segunda-feira, 28 de junho de 2010

Os meios de vida

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 7 DE FEVEREIRO DE 1991)



Pelo que dissemos em temas anteriores, não podia deixar de ter sido a agricultura a principal actividade dos varzeenses, ainda que esteja passando por um período de quase abandono.

Cereais e azeite são ainda apontados como principais produções agrícolas. A cerealicultura era já importante na Idade Média na zona do Bairro, fornecedora principal dos celeiros de Santarém.

No século XIV dá-se a diminuição da vinha em benefício do olival, pomares e terras de pão. Os famosos olivais de Santarém já estavam verdadeiramente definidos nos finais do século XV. (1)

Além do trigo, nas terras mais pobres, semeia-se a cevada ou a aveia. Nas várzeas e terrenos mais frescos, o milho. Sementeiras também de fava e grão.

Pinho Leal (2) no último quartel do século XIX, além das vinhas refere a existência de pomares de excelentes frutos.

“A agricultura é feita nas grandes propriedades por processos pouco perfeitos mas não muito primitivos. Quase não há terrenos incultos”. É assim que informa o Boletim da Junta de Província do Ribatejo, 1937/40.



As lavras feitas com juntas de bois, as mondas e as ceifas pelas mulheres e a debulha pelos animais, já desapareceram tanto na grande como na pequena propriedade, pois são trabalhos efectuados por processos actualizados com maquinaria que vai do simples tractor à debulhadora-enfardadeira.

Consta ter sido o varzeense Virgílio Elói, comerciante do ramos que o primeiro ou dos primeiros tractores para a freguesia, logo seguido pelos principais lavradores que substituíram assim as várias juntas de bois que possuíam para os seus trabalhos.

Pelos finais da década de cinquenta, alguns pequenos proprietários ainda possuíam a sua junta de bois para utilizarem nas suas terras e para trabalhar à jeira.

Já não foram estes agricultores que adquiriram tractores, mas sim gente mais nova e com outras concepções de trabalho.

Por estas alturas, um agricultor nosso vizinho, não consentia que tractores lavrassem nas suas propriedades, visto lhe destruírem o olival, uma vez que as raízes das árvores, segundo a sua opinião, ficavam afectadas.

Os velhos olivedos que davam trabalho a tanta gente de fora e a que já nos referimos em tema próprio, têm de ser reconvertidos a fim de se tornarem rendíveis.

Ao declínio da cultura do trigo e ao semi-abandono do olival, seguiu-se uma curta expansão da fruticultura com a plantação de pomares, principalmente macieiras, pereiras e uvas de mesa, utilizando novas técnicas. Não tardou também o semi-abandono.

Os varzeenses possuem bons hortejos junto dos vários cursos de água em que a freguesia é pródiga.

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A pastorícia a nível de rebanho parece nunca ter sido de grande agrado deste povo, ainda que nas maiores quintas existissem sempre rebanhos, não esquecendo os da Mafarra, a que já nos referimos. Um ou outro, nunca deu expressão significativa a este tipo de actividade.



Típico e significativo é a criação daquilo a que se chama “o carneiro de porta”.

Actividade que apesar das transformações havidas, nunca abandonou esta gente e tem por base famílias de recursos modestos.

Compra-se um borrego nos mercados de Santarém que se cria o mais próximo possível da habitação – daí o nome – ficando assim debaixo de olho.

Uns, prendem-nos pelo pescoço, outros pelo pé e movimentam-se no círculo que a corda, presa por estaca de ferro ou de madeira, lhes permite.

Quem não tem terrenos à porta, vai amarrá-lo onde pode e a protecção é maior. Por questões de pastagem, climáticas e outras, por vezes mudam-se de sítio no mesmo dia.

Ao cair da noite lá vão buscá-los pois há necessidade de os proteger. É trabalho mais destinado ás mulheres e onde os filhos também ajudam.

Na maior parte dos casos, porque são sós, criam-se bonitos exemplares que muitas vezes são vendidos para abate local.

Com o produto da venda compra-se outro borrego e ainda sobram alguns patacos. Funcionam como um pequeno mealheiro.

Há quem prefira a ovelha ao carneiro, optando pela criação, baseando o lucro nas crias que vendem.

Grande número de varzeenses continuava, ainda há pouco, a criar o seu “carneiro de porta” que em alguns casos são dois ou três.

Outros optam pela criação de gado bovino para abate, em regime estabular.

Normalmente criam um ou dois exemplares, ainda que haja quem o faça em maior número e então começamos a entrar naquilo a que se chama pecuária.

Belíssimos exemplares daqui saídos abastecem os mercados vizinhos, quando não levados para centros de consumo mais distantes.

Há também os que se dedicam ao gado bovino mas para a produção de leite e aqui impera, pelas suas qualidades, a raça turina.

Estas explorações estão ligadas de uma maneira geral, a uma rede de recolha diária, a que se chama, “o leite da bilha”.

