quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Bater em padre é sacrilégio

Pequena Nota
Caro Visitante/leitor

O “Correio das Lembranças” foi criado fundamentalmente para aqui repor o que fui publicando no centenário jornal da minha cidade, o Correio do Ribatejo, ao longo dos anos, sendo uma maneira de hipotéticos interessados a eles terem acesso.

O primeiro escrito que publiquei e incluído em Temas Varzeenses teve por título A Capela de Santo António, “Ex-libris” de Vilgateira e foi publicado no número de 22 de Fevereiro de 1991 e ilustrado com um desenho a tinta-da-china que executei para o efeito.

O texto e o desenho foram, entretanto, aqui reproduzidos.

Com a publicação de A Freguesia da Várzea (do concelho de Santarém) – Achegas para uma monografia, 2005, o mesmo desenho foi incluído a pág. 139.

Até aqui tudo normal.

Em princípios de Dezembro, sou contactado por e-mail com o pedido de autorização formulado por Saint-Clair Mello (Brasil) de permitir a utilização do meu desenho num texto que iria publicar no seu espaço ASFALTO & MATO, o que naturalmente autorizei e agradeci.

Sem dúvida que foi uma honra para mim o meu desenho ter sido escolhido entre muitas centenas, para não dizer milhares.

O texto muito interessante e bem escrito reflecte uma época que todos nós conhecemos e tem a vantagem de ser baseado em factos verídicos, segundo o autor nos veio a confessar.

Tudo isto me levou a publicar neste espaço, depois do consentimento do autor, o interessante artigo acompanhado do desenho e das palavras que teve a amabilidade de me dirigir.

Os meus leitores conterrâneos e não só ficarão a saber por onde anda o desenho da nossa capelinha de Sto. António.

Caro leitor: Não deixe de visitar o ASFALTO & MATO, onde além de prosa interessante encontra excelente poesia do nosso já Amigo, Saint Clair Mello a quem muito agradecemos.

JV



Postado em 10 de Dezembro de 2010, por Saint-Cair Mello

Nos primórdios da vila de Santo Antônio da Liberdade, hoje conhecida por Carabuçu, houve um padre que lá foi estabelecer seus rebanhos de fiéis, de gado e de mulheres.

Naquela época, as disputas de terra eram sangrentas. Terra nova, inexplorada, aberta à grilagem do mais esperto, do mais poderoso.


Prestígio de padre pode ser discutido no céu, por anjos e santos, não em lugarejos perdidos do interior. Assim, montado em seu prestígio, o padre abocanhou alguns alqueires de terra, onde plantou café, criou gado, fixou colonos, construiu uma bela sede de fazenda. Ministrava os sacramentos e administrava seus domínios com competência canônica.

Mas padre é gente, é homem, por isso capaz de pecar tão desavergonhadamente como qualquer mortal. Ocorre, porém, que o padre decidiu pecar justamente com Lucinda, sertaneja prendada, bem apessoada, olhar de Capitu. Sua fiel, é verdade, embora mais fiel do coronel Napoleão, que a trazia alinhada como cavalo de charrete.

Foi o que bastou para que o coronel se destemperasse, perdesse a fé e o respeito pelas coisas sagradas e mandasse recado destabocado para o padre.

- Nicandro, diz lá pro padre Ambrósio que vou lhe dar uma sova, pra ele aprender a se meter com menina alheia.

O mulato foi e voltou com a resposta do padre:

- Diz lá pro seu coronel que em padre só se pode bater acima da cabeça, caso contrário é sacrilégio, punido com excomunhão.

Coronel Napoleão não gostou da resposta atravessada do homem de Deus e tomou as providências cabíveis: mandou pendurar o padre de cabeça para baixo no galho de uma figueira e desceu-lhe a gurumbumba, até sua reverendíssima resolver abrir mão de fazenda, de Lucinda e de paróquia.

De seu, a única coisa que o padre deixou por aqueles arredores foi uma meia dúzia de meninos, que, nas noites de sexta-feira de lua cheia, andavam virando lobisomem e mula sem cabeça.

Agradecimentos a José Varzeano pela cessão de seu belo desenho a ilustrar este texto.)