estando a bordo duma galé malteza, depois de ter embarcado no porto de Sardenha, com seu irmão André, são atacados pelos piratas argelinos que os levam cativos para Argel. Trava conhecimento com outro cativo, Miguel de Cervantes que veio a ser um dos maiores escritores espanhóis de todos os tempos.

Consegue obter licença para se deslocar a Portugal, a fim de ir buscar o preço do seu resgate e de seu irmão que ficou como refém.

Volta a Argel para pagar os resgates e regressa à Pátria.

Em 1580 era alcaide de Marialva e capitão-mor da gente da sua comarca e certamente afecto ao rei estrangeiro.

Casa em 1583 com D. Madalena de Vilhena, viúva muito rica de D. João de Portugal, desaparecido nos campos de Alcácer Quibir.

Ainda que tivessem palácio em Lisboa, a S. Roque, vão viver para Almada onde Sousa Coutinho é nomeado guarda-mor e provedor da misericórdia e entrega-se ao negócio da sua casa e ao cultivo das letras, o que sempre o atraiu.

Exerce igualmente as funções de guarda-mor da saúde, em Lisboa.

A vida decorria sem grandes cuidados e o rei deu-lhe o comando de 700 peões e de 100 cavaleiros, até que em 1591, grassando a peste em Lisboa, os Governadores do Reino transferiram a corte para Almada e requisitaram o seu palácio. Em resposta, lança fogo ao mesmo e sai de Portugal, refugiando-se em Madrid.



Deu conta dos acontecimentos à Corte onde tinha amigos poderosos e não consta ter sofrido qualquer punição.

Possivelmente devido ao conflito criado com os governadores do reino, em 1601 parte para o Panamá, chamado pelo irmão, João Rodrigues Coutinho que para ali fora e punha as maiores esperanças no comércio.

Manuel Coutinho teria passado pelo Rio da Prata e Perú, dedicando-se ao comércio de cavalos para Angola, o que parece não ter sido compensador.

Regressa a Portugal em 1604 ou no ano seguinte, altura em que falece a filha única do casal, Ana de Noronha.

O casal divorcia-se em 1613, decidindo abraçarem a vida religiosa, D. Mariana no Convento do Sacramento, professando com o nome de Sóror Madalena das Chagas e Manuel de Sousa Coutinho no Convento de S. Domingos de Benfica, tomando o de Frei Luís de Sousa.

Tem então oportunidade de se dedicar ao culto das letras, revelando-se como prosador e historiador, um dos maiores vultos da literatura e da historiografia portuguesa dos finais do século XVI e dos princípios do século XVII.

Em 1619 saiu a público a “Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires”, que deu origem a comentários elogiosos em Portugal e no estrangeiro e em 1623 a “História de S. Domingos”. A recolha dos elementos foi feita por Frei Luís de Cácegas, falecido em 1616 mas foi Frei Luís de Sousa quem as compôs e burilou com o seu talento de prosador vernáculo.

Já com setenta e cinco anos é encarregado por Filipe III de escrever a história de D. João III, que sob o título de Anais de D. João III só foi publicado em 1844, ainda que incompleto, por Alexandre Herculano.

Frei Luís de Sousa faleceu em 5 de Maio de 1632 no Convento de S. Domingos de Benfica, ficando sepultado em campa rasa da sua igreja.

Almeida Garrett criou à volta da sua vida o grande drama do teatro português, intitulado precisamente por “Frei Luís de Sousa”.

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Santarém no Tempo Virgílio Arruda, 1971
Boletim da Junta de Província do Ribatejo , 1937-40
Santarém, Lenda e História , Eugénio de Lemos, 1940
Antologia da Historiografia Portuguesa, Vol. I - Org. A.H. Oliveira Marques
História de Portugal , Vol. 3 - Dir. José Matoso
Selecta Literária , Org. José Pereira Tavares
Santarém na História de Portugal Joaquim Veríssimo Serrão, 1950
Património Monumental de Santarém

sábado, 13 de novembro de 2010

Lopo de Sousa Coutinho

Nasceu na então nobre vila de Santarém, cerca de 1515, este fidalgo de linhagem, filho de Fernão Coutinho e de D. Joana de Brito e sendo neto por via varonil do 2º Conde de Marialva, D. Gonçalo Coutinho.

