terça-feira, 26 de outubro de 2010

Trajectos grográficos semelhantes

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE JUNHO DE 2008)


[Vilgateira, óleo de JV]

Quem é que um dia não encontrou um velho amigo ou conhecido em local mais ou menos distante e ficou de boca aberta?!

Todos nós já passámos por essas experiências, mas quando a idade começa a avançar, as nossas capacidades vão-se perdendo, a memória visual vai-se esbatendo, o poder de concentração volta aos níveis da infância e até o ouvido deixa de funcionar como devia, a voz e o seu timbre, segundo penso, é o que muda menos no ser humano, já não se ouve tão bem, as coisas tornam-se mais difíceis.

Umas vezes somos nós que detectamos os velhos conhecidos, outras, são eles mais perspicazes.

Situações destas apareceram-me durante os trinta a seis anos da minha vida profissional, praticamente em todos os concelhos por onde passei.

Certo dia, vai para vinte e cinco anos, quando atravessava um então vasto largo, um casal veio ao meu encontro e perguntam-me: - Desculpe, não é fulano? Meio embasbacado, tive que dizer que sim. - Eu vi logo que não estava enganado. Continuava sem o conhecer e só o reconheci quando me falou na sua terra de origem, onde eu tinha iniciado a minha carreira profissional e permaneci pouco mais de dois anos e meio. Já não nos víamos há cerca de vinte e cinco anos! Foi um agradável encontro que deu para falarmos umas horas.

Já nesta terra, fui procurado, no meu posto de trabalho, por um indivíduo que me detectou pelo nome como sendo seu conterrâneo e que me conhecia.

[Rua Padre Manuel, Vilgateira. Des. de JV]
Vivi cerca de quatro anos na minha freguesia natal e da minha juventude apenas conhecia três ou quatro que foram meus contemporâneos no liceu de Santarém e depois uns tantos quando já éramos homens mais ou menos feitos.

Depois da explicação acabei por detectar o conterrâneo que conheci, ainda éramos bem jovens e numa ou outra ida de férias.

Esse varzeense há muito instalado nesta terra e que era da área da restauração, montou aqui aquilo que me disseram ter sido o primeiro restaurante que tivesse merecido esse nome e que era muitíssimo bem frequentado.

Quando o conheci, já não era assim ainda que se notassem uns resquícios que o faziam diferente.

O conterrâneo, que me disseram ter sido um bom profissional e já numa situação difícil acabou por falecer ficando sepultado no cemitério local.

No decorrer dos anos fui identificando, de uma maneira geral, de passagem, visto isto ser uma terra de turismo, mais um ou outro conhecido ou amigo, principalmente da cidade de Santarém.

Os anos passaram-se e a aposentação já chegou há doze anos pelo que tenho muitíssimo menos contacto com este movimento de pessoas.

Um dia destes tive necessidade de me deslocar a uma instituição bancária procurando a substituição de um documento. Entrei, tirei a senha e sentei-me esperando pela minha vez.

Se conheço ainda alguns funcionários ali a trabalhar e reciprocamente sou conhecido por eles, outros, não faço a mínima ideia de quem sejam e de onde vieram, se for esse o caso.

A minha vez estava a chegar, mas antes que isso acontecesse, ouço uma voz afável, por detrás do balcão e com um sorriso de canto a canto, chamar:- Sr. Fulano (empregou o nome próprio) que por aqui poucos conhecem e se o conhecem não o usam. Fiquei realmente um tanto confuso e dirigi-me a quem chamava pelo meu nome. Olhei para a pessoa, sem a reconhecer e ouvi dizer-lhe que me conheceu logo e que agora estava a trabalhar ali e eu continuava na mesma. - Então, não me conhece? Sou filha de Fulana. Caí em mim e disse-lhe: - Então não havia de a conhecer!? É muito parecida com a sua mãe e com a avó.

[Velho comércio na aldeia de Vilgateira. Foto JV]

Fez questão de me atender e como não podia deixar de ser, além de outras coisas, perguntou pelo meu filho. É que esta minha conterrânea, dos três a última a chegar, é da idade de meu filho com uma diferença de poucos dias e com quem brincou algumas vezes quando me deslocava de visita a meus pais, à aldeia onde nasci.

Prometi-lhe que o levaria lá para se reconhecerem.

Que seja feliz na sua nova terra.

Três varzeenses, da mesma localidade que razões profissionais trouxeram à hoje cidade de Peniche.