Já vão aparecendo em diversos locais aramados que possibilitam a pastagem de gado bovino, aparecendo muitos exemplares da raça “charolesa””.

Também o porco goza de interesse do varzeense, criado em pequenas explorações para venda e em exemplares isolados para consumo próprio.

O varzeense sempre que se afasta da agricultura, cai na pecuária, pelo que é uma actividade basilar da freguesia.

A criação de gado originou entre a população conhecimentos que levaram ao aparecimento de negociantes de gado que se deslocavam a mercados e feiras bem distantes.



A propósito diremos que há trinta e dois anos, um “velho amigo” visitou-nos a mais de três centenas de quilómetros de distância, quando se deslocava para una afamada feira no centro do país.

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Nunca foi zona virada para o comércio e o pouco que tinha lugar, era de natureza agrícola.

Existiam nos principais aglomerados populacionais, estabelecimentos mistos – mercearia, vinhos e riscados.

A Casa Eloy em Vilgateira, teria sido o principal estabelecimento comercial da freguesia. Além de mercearia, vinhos e fazendas, tinha talho, padaria, objectos e produtos dos mais variados ramos.

Em 1882 a Junta de Paróquia”deliberou requerer a criação de uma estação postal no sítio de Vilgateira, pois sendo uma das freguesias mais populosas do concelho fazem-se grandes transacções comerciais e agrícolas e por isso tem muita concorrência”.

Prestava-se a servir gratuitamente de chefe postal, António Galache. (3)

Em 1918 é indicado José Eloy, comerciante, para encarregado da estação postal de Vilgateira. (4)

Pensamos de interesse referir que após a implantação da República procurou-se criar um mercado anual na aldeia de Vilgateira, o que aconteceria no dia 15 de Agosto. A escolha deste dia parece-nos estar relacionada com a Festa de Santo António.

A proposta foi apresentada em 11 de Dezembro de 1910, em sessão de Junta, pelo membro da mesma, Joaquim Eloy. Depois de aprovada foi presente à Comissão Municipal Republicana.

Chegaram a ser oferecidos terrenos para as transacções de gado e madeiras, por parte de José Eloy e de D. Ludovina Angélica da Silva. O “Largo de Sto. António” era reservado para outras transacções, entre as quais, quinquilharias. O proponente informava que se contava com o prometido apoio dos lavradores locais.

A verdade é que o assunto nunca mais foi abordado em sessão de Junta, pelo que não terá obtido a indispensável autorização nem mesmo o apoio generalizado da população.

O velho tipo de comércio, com o decorrer dos anos, sofre naturais transformações e hoje, ainda que se mantenha, tem aspectos diferentes, não restando nenhum ao modo antigo.

As velhas tabernas, quase desapareceram, dando origem aos cafés-bares-cervejarias, mais ou menos actualizados, aparecendo mesmo jogos de tabuleiro e as mercearias, a minimercados.

Além destas actividades, podem-se indicar uma ou outra oficina artesanal sem grande significado.

Sobre a transformação do grão em farinha e da azeitona em azeite, já nos referimos em temas próprios.

É preciso não esquecer que na zona do Alto do Mocho, grande parte pertencente a esta freguesia, estão instaladas várias indústrias de certo gabarito mas que, por enquanto, pouco ou nada dizem à freguesia no aspecto de interligação.

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Sem indústria, a cerealicultura está quase abandonada, acontecendo o mesmo aos pomares. Os velhos olivais estão na mesma situação. Quem vive e trabalha na freguesia, tem na pecuária a sua maior receita. Mas a grande maioria dos varzeenses que ali vivem, não têm nela a sua principal actividade, deslocando-se por vezes a terras distantes.

Grande parte trabalha na cidade de Santarém e seus arredores, no campo comercial ou industrial, ocupando os vários escalões e muitos em prestação de serviços do sector administrativo.

Nos princípios do século, todos os varzeenses se ocupavam na sua freguesia. Raramente se deslocavam à cidade. Ainda conheci na aldeia de Vilgateira uma velhota que me dizia nunca ter ido a Santarém!

Hoje, além dos reformados, pouca gente válida mantém o seu modo de vida nas suas aldeias. Todos os dias se deslocam a Santarém e outros locais para a sua ocupação, mas após o trabalho regressam à sua aldeia, ao seu casal, às suas vivendas, algumas bem isoladas.

Repetimos o que já escrevemos nestas páginas (5): - A Várzea começou a constituir um dormitório da cidade de Santarém.

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NOTAS

(1) - Santarém Medieval, Maria Ângela V. Rocha Beirante, 1980
(2) – Portugal Antigo e Moderno.
(3) – Acta da Sessão da Junta de Paróquia de 18 de Junho de 1882.
(4) – Acta da Sessão da Junta de Paróquia de 19 de Junho de 1918
(5) – Temas Varzeenses, “O tipo de habitação”, in Correio do Ribatejo de 21 de Junho de 1991.