Com dezoito anos e seguindo a vida militar, como era apanágio dos nobres da época, embarca para a Índia procurando a almejada glória. Serve com o 7º governador, D. Nuno da Cunha. Em operações bélicas, está, entre outras acções, no Cerco de Diu onde pratica actos de bravura. Em 14 de Agosto de 1538 foi surpreendido com mais catorze soldados por quatrocentos homens que repeliu e perseguiu até fora da povoação.

Regressando a Portugal com rótulo de heróico e ardoroso guerreiro, D. João III recebe-o com provas de estima, nomeando-o de imediato Governador do Castelo da Mina, para onde embarca.

Volta a Portugal por morte do seu irmão mais velho, entrando na posse da principal herança dos pais.



Casa entretanto com D. Maria de Noronha, dama da Rainha D. Catarina, de cujo enlace nascem oito filhos, entre os quais aquele que viria a ser Frei Luís de Sousa.

Enviuvando e devido à grande afeição que tinha pela mulher, não aceita a sugestão de familiares e amigos para voltar a casar, dedicando-se a educar a numerosa prole, mostrando-lhes os caminhos da virtude, da honra e do conhecimento das letras.

Lopo de Sousa Coutinho, além de valoroso guerreiro, foi um espírito culto, dedicando-se às letras, não descurando as ciências, interessando-se pela física e matemática.
A sua experiência militar levou-o a escrever com engenho literário, dois livros sobre o Cerco de Diu, em que participou, publicados em 1556 e ainda no campo histórico, outro sobre o Naufrágio de Manuel de Sousa Sepúlveda e Empresas de Ilustres Varões Portugueses na Índia. A poesia e a matemática igualmente receberam publicações de sua autoria.

Traduziu Lucano e Séneca.

Acolheu-se, nos últimos anos de vida à terra natal, onde tinha o seu palácio, vindo a falecer no dia 27 de Janeiro de 1577, com sessenta e dois anos e de desastre ocorrido na antiga vila de Povos que foi mesmo sede de concelho e hoje pertencente ao concelho de Vila Franca de Xira. Ao desmontar do cavalo a espada desembainhou e foi cravar-se no corpo, causando-lhe a morte. Depois de tantos perigos e de grandes façanhas, morre em tais circunstâncias !

Foi sepultado na Igreja do Salvador, da sua terra natal, onde a família dispunha de capela privativa. A igreja, já desaparecida, foi vítima do terramoto de 1909, que assolou a região do Ribatejo. O espaço que ocupava é hoje o Largo Padre Francisco Nunes da Silva, vulgarmente designado por Padre Chiquito.

D. Lopo Coutinho, segundo Areosa Feio, no seu magnífico livro, “Santarém, Princesa das Nossas Vilas”- 1929, deixou o seu nome no santuário do Monte em uma obra que em 1553 mandou fazer “em louvor da Virgem”: o portal da entrada proncipal.
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Diccionario Bibliographico Portuguez - Vol. V - MDCCCLX
Boletim da Junta de Província do Ribatejo - 1937-409
LELLO Universal - Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro
Santarém na História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, 1950
Santarém no Tempo , Virgílio Arruda, 1971
Dicionário da História de Portugal , Dir. de Joel Serrão

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Utensílios desaparecidos ou... quase

Isto das MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO, são como as cerejas, come-se uma e ... as outras vão atrás. As arcas que estão no sótão, cheias de teaças, passa-se-lhe um pano, um spray milagroso na fechadura e após várias tentativas, vão-se abrindo. Umas têm mais conteúdo, de outras, pouco se aproveita.

Caros leitores (estou-me referindo à juventude do meu tempo, ainda que pense não sejam eles os únicos leitores) já pensou nos utensílios indispensáveis que existiram na sua casa ou na do vizinho que desapareceram completamente ou quase e se os quer recordar terá de ir a um museu situado não sei aonde ?

No primeiro quartel do século passado quase não existiam casas de banho ! A higienemuitas vezes fazia-se no quarto de dormir onde havia um lavatório de louça colocado em armação de madeira artisticamente trabalhada. A bacia assentava em placa de pedra mármore onde se encontrava também uma saboneteira e um jarro de louça, para a água. O móvel tinha duas portas no interior do qual se encontrava o balde que penso, originalmente, ter sido de louça, passando depois a esmalte. Existia uma ou duas gavetas onde se arrecadavam as toalhas, na altura de linho. Incorporado no móvel ou solto, o espelho oval com trabalhada moldura de madeira.