Aqui está a razão deste TEMA VARZEENSE e do seu título.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

P. António de Carvalho de Parada

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 21 DE JANEIRO DE 2000)


Nasceu na vila de Sardoal em 1595 este presbítero secular, doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra e também instruído em Direito cível e canónico.

Foi prior da freguesia de Bucelas, onde veio a falecer em 12 de Dezembro de 1655. Por isso com 60 anos de idade.

Exerceu o lugar de guarda - mor do Arquivo da Torre do Tombo, funções para que foi nomeado devido à obra que escreveu, intitulada Arte de Reinar e dedicada a D. João IV, acabado de subir ao trono.

Em 1611 e consequentemente antes da obra que o notabilizou, publicou Diálogos sobre a vida e morte do muito religioso sacerdote Bartolomeu da Costa, Tesoureiro-mor da Sé de Lisboa.

Além destas obras, o P. Carvalho de Parada escreveu Justificação dos Portugueses sobre a acção de libertarem seu Reino da obediência de Castela - Lisboa - 1643.

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Boletim da Junta de Província do Ribatejo

Dicionário Bibliográfico Português - Inocêncio Francisco da Silva - 1858

domingo, 24 de outubro de 2010

Pedro de Santarém

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14 DE JANEIRO DE 2000)

Desconhece-se a data em que nasceu, em Santarém, este eminente jurista, possivelmente cristão-novo e considerado grande autoridade na área de seguros e questões comerciais.

Vivendo na segunda metade do século XVI e parte do seguinte, apanha o período áureo dos Descobrimentos com as vantagens materiais que isso provocou.

A actividade comercial sofreu grande incremento e a capital do país transformou-se num dos mais importantes entrepostos marítimos do mundo.

D. Manuel I nomeou-o seu agente de negócios, ou seja, cônsul, em Florença, Pisa e Livorno, praças comerciais muito importantes na época.

Na conjuntura atrás referida, não admira que a sua obra jurídica incida sobre o direito virado para a actividade económica e comercial.

A matéria dos seguros começa a ganhar notória importância com o transporte marítimo de mercadorias.

Pedro de Santarém debruça-se sobre esta problemática e publica em 1552 um importante trabalho intitulado Tractus de Securationibus et Spontionibus Mercatorum, obra que foi bastante divulgada devido ao nível técnico apresentado.

Este trabalho apareceu algumas vezes junto a outro do autor e intitulado De Mercatura, de Stracta.

Entre 1552 e 1669 foram feitas cerca de vinte edições, em vários locais, como Lion, Antuérpia, Veneza, Colónia e Amesterdão.

O seu principal trabalho divide-se em cinco partes. Entre muitas questões, aborda-se o princípio de boa – fé entre mercadores e referências à situação dos judeus, mouros, turcos e africanos.

Pedro de Santarém é uma figura que pertence à história do direito comercial.
Tem há muito o seu nome numa das artérias da cidade onde nasceu.

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Dicionário Ilustrado de História de Portugal - Alfa
Santarém no Tempo - 1971 - Virgílio Arruda
Lello Universal - Dicionário Enciclopédico Luso ou Brasileiro
Dicionário de História de Portugal - Dir. Joel Serrão

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O comércio ambulante

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 16 DE JULHO DE 2004)

Já referimos nestas pequenas croniquetas, especificamente, algum comércio ambulante como aconteceu com PADEIROS e ultimamente com OS CARVOEIROS. Quando nas primeiras MEMÓRIAS recordámos o comércio em geral referimos mais superficialmente algum ambulante.

Sentámo-nos em frente da “máquina” para tentar desbobinar o sótão da memória, abrindo esta ou aquela arca velha que ainda não apodreceu, mas que já não falta muito, para ver se lá encontramos alguma coisa que possamos oferecer aos nossos leitores.

Quem não se lembra dos leiteiros? Nessa altura, a venda do leite era fundamentalmente feita através da venda ambulante, ao domicílio. Lembro-me de um leiteiro, que parece estar a ver, com o seu vestir acotinado, era um homem de estatura média que numa bilha de zinco ou folha zincada, trazia o leite proveniente das suas vacas. Este homem tinha um filho muito mais velho do que eu; os nomes é que já passaram! Só depois, aparece a “Análise do Leite”, como nós dizíamos, ao Choupal, onde os vendedores ambulantes se abasteciam. É claro que desconheço, se havia, as cláusulas do contracto, sei sim que a leiteira do MEU BAIRRO era lá que se abastecia as vezes necessárias para satisfazer a população. Não seriam assim tantas, pois na altura bebia-se muitíssimo menos leite do que hoje por variadíssimos motivos:- económicos, educacionais, entre outros.

