domingo, 11 de abril de 2010

As Invasões Francesas

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE DEZEMBRO DE 1991)


Paralisado junto das Linhas de Torres Vedras, Massena resolve a 14 de Novembro de 1810, retirar-se para Santarém. Fá-lo protegido por um espesso nevoeiro.

A falta de recursos para fazer viver as suas tropas, já era grande (1).

Devido a isso, os actos de indisciplina amiudavam-se no meio do invasor. Apesar de assaltarem os lugares circunvizinhos e roubarem tudo o que podiam, a miséria agravava-se entre a hoste imperial.

Destacamentos procuravam víveres para serem distribuídos pela tropa. Deste modo, não tinham contam as incursões da soldadesca inimiga que levava a destruição e a morte onde quer que aparecessem.

Estas repetidas infâmias foram indignando cada vez mais os povos que andavam foragidos por onde podiam e não tardaram as vinganças. Sabe-se que da região do Bairro refugiou-se bastante gente para os lados de Almeirim e de Alpiarça. (2)

Desesperados, os paisanos nutrindo pelos invasores o mais justificado ódio, não lhe perdoavam sempre que os podiam apanhar.

Desciam de noite às povoações abandonadas e assassinavam quantos franceses surpreendiam a dormir e de dia davam-lhes caça nas encruzilhadas formando milícias.

A população apesar dos sofrimentos e das humilhações, colaborava na tarefa de tornar impossível a vida dos franceses. Quando abandonavam as suas casas, procuravam destruir tudo o que os franceses necessitavam, quando o não podiam esconder.

Milhares de oliveiras, laranjeiras e outras árvores foram cortadas pelos franceses para queimar ou fazer fortificações.

***
Em Alcanede encontrava-se o General Chausel que tinha substituído Junot, baleado numa missão de reconhecimento para verificar se os aliados se reuniam em Alcoentre.

Desde 24 de Outubro que um destacamento das tropas de Massena se aquartelara em Azóia de Cima, onde se conservou mais de quatro meses. Diz o povo local que para essa demora contribuiu a água da fonte da povoação, considerada das melhores das redondezas. (3)

A freguesia da Várzea encontrava-se assim debaixo da acção destes três focos, em que se incluía Santarém. Nestas circunstâncias foi cenário, tal como as freguesias vizinhas, de tão grandes barbaridades.

Existem referências escritas a factos passados nas freguesias da Romeira, Tremes, Arneiro das Milhariças e Abitureiras, entre outras.

Quanto à freguesia da Várzea, que é naturalmente aquela que mais nos interessa, também alguma coisa acabou por ficar escrito. Assim, na primitiva igreja matriz, os arquivos desapareceram e as dez capelas existentes na altura foram profanadas, saqueadas e devastadas, o mesmo acontecendo à dita igreja. Foi assim que começou o desaparecimento da Igreja de Santa Maria da Várzea, medieval e da capela e da capela de S. Miguel, de antiquíssima fundação (4). Das restantes nove capelas, algumas ainda assim continuam e outras até já desapareceram.

Nas zonas afectadas com mais intensidade, o povo mantém na memória alguns factos então ocorridos e que são transmitidos de geração em geração com as deturpações naturais até que diluem.



Foi-nos contado que numa residência da aldeia de Vilgateira, que ainda ostenta no piso superior, duas janelas de arcos ogivais e que pertenceu ao fidalgo, D. António Galache e é actualmente dos herdeiros de António Eloi Godinho, ainda há poucos anos existia, segundo o seu proprietário, um compartimento difícil de localizar que, segundo a tradição, teria sido utilizando com êxito, como esconderijo de alimentos e valores.

Também uma família da freguesia, segundo um dos seus membros, apanhou o apelido de um oficial francês que desertou e que por cá terá ficado, constituindo família.

Na realidade houve inúmeras deserções como afirmam os historiadores da Guerra Peninsular.

O antropónimo referido parece revelar importação.

Reconhecendo a possibilidade de se manter, Massena abandona pela calada da noite de 5 de Março de 1811, Santarém, deixando por falta de gado de tracção, umas doze ou catorze peças de artilharia e trezentas viaturas diversas, naturalmente tudo previamente inutilizado. (5)

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NOTAS

(1)–D. João VI, Mário Domingos, Edição Romano Torres, Lisboa, 1973.
(2)–Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40, Lisboa, 1940
(3)–“Azóia de Cima através dos tempos”, Albertino Henriques Barata, Correio do Ribatejo de 2 de Abril de 1976.
(4)–Verbo, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Vol 18, pág. 739.
(5)–“Santarém, seu valor militar na zona do Ribatejo, General Luís Augusto Ferreira Martins, Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.