Isto passava-se nas casas ricas. Como era nas pobres ? Existia também um lavatório de armação de ferro, de bacia esmaltada com jarro e balde do mesmo material. Um pequeno espelho de simples moldura de madeira de forma rectangular era fixado com dois parafusos no lugar adequado. Por baixo do espelho situava-se o local de colocação das toalhas.

Mais simples ainda, existiam armações sem espelho, com local para a colocação de uma toalha ou pano de mãos e uma simples bacia e onde não havia balde.

Isto era o que se passava a nível geral e consequentemente no MEU BAIRRO.

A casa que sempre habitei no MEU BAIRRO devia ter sido construída no início da década de quarenta do século passado. Já tinha casa de banho. Era um luxo ! Sabem como era ? Uma pequena divisão, com janela para o quintal, tinha uma pia (sanita) com resguardo de madeira e autoclismo (de ferro) que avariava muitas vezes ! Para o accionar, puxava-se uma corrente de ferro em cuja extremidade havia uma pega em louça. Uma torneira de metal que minha mãe procurava ter sempre bem amarelinha à custa da selarine (?). Era tudo, o resto competia ao rendeiro.

Aí se encontrava um grande lavatório de armação de ferro, sempre pintado de branco, com bacia de louça e a saída através de um cano afunilado, com tampa de metal que devia igualmente de andar sempre bem limpa. Antes de chegar ao balde branco esmaltado, com pega de barrinha amoldável, ao centro da qual girava a pega propriamente dita e de madeira torneada, situava -se uma divisão circular de mármore onde se colocava a saboneteira esmaltada e como não podia deixar de ser, branca. A água encontrava-se num grande jarro esmaltado e igualmente branco mas cuja boca era debruada de azul. Era frequente também a pedra-pomes.

A armação de ferro tinha lugar próprio para se estenderem duas toalhas.

A um canto o bidé de louça que assentava igualmente em armação de ferro e que tinha a particularidade de ter uma coberta de pano leve, ao seu molde.

Uma banheira circular, um pouco chata, de grande bico para o despejo da água, de zinco ou folha zincada, cuja base era reforçada com ripas de madeira, para melhor aguentar o peso, estava pendurada na parede.

A higiene oral era praticada com o auxílio do bicarbonato de sódio que estava num frasco transparente e de tampa preta de baquelite. Punha-se um bocadinho na cova da mão que a escova agarrava. Depois, era esfregar, como se faz hoje com a pasta de dentes.

Ainda que aparecesse de vez em quando o sabonete “Musgo”, o que mais funcionava era o sabão azul e branco, que hoje se sabe ser mais saudável.

Em determinada altura funcionou na casa de banho uma selha circular, de madeira, onde com o auxílio de uma tábua, de forma rectangular em que um dos lados mais estreitos era levemente abaulado e que tinha um buraco ao meio para se poder pendurar e o outro era côncavo, terminando em dois bicos. A tábua, no seu sentido longitudinal, era às lombas para possibilitar um melhor esfregar da roupa.

Pouco tempo depois a selha foi substituída por um tanque de cimento armado de que nunca lhe vi o fim, se já o teve.

Mas onde eu gostava de tomar banho, era no grande tanque feito de pedra, cal e cimento do vizinho do lado. Servia de piscina, o que nós não sabíamos o que era e dava para grandes brincadeiras - tínhamos de ser intimados a acabar com o banho !

Velhos tempos !

domingo, 7 de novembro de 2010

Humberto Delgado



Humberto da Silva Delgado nasceu no pequeno lugar de Boquilobo, freguesia de
Brogueira, concelho de Torres Novas no dia 15 de Maio de 1906.

Filho de um oficial do exército, cedo optou pela carreira militar, frequentando o Colégio Militar, concluindo o respectivo curso em 1922. Ingressou depois na Escola
Militar, curso que acabo em 1925 e de que foi o 1º classificado.

Ingressa na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas e como alferes, é ferido a tiro ao pretender resistir a uma revolta intentada pela classe de sargentos, apoiada por civis. Participa a seguir e activamente na Revolução(ou Golpe) do 28 de Maio.
Apesar da formação ser em artilharia, acabou por optar pela aeronáutica tendo feito o curso de oficial piloto aviador em 1928.