A leiteira do MEU BAIRRO era uma mulher já madura, para o forte. Trazia sempre bata branca, muito limpa. A bilha, que muitas vezes transportava à cabeça, principalmente quando estava mais cheia, era de latão, brilhando como oiro! Estava sempre impecavelmente limpa, dava gosto olhar para ela. Uma bolsa da mesma liga, abaulada para se poder ajustar ao corpo e de correia, transportava as medidas necessárias, de alumínio e devidamente aferidas. A bolsa (caixa) tinha uma pequena porta por onde se movimentavam as medidas. Tinha fregueses certos mas vendia a quem o desejasse. Por vezes era ajudada pela filha, moça já casadoira.

Oriunda de um casal próximo, aparecia de vez em quando uma velhota, miudinha, vestida de preto, com uma burrinha carregada de molhinhos de carqueja que custariam a vinte centavos cada e que eram determinantes no acender dos fogareiros. Para o fim e para se despachar, vendia o resto mais barato pois o regresso ao casal levava o seu tempo. A mesma velhota aparecia noutras ocasiões com uma cestinha de verga, de asa, cheia de queijos frescos, protegidos por alvo pano. De uma maneira geral tinha fregueses certos, dois aqui, meia dúzia acolá, vendia sempre tudo. Batia sempre à nossa porta.

Chegava a trazer ovos mas aqui havia mais dificuldade na venda pois nessa altura, a grande maioria das casas do MEU BAIRRO tinha um quintalzinho onde havia sempre espaço para um pequeno galinheiro, fazendo o aproveitamento dos restos da comida, com o auxílio de sêmeas

Na época propícia aparecia o caleiro percorrendo as ruas do MEU BAIRRO, conduzindo a sua carroça cheia de pedras de cal e apregoando: - Cal branca. Uma balança rudimentar e de pratos determinava o peso aproximado.

Às horas adequadas passava o vendedor de jornais, o Sr. Eugénio, amigo de infância de meu pai a atender pela saudação afectiva que praticavam. Também aqui, havia fregueses certos. Os jornais eram transportados numa bolsa forte de cotim que se pendurava ao ombro. É o Século ou Diário de Notícias, anunciava num tom pausado.

Por pouco tempo e quando eu já era grandote, apareceu um homem forte, de bigode, conduzindo uma carroça, puxada por um macho. Vendia por medida, azeite, petróleo e vinagre, isto se mais uma vez a memória não falhar. Foi negócio que por estes lados não pegou. “Pitrolino” era a designação popular e anunciava a sua presença com uma corneta semelhante à utilizada pelos carvoeiros. Foram os seguidores dos recoveiros que transportavam os produtos em odres.

Duas moças de batas azuis e com a palavra “Frutidor” bordada a vermelho, se a memória não me atraiçoa, transportavam uma vasilha (cesta, latão?) com laranjas descascadas que vendiam a preços económicos pelas ruas do bairro. Era um comércio de certa maneira inovador.

Raramente aparecia o gravateiro que preferia as ruas do velho burgo, tentando vender alguma gravata que trazia em expositor que prendia ao pescoço e constituído por um bom número de exemplares. Era uma actividade que dava colorido às ruas da cidade! Nessa altura os homens luxavam mudando quase diariamente de gravata!

Oferecendo não produtos, mas trabalho, aparecia o amolador com a sua roda que encaixava numa armação de madeira. A roda servia de veículo transportador da “oficina”. Quando fosse necessário, parava-se, mudava-se a máquina de posição e a roda transformava-se por intermédio de uma correia e com o auxílio de um pedal na força que actuava na pequena roda do esmerilador Estes artistas anunciavam a sua presença através de uma gaita muito própria que só conheço por eles utilizada. Uma crença popular diz que quando eles aparecem e a tocam, chove!

Apareciam vários no MEU BAIRRO mas em minha casa e a indicação de meu pai, só se dava trabalho a um senhor, magrinho, alto, que vestia uma bata comprida e que meu pai considerava como grande artista e tinha estabelecimento na Rua Direita, próximo da Praça Velha.

Era o senhor Luís “Alemão” que se terá refugiado em Portugal na altura da Grande Guerra.

Aparecia também o funileiro que transformava a sua oficina em carrinho de mão, os gateiros que punham gatos (pedaço de metal que prende a louça quebrada) e os chapeleiros que arranjavam chapéus de chuva, substituindo principalmente varetas estragadas por outras que aproveitavam de velhos chapéus.

