terça-feira, 26 de outubro de 2010

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(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 27 DE JUNHO DE 2008)


[Vilgateira, óleo de JV]

Quem é que um dia não encontrou um velho amigo ou conhecido em local mais ou menos distante e ficou de boca aberta?!

Todos nós já passámos por essas experiências, mas quando a idade começa a avançar, as nossas capacidades vão-se perdendo, a memória visual vai-se esbatendo, o poder de concentração volta aos níveis da infância e até o ouvido deixa de funcionar como devia, a voz e o seu timbre, segundo penso, é o que muda menos no ser humano, já não se ouve tão bem, as coisas tornam-se mais difíceis.

Umas vezes somos nós que detectamos os velhos conhecidos, outras, são eles mais perspicazes.

Situações destas apareceram-me durante os trinta a seis anos da minha vida profissional, praticamente em todos os concelhos por onde passei.

Certo dia, vai para vinte e cinco anos, quando atravessava um então vasto largo, um casal veio ao meu encontro e perguntam-me: - Desculpe, não é fulano? Meio embasbacado, tive que dizer que sim. - Eu vi logo que não estava enganado. Continuava sem o conhecer e só o reconheci quando me falou na sua terra de origem, onde eu tinha iniciado a minha carreira profissional e permaneci pouco mais de dois anos e meio. Já não nos víamos há cerca de vinte e cinco anos! Foi um agradável encontro que deu para falarmos umas horas.

Já nesta terra, fui procurado, no meu posto de trabalho, por um indivíduo que me detectou pelo nome como sendo seu conterrâneo e que me conhecia.

[Rua Padre Manuel, Vilgateira. Des. de JV]
Vivi cerca de quatro anos na minha freguesia natal e da minha juventude apenas conhecia três ou quatro que foram meus contemporâneos no liceu de Santarém e depois uns tantos quando já éramos homens mais ou menos feitos.

Depois da explicação acabei por detectar o conterrâneo que conheci, ainda éramos bem jovens e numa ou outra ida de férias.

Esse varzeense há muito instalado nesta terra e que era da área da restauração, montou aqui aquilo que me disseram ter sido o primeiro restaurante que tivesse merecido esse nome e que era muitíssimo bem frequentado.

Quando o conheci, já não era assim ainda que se notassem uns resquícios que o faziam diferente.

O conterrâneo, que me disseram ter sido um bom profissional e já numa situação difícil acabou por falecer ficando sepultado no cemitério local.

No decorrer dos anos fui identificando, de uma maneira geral, de passagem, visto isto ser uma terra de turismo, mais um ou outro conhecido ou amigo, principalmente da cidade de Santarém.

Os anos passaram-se e a aposentação já chegou há doze anos pelo que tenho muitíssimo menos contacto com este movimento de pessoas.

Um dia destes tive necessidade de me deslocar a uma instituição bancária procurando a substituição de um documento. Entrei, tirei a senha e sentei-me esperando pela minha vez.

Se conheço ainda alguns funcionários ali a trabalhar e reciprocamente sou conhecido por eles, outros, não faço a mínima ideia de quem sejam e de onde vieram, se for esse o caso.

A minha vez estava a chegar, mas antes que isso acontecesse, ouço uma voz afável, por detrás do balcão e com um sorriso de canto a canto, chamar:- Sr. Fulano (empregou o nome próprio) que por aqui poucos conhecem e se o conhecem não o usam. Fiquei realmente um tanto confuso e dirigi-me a quem chamava pelo meu nome. Olhei para a pessoa, sem a reconhecer e ouvi dizer-lhe que me conheceu logo e que agora estava a trabalhar ali e eu continuava na mesma. - Então, não me conhece? Sou filha de Fulana. Caí em mim e disse-lhe: - Então não havia de a conhecer!? É muito parecida com a sua mãe e com a avó.

[Velho comércio na aldeia de Vilgateira. Foto JV]

Fez questão de me atender e como não podia deixar de ser, além de outras coisas, perguntou pelo meu filho. É que esta minha conterrânea, dos três a última a chegar, é da idade de meu filho com uma diferença de poucos dias e com quem brincou algumas vezes quando me deslocava de visita a meus pais, à aldeia onde nasci.

Prometi-lhe que o levaria lá para se reconhecerem.

Que seja feliz na sua nova terra.

Três varzeenses, da mesma localidade que razões profissionais trouxeram à hoje cidade de Peniche.

Aqui está a razão deste TEMA VARZEENSE e do seu título.