Em 1929 estabelece o máximo de duração de voo sobre a metrópole - 7 h. e 50 m. em “Breguet B N”, o avião de maior raio de acção existente nessa altura em Portugal.
Em 1936 conclui o curso de Estado - Maior, com distinção e é nomeado Comissário-Adjunto da Mocidade Portuguesa e Adido Militar do Comando Geral da Legião Portuguesa.
Em 25 de Abril de 1938 foi escolhido para o Corpo do Estado Maior, sendo o único oficial aviador que ingressou nesse organismo.

A sua ascensão na carreira militar e política é rápida sendo partidário acérrimo do regime instituído.

Acompanha o Presidente da República, General Fragoso Carmona, na sua visita à África do Sul.

Foi secretário do Ministro da Instrução, tenente-coronel Eduardo da Costa Ferreira.
Durante a Guerra Civil de Espanha, acompanhou uma missão da Legião Portuguesa que foi àquele país a convite do governo espanhol (1939).

Durante este período da sua vida, Humberto Delgado foi condecorado pelo Estado Novo com as medalhas de Valor Militar, Exemplar Comportamento, Mérito Militar e o oficialato da Ordem de Avís publicou vários trabalhos de âmbito militar e político, proferiu conferências da mesma índole e foi colaborador de revistas da mesma área.

*
Nos primeiros anos da década de quarenta começam a surgir sinais de mudança na sua orientação política..

É importante o seu papel na concessão de bases aéreas e navais nos Açores ao reino Unido, pelo que lhe foi outorgada a Ordem do Império Britânico.
Em 1944 é nomeado director-geral do Secretariado de Aviação Civil e no ano seguinte funda os Transportes Aéreos Portugueses (TAP).

Vem a ser nomeado, em 1947, delegado português na Organização Internacional da Aviação Civil em Montreal, onde esteve três anos e logo representante português na NATO em Washington (1952-57), contactos que vieram a acelerar a sua abertura ao liberalismo.

Em 1956, o governo americano concedeu-lhe o grau de oficial da Legião de Mérito.
Promovido a general com quarenta e sete anos, é o mais novo oficial daquela patente. Ao regressar a Lisboa em 1957 volta a ocupar o lugar de director-geral da Aviação Civil pois já tinha exercido essas funções em 1943.

Em 1958 apresenta-se como candidato independente às eleições presidenciais, parece que por sugestão do capitão Henrique Galvão que visita na prisão política de Peniche.
A sua candidatura suscitou muita desconfiança nos sectores da oposição visto todo o seu passado ser de ligação ao regime instituído.

Aparecem outros candidatos com currículos antifascistas que oferecem outras garantias mas a candidatura do General Sem Medo começa a crescer a um ritmo surpreendente.

Ficou célebre e é inapagável a resposta que deu a um jornalista que lhe perguntou, numa conferência de imprensa dada no Café Chave d’Ouro em Lisboa, o que faria a Salazar no caso de ser eleito, respondendo :- Obviamente demito-o. Esta resposta fez crescer ainda mais o apoio popular que se manifestava por todo o País.

Arlindo Vicente retirou a sua candidatura e ofereceu o seu apoio a Humberto Delgado que, apesar de todas as contrariedades leva a sua candidatura até ao fim, vindo a ser “eleito” o candidato salazarista, Almirante Américo Tomás
Contudo, Humberto Delgado ganhou as eleições, pelo menos nos concelhos de Alpiarça, com 83% dos votos, Almeirim (77,9%), Alcanena (72,4%), Cartaxo (68%), Santarém (53,4%) e Rio Maior com 51,2%).

Delgado não ganhou nem podia ganhar eleições viciadas a favor do regime, mas deu-lhe forte abanão que obrigou à alteração da constituição, passando o Presidente da República a ser eleito indirectamente através de um colégio eleitoral constituído pelos deputados da Assembleia Nacional e outros do mesmo tipo.
A perseguição ao General Sem Medo é rápida. Três dias depois das eleições é demitido de director geral da Aviação Civil, sendo privado de todos os seus cargos e privilégios oficiais.