Para terminar esta MEMÓRIA falta referir outro tipo de comerciante ambulante, alguém que vinha comprar e não vender. Quem se lembra? Pois claro, são eles mesmo, os compradores de peles de coelho, garrafas e ferro velho que, com o seu pregão forte chamavam a atenção dos mais distraídos.

Pois é, nessa altura aproveitava-se a pele do coelho que se salgava e se armava em canas, que a estendiam. E as garrafinhas que hoje por vezes temos dificuldade em nos vermos livres delas, eram guardadas para vender ao ferro velho. Como as coisas eram!
Aqui tem, caro leitor o que recolhi nas minhas arcas da memória.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

João de Santarém

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14 DE JANEIRO DE 2000)

Dos seus dados pessoais, pouco ou nada se sabe, sendo considerado natural de Santarém, talvez pelo seu nome e que foi grande nauta no seu tempo, século XV, ficando ligado à travessia do Equador e aos caminhos do Atlântico Sul.

Fernão Gomes arrendou por cinco anos, o exclusivo do comércio da Guiné, com excepção do castelo de Arguim e da zona reservada aos habitantes de Cabo Verde.
Uma das cláusulas do contrato e que cumpriu, era a obrigação de descobrir, cada ano, cem léguas de costa.

Para o efeito, contratou, entrou outros navegadores, João de Santarém e Pedro Escobar que teriam chegado à Costa da Mina, ao Calabar e ao Gabão assim como às ilhas de São Tomé (1471.12.21) e de Sto. António (1472.01.17) mais tarde do Príncipe em homenagem ao herdeiro da Coroa, e que veio a ser D. João II.

Também lhe é atribuído a chegada em 1 de Janeiro a uma ilha que ainda hoje é designada por Ano Bom.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Santarém no Tempo - 1971 - Virgílio Arruda
História de Portugal - Vol.II - J. Veríssimo Serrão
Dicionário de História de Portugal - Dir. Joel Serrão
Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Frei Fernando de Santarém

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14 DE JANEIRO DE 2000)

Encontrámo-lo referido na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Monge cisterciense português do século XV traduziu do latim vários tratados de Teologia, Moral e Filosofia.

Este trabalho originou que o abade da sua Ordem, D. Estêvão de Aguiar, o mandasse copiar e juntar num só volume, o que foi feito em 1440 por Frei Nicolau das Eiras e que pertenceu à Biblioteca do Mosteiro de Alcobaça.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

sábado, 16 de outubro de 2010

Um artesão

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 2 DE JUNHO DE 2006)

Não vou transmitir qualquer novidade aos leitores do Correio do Ribatejo pois o nosso dinâmico digno e jovem director realizou oportuna reportagem dando a conhecer um homem e a sua habilidade de mãos que resolveu após a sua reforma dedicar os tempos livres à confecção, inteiramente manual de objectos, utensílios e veículos de tracção animal e hoje quase todos desaparecidos, que fizeram parte das suas vivências, ocorridas na freguesia da Várzea, onde nasceu, mais propriamente na aldeia de Aramanha.

Jacinto António Aranha Ferreira, hoje com sessenta e cinco anos e de quem sempre tivemos a melhor impressão, e cujos pais foram trabalhadores rurais, viveu bem de perto as actividades agrícolas onde seus pais participavam mourejando, garantindo o seu sustento e o de dois filhos.

Fez a então designada 4ª classe ou o exame do 2º grau de Instrução Primária, na altura e durante muitos anos a escolaridade obrigatória, na escola de Perofilho sendo aluno da Prof. D. Gilhermina Moura a quem faz ainda hoje grandes elogios.

Como acontece a todos os pais, também os seus procuraram dar-lhe uma vida melhor e nesse sentido e por volta dos catorze anos conseguiram que entrasse como aprendiz numa oficina de automóveis onde nada recebia, pelo contrário, tinha de arranjar os macacos. Cabia aos seus pais o sustento e o vestir e calçar que faziam com muito sacrifício como nos contou. Primeiramente a deslocação à cidade era a pé, tendo evoluído com o decorrer dos anos.

Mandaram-no para junto de um “bate-chapas” e foi assim que aprendeu a profissão sem a ter escolhido. Se tivesse ido para junto de um pintor, seria pintor – não havia direito a escolher!

Ainda que não me o tivesse dito, certamente aprendeu a profissão com relativa facilidade e tornou-se num bom mestre.