Em Janeiro de 1959 vê-se obrigado a pedir asilo político na Embaixada do Brasil em Lisboa e onde esteve durante três meses, findos os quais e depois de aturadas negociações Salazar autorizou a sua saída do País., exilando-se no Brasil onde continuou a sua luta política no sentido de fazer voltar a democracia ao seu País.
Patrocina o ataque ao paquete Santa Maria em 1961. Rompe com Henrique Galvão e passa por Marrocos, entrando em Portugal clandestinamente para participar no levantamento de Beja. Entra na Frente Patriótica da Libertação mas depressa se afasta pois corta relações com a maioria dos seus membros. Cria entretanto um novo movimento, a Frente Portuguesa de Libertação Nacional.

Humberto Delgado acaba por cair numa armadilha montada pela PIDE, entrando em Espanha acreditou que ia encontrar-se na fronteira com oficiais do exército português dispostos a derrubar pelas armas o regime. Acaba por ser assassinado em Villanueva del Fresno, perto de Badajoz por um destacamento da PIDE (Fevereiro de 1965).

Estava calado o Homem que mais incomodou o regime !

Após o 25 de Abril foi feito Marechal e os seus restos mortais transladados para o Panteão Nacional.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Dicionário de História de Portugal - Vol. VII - Suplemento A/E - António Barreto e Maria Filomena Mónica (Coordenadores) - Livraria Figueirinhas - Porto - 1999

Dicionário de História do Estado Novo - Vol. I -
Fernando Rosas e J-M. Brandão de Brito (Direcção de) - Bertrand Editora - 1996

Jornal “O Ribatejo” de 26 de Fevereiro de 1998

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Simão Brandão e Ataíde

De seu nome completo Simão de Cordes Brandão e Ataíde, nasceu na vila de Sardoal em 1750.

Muito jovem, entrou para o convento de Aviz e estudou na Universidade de Coimbra como aluno do colégio que as Ordens Militares de S. Bento e Sant’Iago possuíam naquela cidade.

Foi fidalgo da Casa Real e Cónego doutoral da Sé do Porto.
Depois de cursar Humanidades, escolheu para a sua formatura a Faculdade de Direita Eclesiástico, vindo mais tarde a reger a cadeira de Jurisprudência Eclesiástica e depois a de Direito Natural na Universidade onde se formou.

O bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo que procedeu ao seu Elogio Histórico, lamenta que não tivesse deixado documentos escritos que atestassem o seu engenho e saber, ainda que haja conhecimento da existência de um manuscrito intitulado Duas palavrinhas ao ouvido dos Portugueses, que lhe é atribuído.

Afirma por outro lado que ninguém, no seu tempo, chegou à cátedra com maior cabedal de conhecimentos e maior consciência dos deveres da sua missão.
José Agostinho de Macedo atribui a Simão de Cordes, nos finais do século XVIII e princípios do seguinte a propagação da maçonaria em Portugal, organizando algumas lojas na cidade de Coimbra, o que não se ajusta aos dados fornecidos pelo Bispo de Viseu.

Verdade seja que um dos seus amigos, o desembargador Francisco Duarte Coelho foi em 1808 acusado de jacobinismo e mandado retirar de Lisboa, entrando depois na “Setembrizada” e sendo por isso deportado para a ilha Terceira.
Brandão e Ataíde vem a falecer em Coimbra no dia 30 de Setembro de 1809.

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Dicionário Bibliográfica Português , Inocêncio Francisco da Silva, 1858
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Boletim da Junta de Província do Ribatejo ,1937/38

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Trajectos grográficos semelhantes

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE JUNHO DE 2008)


[Vilgateira, óleo de JV]

Quem é que um dia não encontrou um velho amigo ou conhecido em local mais ou menos distante e ficou de boca aberta?!

Todos nós já passámos por essas experiências, mas quando a idade começa a avançar, as nossas capacidades vão-se perdendo, a memória visual vai-se esbatendo, o poder de concentração volta aos níveis da infância e até o ouvido deixa de funcionar como devia, a voz e o seu timbre, segundo penso, é o que muda menos no ser humano, já não se ouve tão bem, as coisas tornam-se mais difíceis.

Umas vezes somos nós que detectamos os velhos conhecidos, outras, são eles mais perspicazes.

Situações destas apareceram-me durante os trinta a seis anos da minha vida profissional, praticamente em todos os concelhos por onde passei.