Procurando melhores salários acaba por ingressar numa fábrica do ramo automóvel onde se deslocava diariamente, apesar da distância considerável, nunca deixando de viver na terra que o viu nascer e onde construiu habitação para a família.

A sua tendência para o trabalho de mãos vem de longe pois em criança construía os seus próprios brinquedos, fazia gaiolas para pássaros e gateava as louças de barro que se partiam! Já pai e para satisfazer um filho, faz-lhe uma carroça para brincar.

O artesanato, cada vez com menos cultores, caminha para a extinção e muitas vezes impingem-nos coisas como artesanato e que pouco ou nada têm a ver com isso. Vendem-nos pratos, vasos e mais peças que são feitas com moldes e que praticamente são iguais umas às outras, outras limitam-se a umas pequenas pinturas feitas nessas peças de fábrica!

Existem ainda alguns artesãos que fazem da sua arte o seu meio de vida, como os que trabalham em verga, cana e outros vegetais, dando forma a variadíssimas peças, muitas delas que funcionam como objectos decorativos. Ainda aparecem alguns funileiros, correeiros, manufactores de calçado, etc.

Jacinto Ferreira é um artesão que realiza os seus trabalhos não para vender mas para ocupar agora os seus tempos livres, numa satisfação pessoal e tendo o intuito de mostrar aos jovens de hoje como as coisas eram e se passavam no seu tempo.

Uma peça hoje, outra amanhã começaram a constituir o puzzle do Ciclo do Pão, já que a freguesia onde nasceu e sempre viveu tinha como actividade principal a agricultura, nomeadamente a cerealicultura (trigo) e o olivicultura.

Aranha Ferreira mostra a quem o desejar, na aldeia onde nasceu e vive, as cerva de sete dezenas de peças que construiu com muito carinho e amor, explicando o seu funcionamento, principalmente destinado aos jovens que não conheceram esse trabalho.

Começando pela preparação da terra, apresenta um arado e mais objectos pertencentes a essa primeira fase do Ciclo, depois a sementeira onde tudo é referido com minúcia e precisão e não faltando o homem que lança com mestria a semente à terra tirada do saco de linhagem.

Depois da monda, bem documentada com a apresentação das várias ferramentas utilizadas, aparece a colheita com a ceifa e aqui o artesão apresenta uma ceifeira trabalhando que se apresenta em estado de gravidez e isto em homenagem a sua vez que ainda ceifou no dia em que ele nasceu. A preparação dos molhos de trigo igualmente está magnificamente documentada tal como o seu acarreto nos carros de bois que os conduziam às eiras onde se efectuava a debulha representada, além do mais, por todos os utensílios: pás, forquilhas, crivos, etc.

Depois de ensacado, lá seguia o caminho dos moinhos (igualmente representado) e azenhas para ser transformado em farinha.



Não podia faltar o forno com os objectos inerentes à sua actividade (pá, rodo, etc.) Podia ter ficado por aqui o artista mas não o quis. Para remate, podemos observar o interior de uma casa da Várzea onde à volta da mesa a família se junta para a ceia, não faltando na mesa posta, o produto final de tudo isto, o PÃO.

Neste interior da casa, lembra-nos pelo seu tipismo e existência da grade com tachos, panelas cafeteiras e frigideiras, entre outros utensílios. Ao canto, a chaminé.

É apresentado também um conjunto de veículos de tracção animal constituído por carroças e charretes e onde o artesão faz a diferença entre o lavrador e o fazendeiro. São peças magnificas com um rigor extremo onde tudo funciona, rodas travões e tudo o mais que é móvel, tudo feito à escala visual o que muito me admirou. As rodas são mesmo enraiadas! Até as figuras naif lhe dão uma nota especial!

O pormenor é surpreendente! Os arreios dos animais são mesmo em cabedal!

O artesão utilizou madeira, ferro, chapa, cabedal, arame e cortiça na confecção de todas estas peças dignas de serem vistas.



Aqui só se faz uma leve referência, tentando aguçar o espírito do leitor interessado. Só visto, não se consegue contar.

Pensamos que podemos dizer que este minuciosamente representado CICLO DO PÃO estará em exposição no pavilhão da Junta de Freguesia da Várzea patente na próxima FEIRA NACIONAL DE AGRICULTURA.

Senhor Jacinto Aranha Ferreira, pode orgulhar-se do trabalho que realizou que além de tudo o mais, é uma lição viva para os vindouros, honra-o a si e à Freguesia onde nasceu.

Aqui lhe deixo mais uma vez, como varzeense, o meu abraço de felicitações e agradecimento pelo que realizou em prol da freguesia onde nascemos.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Luís Nunes de Santarém

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 14 DE JANEIRO DE 2000)
Foi escolar e depois mestre na Universidade de Salamanca, onde se teria matriculado em 1528, em medicina. Parece contudo que já seria aluno de Artes a partir de 1525.

Já como bacharel em Medicina, devia ter saído de Salamanca em 1529 (só dois anos para o curso!) regressando a Portugal, concorreu à cadeira de Súmulas (1530) do Estudo de Lisboa, onde dá lições consideradas magistrais e se mantém até 1536.

Em 1534 e por vaga deixada pelo licenciado Garcia da Orta, o seu nome aparece na eleição da cadeira das Artes.

Em 19 de Março seguinte, toma a grau de licenciado em medicina.

Possivelmente terá voltado em 1536 a Salamanca para reger Artes. Cinco anos depois e por provisão de D. João III regressa a Portugal para reger a cadeira de Terça, de Medicina, na Universidade de Coimbra.

Não acaba contudo o contrato celebrado de três anos pois em 1543 já se encontra novamente em Salamanca e isto por ter sido preterido na cátedra de Prima, de Medicina naquela Universidade em favor de Henrique de Cuelhar.

Volta a deixar Salamanca em 1544.

Foi amigo dilecto de Amato Lusitano, célebre médico português nascido em Castelo Branco e de origem judaica.


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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Santarém no Tempo -
1971 - Virgílio Arruda

Mestres e Escolares de Santarém e seu Termo nas Universidades Europeias do Renascimento - Lisboa 1982 - Virgílio Arruda

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

D. Frei Gaspar do Casal

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 31 DE DEZEMBRO DE 1999)

Nasceu em Santarém em 1510 e com catorze anos ingressa no convento local da Ordem de Santo Agostinho e professa em 1526.

Estuda em Lisboa e frequenta a Universidade de Coimbra onde se doutorou em Teologia em 1542 e veio a ser lente.

É confirmado bispo do Funchal (1551 - 1556) mas não chega a partir para a sua diocese em virtude de fazer parte do Tribunal da Inquisição.

Em 1557 foi transferido para a Diocese de Leiria onde manda construir a actual Sé Catedral (1573) e a Igreja de Santo Agostinho onde veio a ser sepultado no chão da capela mor, da parte do Evangelho.

Tomou parte no terceiro período do Concílio de Trento (1561 - 1563), como delegado de Portugal e ainda como Bispo de Leiria, tendo tomado parte activa nos trabalhos e onde manifestou vasto talento e dotes elevados de oratória, vindo por isso mesmo a ser conhecido como o Bispo Teólogo.

Assiste aos sínodos provinciais reunidos em Lisboa em 1566 e 1574.

Em 27 de Novembro de 1579 foi expedida a bula transferindo-o para a Diocese de Coimbra, tendo exercido funções em Leiria cerca de vinte e dois anos.

Pregador régio, foi confessor e conselheiro de D. João III e gozou de especial favor do Cardeal - Rei.

Nos primeiros dias de 1580 o Bispo de Coimbra juntamente com D. Manuel de Melo é enviado pela Regência, como embaixador a Castela, sendo recebido por Filipe II em Guadalupe. A missão consistia em pedir ao monarca que não usasse as armas contra Portugal e que aceitasse a decisão dos Juizes.

Fracassada a missão, aceitou Filipe II como rei de Portugal e dele veio a receber favores.

Faleceu o bispo-conde (5º de Arganil mas que parece nunca lhe terem confirmado os privilégios dos seus predecessores) em 9 de Agosto de 1584.

Deixou escrito dois tratados sobre o sacrifício da missa e a instituição da Sagrada Eucaristia e obras de controvérsia contra os hereges, escritas em latim com edições em Coimbra, Veneza, Antuérpia e Lião.

Em português ficou Carta escrita de Leiria em 23 de Janeiro de 1561, à rainha D. Catarina, persuadindo-a a que não deixe a regência da monarquia no tempo da menoridade de seu neto El-Rei D. Sebastião.

D. Frei Gaspar do Casal tem desde os meados deste século uma rua com o seu nome, na terra natal, mais propriamente no Bairro dos Combatentes.