Certo dia, vai para vinte e cinco anos, quando atravessava um então vasto largo, um casal veio ao meu encontro e perguntam-me: - Desculpe, não é fulano? Meio embasbacado, tive que dizer que sim. - Eu vi logo que não estava enganado. Continuava sem o conhecer e só o reconheci quando me falou na sua terra de origem, onde eu tinha iniciado a minha carreira profissional e permaneci pouco mais de dois anos e meio. Já não nos víamos há cerca de vinte e cinco anos! Foi um agradável encontro que deu para falarmos umas horas.

Já nesta terra, fui procurado, no meu posto de trabalho, por um indivíduo que me detectou pelo nome como sendo seu conterrâneo e que me conhecia.

[Rua Padre Manuel, Vilgateira. Des. de JV]
Vivi cerca de quatro anos na minha freguesia natal e da minha juventude apenas conhecia três ou quatro que foram meus contemporâneos no liceu de Santarém e depois uns tantos quando já éramos homens mais ou menos feitos.

Depois da explicação acabei por detectar o conterrâneo que conheci, ainda éramos bem jovens e numa ou outra ida de férias.

Esse varzeense há muito instalado nesta terra e que era da área da restauração, montou aqui aquilo que me disseram ter sido o primeiro restaurante que tivesse merecido esse nome e que era muitíssimo bem frequentado.

Quando o conheci, já não era assim ainda que se notassem uns resquícios que o faziam diferente.

O conterrâneo, que me disseram ter sido um bom profissional e já numa situação difícil acabou por falecer ficando sepultado no cemitério local.

No decorrer dos anos fui identificando, de uma maneira geral, de passagem, visto isto ser uma terra de turismo, mais um ou outro conhecido ou amigo, principalmente da cidade de Santarém.

Os anos passaram-se e a aposentação já chegou há doze anos pelo que tenho muitíssimo menos contacto com este movimento de pessoas.

Um dia destes tive necessidade de me deslocar a uma instituição bancária procurando a substituição de um documento. Entrei, tirei a senha e sentei-me esperando pela minha vez.

Se conheço ainda alguns funcionários ali a trabalhar e reciprocamente sou conhecido por eles, outros, não faço a mínima ideia de quem sejam e de onde vieram, se for esse o caso.

A minha vez estava a chegar, mas antes que isso acontecesse, ouço uma voz afável, por detrás do balcão e com um sorriso de canto a canto, chamar:- Sr. Fulano (empregou o nome próprio) que por aqui poucos conhecem e se o conhecem não o usam. Fiquei realmente um tanto confuso e dirigi-me a quem chamava pelo meu nome. Olhei para a pessoa, sem a reconhecer e ouvi dizer-lhe que me conheceu logo e que agora estava a trabalhar ali e eu continuava na mesma. - Então, não me conhece? Sou filha de Fulana. Caí em mim e disse-lhe: - Então não havia de a conhecer!? É muito parecida com a sua mãe e com a avó.

[Velho comércio na aldeia de Vilgateira. Foto JV]

Fez questão de me atender e como não podia deixar de ser, além de outras coisas, perguntou pelo meu filho. É que esta minha conterrânea, dos três a última a chegar, é da idade de meu filho com uma diferença de poucos dias e com quem brincou algumas vezes quando me deslocava de visita a meus pais, à aldeia onde nasci.

Prometi-lhe que o levaria lá para se reconhecerem.

Que seja feliz na sua nova terra.

Três varzeenses, da mesma localidade que razões profissionais trouxeram à hoje cidade de Peniche.

Aqui está a razão deste TEMA VARZEENSE e do seu título.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

P. António de Carvalho de Parada

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DE JANEIRO DE 2000)


Nasceu na vila de Sardoal em 1595 este presbítero secular, doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e também instruído em Direito cível e canónico.

Foi prior da freguesia de Bucelas, onde veio a falecer em 12 de Dezembro de 1655. Por isso com 60 anos de idade.

Exerceu o lugar de guarda - mor do Arquivo da Torre do Tombo, funções para que foi nomeado devido à obra que escreveu, intitulada Arte de Reinar e dedicada a D. João IV, acabado de subir ao trono.

Em 1611 e consequentemente antes da obra que o notabilizou, publicou Diálogos sobre a vida e morte do muito religioso sacerdote Bartolomeu da Costa, Tesoureiro-mor da Sé de Lisboa.

Além destas obras, o P. Carvalho de Parada escreveu Justificação dos Portugueses sobre a acção de libertarem seu Reino da obediência de Castela - Lisboa - 1643.