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Dicionário Bibliográfico Português , Tomo III, 1859, Inocêncio Francisco da Silva

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Brasões da Sala de Cintra , Vol III - 1928 - Anselmo Braamcamp Freire

Dicionário de História de Portugal, Vol I Direc- de Joel Serrão

Santarém, Lenda e História 1940, Eugénio de Lemos

História Eclesiástica de Portugal , P. Miguel Oliveira - Ed. 1994

Santarém no Tempo - 1971, Virgílio Arruda

História de Portugal - Vol VI, Direc. De João Medina

História e Monumentos de Santarém , Zeferino Sarmento

terça-feira, 5 de outubro de 2010

D. Francisco de Meneses

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 24 DE DEZEMBRO DE 1999)

Nasceu em Santarém, sendo filho de D. Duarte de Meneses que foi Comendador de Santa Maria de Alcáçova.

Tomou o hábito no Convento de S. José de Ribamar, de religiosos arrábidos.

Abandonou a clausura por doença, passando a Coimbra onde foi colegial de S. Pedro.

Doutorou-se em Cânones.

Foi director do coro da Sé do Porto e em 22 de Novembro de 1607 nomeado membro do Santo Ofício em Coimbra. Quatro anos depois vai para Lisboa exercer as funções de Inquisidor.

Em 1618 foi nomeado reformador e reitor da Universidade passando em 1624 a exercer o lugar de bispo da Diocese de Leiria, funções que exerce até 1627.

Passa nesse ano a ocupar a mitra do Algarve, onde resolve um velho litígio com as Ordens Militares.

Foi nomeado Governador interino do Algarve, funções que exerce até 28 de Março de 1634 e foi sepultado na Sé e depois transladado para a igreja de S. Francisco de Santarém.

O seu retrato existe na galeria dos Reitores da Universidade de Coimbra.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

História Eclesiástica de Portugal, 1994, P. Miguel de Oliveira

A Cidade e o termo de Lagos no Período dos Reis Filipes, 1994, Fernando Cecílio Calapez Correia

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Os carvoeiros

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 9 DE JULHO DE 2004)



Vieram os PADEIROS, depois OS SAPATEIROS, hoje virão OS CARVOEIROS!
Na nossa MEMÓRIA - XI - O COMÉRCIO E ACTIVIDADES SIMILARES, publicada no jornal de 12 de Fevereiro de 1993, (como o tempo passa ! como não hei-de estar velho !) aflorámos sucintamente este assunto que iremos hoje desenvolver com a “riqueza” que nos for possível.

A MEMÓRIA da presença de carvoeiros no MEU BAIRRO, está cá muito para trás.

Não consigo identificar o mais antigo, parece-me contudo que teria sido o existente à entrada do Pátio do Matafome, ali, ao lado do corredor do acesso ao pátio e onde, por incrível que pareça, nunca entrei e não me perguntem porquê. Não faço ideia de quem seria o vendedor ainda que me pareça que o negócio estaria a cargo de uma família muito conhecida que lá viveu muitos anos e de que conheci os cinco elementos, pais, duas filhas e um filho.

Depois, qual seria ? Talvez ao fundo da Rua Frei Gaspar do Casal e que nessa altura era um beco. Aí, lembro-me de muitas vezes pela mão de minha irmã mais nova e com uma cesta ou alcofa ir ao carvão. Gostava muito de fazer este trajecto pois a filha dos proprietários, uma moça forte, muito desinibida, de cabelos compridos e armados em grande penteado e amiga de minha irmã, cumulava-me de meiguices que eu, criança, muito gostava. A Maria Amélia, para mim, era tudo. Não sei se ainda lá vive e se se lembra deste miúdo que tanto apaparicava. Lembro-me do seu casamento.

A carvoaria era conhecida pela do Pitau, certamente fazendo referência a seu pai, não sabendo eu se era nome ou alcunha. Lembro-me bem do pai que penso seria pedreiro e da mãe, uma mulher alta e magra que despachava a freguesia. Aquela zona pertencia-lhes de raiz.

Que eu me lembre e no MEU BAIRRO, só havia outro local onde se vendeu carvão, logo à entrada num estabelecimento comercial misto, mercearias, fazendas (riscados), taberna e... carvão. Eu gostava de lá comprar o carvão pois tinha a oportunidade de assistir a renhidas partidas de chinquilho disputadas a jarros de vinho, que os vencidos pagavam.

Tanto quanto me lembro, não tenho identificado mais nenhum lugar onde se tivesse vendido carvão no MEU BAIRRO.

O carvão estava posto a granel. A balança de ferro, no lugar de um dos pratos, tinha um cesto de ferro de forma cilíndrica que deixava passar o pó e o cisco (aparas de carvão). O carvoeiro colocava o carvão que retirava do monte com uma pá, no cesto, dando-lhe duas ou três voltas a fim do pó e do cisco sair.