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Boletim da Junta de Província do Ribatejo

Dicionário Bibliográfico Português - Inocêncio Francisco da Silva - 1858

domingo, 24 de outubro de 2010

Pedro de Santarém

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14 DE JANEIRO DE 2000)

Desconhece-se a data em que nasceu, em Santarém, este eminente jurista, possivelmente cristão-novo e considerado grande autoridade na área de seguros e questões comerciais.

Vivendo na segunda metade do século XVI e parte do seguinte, apanha o período áureo dos Descobrimentos com as vantagens materiais que isso provocou.

A actividade comercial sofreu grande incremento e a capital do país transformou-se num dos mais importantes entrepostos marítimos do mundo.

D. Manuel I nomeou-o seu agente de negócios, ou seja, cônsul, em Florença, Pisa e Livorno, praças comerciais muito importantes na época.

Na conjuntura atrás referida, não admira que a sua obra jurídica incida sobre o direito virado para a actividade económica e comercial.

A matéria dos seguros começa a ganhar notória importância com o transporte marítimo de mercadorias.

Pedro de Santarém debruça-se sobre esta problemática e publica em 1552 um importante trabalho intitulado Tractus de Securationibus et Spontionibus Mercatorum, obra que foi bastante divulgada devido ao nível técnico apresentado.

Este trabalho apareceu algumas vezes junto a outro do autor e intitulado De Mercatura, de Stracta.

Entre 1552 e 1669 foram feitas cerca de vinte edições, em vários locais, como Lion, Antuérpia, Veneza, Colónia e Amesterdão.

O seu principal trabalho divide-se em cinco partes. Entre muitas questões, aborda-se o princípio de boa – fé entre mercadores e referências à situação dos judeus, mouros, turcos e africanos.

Pedro de Santarém é uma figura que pertence à história do direito comercial.
Tem há muito o seu nome numa das artérias da cidade onde nasceu.

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Dicionário Ilustrado de História de Portugal - Alfa
Santarém no Tempo - 1971 - Virgílio Arruda
Lello Universal - Dicionário Enciclopédico Luso ou Brasileiro
Dicionário de História de Portugal - Dir. Joel Serrão

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O comércio ambulante

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 16 DE JULHO DE 2004)

Já referimos nestas pequenas croniquetas, especificamente, algum comércio ambulante como aconteceu com PADEIROS e ultimamente com OS CARVOEIROS. Quando nas primeiras MEMÓRIAS recordámos o comércio em geral referimos mais superficialmente algum ambulante.

Sentámo-nos em frente da “máquina” para tentar desbobinar o sótão da memória, abrindo esta ou aquela arca velha que ainda não apodreceu, mas que já não falta muito, para ver se lá encontramos alguma coisa que possamos oferecer aos nossos leitores.

Quem não se lembra dos leiteiros? Nessa altura, a venda do leite era fundamentalmente feita através da venda ambulante, ao domicílio. Lembro-me de um leiteiro, que parece estar a ver, com o seu vestir acotinado, era um homem de estatura média que numa bilha de zinco ou folha zincada, trazia o leite proveniente das suas vacas. Este homem tinha um filho muito mais velho do que eu; os nomes é que já passaram! Só depois, aparece a “Análise do Leite”, como nós dizíamos, ao Choupal, onde os vendedores ambulantes se abasteciam. É claro que desconheço, se havia, as cláusulas do contracto, sei sim que a leiteira do MEU BAIRRO era lá que se abastecia as vezes necessárias para satisfazer a população. Não seriam assim tantas, pois na altura bebia-se muitíssimo menos leite do que hoje por variadíssimos motivos:- económicos, educacionais, entre outros.

A leiteira do MEU BAIRRO era uma mulher já madura, para o forte. Trazia sempre bata branca, muito limpa. A bilha, que muitas vezes transportava à cabeça, principalmente quando estava mais cheia, era de latão, brilhando como oiro! Estava sempre impecavelmente limpa, dava gosto olhar para ela. Uma bolsa da mesma liga, abaulada para se poder ajustar ao corpo e de correia, transportava as medidas necessárias, de alumínio e devidamente aferidas. A bolsa (caixa) tinha uma pequena porta por onde se movimentavam as medidas. Tinha fregueses certos mas vendia a quem o desejasse. Por vezes era ajudada pela filha, moça já casadoira.