Todas as casas nessa altura tinham uma cesta velha ou alcofa que destinavam ao carvão que muitas vezes se arrumava debaixo da chaminé, lugar resguardado por uma cortina de chita. Nesta altura, meados da década de quarenta, o carvão e a lenha eram o combustível utilizado por toda a gente.

Havia três tipos de fogareiros, os de barro, os de ferro fundido e os mistos (esmalte, barro e ferro) que muitos homens sabiam fazer. Quando uma panela já não merecia arranjo, fazia-se-lhe uma abertura (tipo porta) que ficasse centrada com as asas. Depois, dois ou três buracos no rebordo onde assentava a tampa que nesta altura já não servia e que iriam constituir respiradouros. Com barro bem amassado faziam-se interiormente as paredes com o auxílio de pedaços de telha ou de matéria semelhante. Entretanto, pontinhas de ferro faziam uma espécie de grelha para suspender o carvão. Três locais da parede equitativamente dispostos e mais elevados, eram reforçados com uma chapinha, sendo os sítios onde assentavam tachos, panelas e outros objectos que iam ao lume. Depois, era a cal que tudo tapava, tornando mais sólido e respirando limpeza. Estes eram os mais vulgares e os que minha mãe preferia. Existia um de ferro fundido mas que não era utilizado, não despachava as coisas, como ela dizia.

As famílias tinham de uma maneira geral dois fogareiros deste tipo, verdadeiramente artesanais, um maior e outro mais pequeno que utilizavam conforme o tipo e quantidade de comida. É claro que de vez em quando necessitavam de reparações.

Tinham fama no BAIRRO e penso que em toda a cidade, os fogareiros feitos por uma figura típica da cidade, o Zé U, de Alfange. Percorria as ruas do MEU BAIRRO apregoando o seu trabalho.

Nunca fiz nenhum, não tinha idade para isso, mas vi fazer muitos e tenho a impressão que ainda hoje seria capaz de construir um exemplar!

Muitas casas possuíam igualmente um fogão a lenha que se utilizava normalmente em dias de festa.
Este assunto dos fogareiros já foi abordado por mim na MEMÓRIA - XVIII - O LUME, publicado no jornal de 8 de Abril de 1993, mas falando hoje dos carvoeiros, não podia deixar de voltar ao tema, ainda que de uma maneira diferente.

O carvão, além da sua utilização de combustível na alimentação, era igualmente utilizado nos ferros, de ferro fundido que se destinavam a passar a roupa e que causavam grandes arrelias e prejuízos quando saltava alguma fagulha e queimava a roupa.

Além do carvão, os carvoeiros vendiam igualmente o cisco, constituído por aparas do carvão e que se destinava ao aquecimento das pessoas e das casas. Havia “braseiras” de cobre, de latão e de zinco, conforme as possibilidades económicas e havia mesmo quem utilizasse qualquer caneco de barro ou de qualquer outro material. As “braseiras” tinham de uma maneira geral um estrado de madeira, sextavado ou de oito faces, no centro do qual existia uma abertura circular onde se colocava a “braseira” propriamente dita. Em casa de meus pais existiu uma que durou mais de sessenta anos!

Com o aparecimento de outros combustíveis, como o petróleo, por exemplo, o MEU BAIRRO deixou de ter carvoarias e então, quando se precisava de carvão íamos às “Velhas”, numa travessa que dava para a rua do Matadouro ou então no Campo Sá da Bandeira numas casinhas que julgo pertenciam ao Seminário e onde nasceu o meu avô paterno.

Entretanto o problema do abastecimento de carvão e seus derivados ao MEU BAIRRO fica resolvido com o aparecimento de um vendedor ambulante. Uma pequena carroça, puxada por um burrico de pêlo castanho, o vendedor, moço das minhas idades tocando a corneta, percorria a horas certas as ruas vendendo carvão, cisco e bolas (pó de carvão amassado), produto evoluído e que se tornava mais económico devido à sua durabilidade.

Os meios de combustão foram-se transformando quase sem darmos por isso, o negócio deixou de ser rentável, acabou.

Hoje, onde se compra carvão? Na cidade onde vivo, só nos super mercados de alguma dimensão e nem sempre. Na minha cidade natal, será o mesmo.

Agora, penso que se utiliza fundamentalmente para grelhar peixe ou carne, por um diminuto grupo de pessoas. Qualquer dia, nem isso.

Como as coisas vão mudando!