Oriunda de um casal próximo, aparecia de vez em quando uma velhota, miudinha, vestida de preto, com uma burrinha carregada de molhinhos de carqueja que custariam a vinte centavos cada e que eram determinantes no acender dos fogareiros. Para o fim e para se despachar, vendia o resto mais barato pois o regresso ao casal levava o seu tempo. A mesma velhota aparecia noutras ocasiões com uma cestinha de verga, de asa, cheia de queijos frescos, protegidos por alvo pano. De uma maneira geral tinha fregueses certos, dois aqui, meia dúzia acolá, vendia sempre tudo. Batia sempre à nossa porta.

Chegava a trazer ovos mas aqui havia mais dificuldade na venda pois nessa altura, a grande maioria das casas do MEU BAIRRO tinha um quintalzinho onde havia sempre espaço para um pequeno galinheiro, fazendo o aproveitamento dos restos da comida, com o auxílio de sêmeas

Na época propícia aparecia o caleiro percorrendo as ruas do MEU BAIRRO, conduzindo a sua carroça cheia de pedras de cal e apregoando: - Cal branca. Uma balança rudimentar e de pratos determinava o peso aproximado.

Às horas adequadas passava o vendedor de jornais, o Sr. Eugénio, amigo de infância de meu pai a atender pela saudação afectiva que praticavam. Também aqui, havia fregueses certos. Os jornais eram transportados numa bolsa forte de cotim que se pendurava ao ombro. É o Século ou Diário de Notícias, anunciava num tom pausado.

Por pouco tempo e quando eu já era grandote, apareceu um homem forte, de bigode, conduzindo uma carroça, puxada por um macho. Vendia por medida, azeite, petróleo e vinagre, isto se mais uma vez a memória não falhar. Foi negócio que por estes lados não pegou. “Pitrolino” era a designação popular e anunciava a sua presença com uma corneta semelhante à utilizada pelos carvoeiros. Foram os seguidores dos recoveiros que transportavam os produtos em odres.

Duas moças de batas azuis e com a palavra “Frutidor” bordada a vermelho, se a memória não me atraiçoa, transportavam uma vasilha (cesta, latão?) com laranjas descascadas que vendiam a preços económicos pelas ruas do bairro. Era um comércio de certa maneira inovador.

Raramente aparecia o gravateiro que preferia as ruas do velho burgo, tentando vender alguma gravata que trazia em expositor que prendia ao pescoço e constituído por um bom número de exemplares. Era uma actividade que dava colorido às ruas da cidade! Nessa altura os homens luxavam mudando quase diariamente de gravata!

Oferecendo não produtos, mas trabalho, aparecia o amolador com a sua roda que encaixava numa armação de madeira. A roda servia de veículo transportador da “oficina”. Quando fosse necessário, parava-se, mudava-se a máquina de posição e a roda transformava-se por intermédio de uma correia e com o auxílio de um pedal na força que actuava na pequena roda do esmerilador Estes artistas anunciavam a sua presença através de uma gaita muito própria que só conheço por eles utilizada. Uma crença popular diz que quando eles aparecem e a tocam, chove!

Apareciam vários no MEU BAIRRO mas em minha casa e a indicação de meu pai, só se dava trabalho a um senhor, magrinho, alto, que vestia uma bata comprida e que meu pai considerava como grande artista e tinha estabelecimento na Rua Direita, próximo da Praça Velha.

Era o senhor Luís “Alemão” que se terá refugiado em Portugal na altura da Grande Guerra.

Aparecia também o funileiro que transformava a sua oficina em carrinho de mão, os gateiros que punham gatos (pedaço de metal que prende a louça quebrada) e os chapeleiros que arranjavam chapéus de chuva, substituindo principalmente varetas estragadas por outras que aproveitavam de velhos chapéus.

Para terminar esta MEMÓRIA falta referir outro tipo de comerciante ambulante, alguém que vinha comprar e não vender. Quem se lembra? Pois claro, são eles mesmo, os compradores de peles de coelho, garrafas e ferro velho que, com o seu pregão forte chamavam a atenção dos mais distraídos.

Pois é, nessa altura aproveitava-se a pele do coelho que se salgava e se armava em canas, que a estendiam. E as garrafinhas que hoje por vezes temos dificuldade em nos vermos livres delas, eram guardadas para vender ao ferro velho. Como as coisas eram!
Aqui tem, caro leitor o que recolhi nas minhas arcas da memória.