terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Alfarroba torrada

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 19 DE SETEMBRO DE 2008)

Já tenho escrito por várias vezes que estas pequenas croniquetas que de vez em quando vou publicando neste e noutros periódicos regionais têm sempre um clique que as fazem despertar e neste caso, assim mais uma vez aconteceu.

Lá pelos contrafortes da Serra do Caldeirão, apeteceu-me apanhar as bonitas alfarrobas, já bem escurinhas, que uma árvore que plantei, já produziu.

As minhas árvores predilectas, confesso que são a oliveira, talvez por ter sido criado próximo delas e a alfarrobeira que só conheci depois de homem. É uma árvore que pode atingir grande porte e antiguidade e para mim extremamente atraente. No meu subconsciente paira talvez a razão para que isso aconteça.

Regressei depressa aos meus sete, oito anos e encontrei-me no local onde começa a descer a designada popularmente Calçada do Monte, nome que penso terá a ver com a Ermida de Nossa Senhora do Monte (séculos XIII-XVI) e a qual servia.

Do lado esquerdo tinham os Saldanha o seu solar, ostentando ainda, segundo creio, na fachada principal a pedra de armas dos Condes de Rio Maior. Gostava imenso de subir aquela larga escadaria e punha-me a olhar para a “pedra” achando-a bonita mas que muito me intrigava. O meu pai deu-me uma ideia do que aquilo era.


[Ramo de alfarrobeira com frutos verdes. Foto JV, 2010] O palácio veio a ser arrendado fraccionadamente. À esquina da Calçada do Monte, com portas para duas frentes, instalou-se uma casa de fazendas. A seu lado uma afamada taberna, conhecido pelo Galante, depois e onde foram as cavalariças, funcionou desde os princípios do século passado uma oficina de bicicletas. Com porta para o pátio de acesso, um conjunto de divisões funcionava como habitação ao lado da qual sempre conheci (hoje não sei) uma padaria.

O acesso foi durante muitos e muitos anos térreo e suportado por um muro bastante tosco por cima do qual fazíamos equilibrismo, brincando e que hoje se encontra naturalmente restaurado.

Mas afinal não era sobre isto que eu queria escrever, na génese do clique estavam as alfarrobas!

É que precisamente à esquina do solar se instalou durante muitos anos uma vendedeira de tremoços, pevides, amendoins, rebuçados enrolados em papel branco e constituídos por açúcar torrado, pinhoadas, uns chupas (pirolitos) em forma de cone muito alongado, possivelmente mais alguma coisa que não me lembro e, o que nunca me esquecerei, alfarrobas torradas!

Era uma mulher já madura, que sempre conheci sozinha. Cabelo grisalho, arranjado em carrapito. De estatura média, era um pouco para o forte. De pele e olhos claros, as sardas davam-lhe um toque não muito comum.

Usava um grosso cordão de oiro, umas arrecadas semelhante às típicas da mulher minhota e no dedo anelar, um cachucho.
Vestia blusas às ramagens de cores garridas e aos folhos. Sentava-se, junto à parede numa pequena cadeira de madeira, tendo na sua frente a banca que armava e onde se colocavam com ordem as iguarias procuradas. Havia sempre uma protecção especial para alguns dos produtos, como era o caso dos doces e mesmo das alfarrobas.
Medidas próprias, normalmente de madeira, para os produtos a granel.

Se a memória não me atraiçoa, na época própria substituía a banca pelo fogareiro a carvão e o assador de barro, para castanhas,

A vendedeira “apanhava” todo o trânsito local e estávamos nas proximidades do Mercado Municipal, do Quartel de Cavalaria 4 e do Jardim da República. Fazia negócio com os frequentadores da taberna que não deixavam de comprar pevides e tremoços para aperitivo dos copos que com os amigos iam bebendo.

Era este o seu modo de vida, nunca lhe conheci outro.

Enquanto vivi em Santarém, passava muitas vezes por ali, o que agora raramente acontece.

Em menino, era frequente a minha passagem pelo local, a caminho da casa dos meus avós paternos que se localizava na estrada de S. Domingos, na altura considerado fora da cidade e ainda me lembro de em casa deles não haver água canalizada, o que, anos depois veio a acontecer e o contador era enorme fazendo grande barulheira quando se abria a torneira!

O meu pai, nunca passava por ali sem me perguntar o que é que eu queria. Por mais vontade que tivesse, nunca lhe pedi para comprar o que quer que fosse, pois assim fui ensinado e o que sempre cumpri.

Ficava naturalmente radiante com a oferta e a minha preferência ia sempre para uma alfarroba, muito eu gostava daquilo! Acontecia que a vendedeira, que era inquilina do meu avô, oferecia-me quase sempre outra, o que muito me agradava. Que gosto tinham aquelas alfarrobas!

Hoje, decorridos que são sessenta e tal anos, penso que está aqui explicada a minha tendência para a alfarrobeira.

Será assim?
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Pequena nota

As fotos representam um ramo de alfarrobeira com o seu fruto em verde e depois de maduras, tendo sido a árvore plantada pelo autor.
JV

sábado, 22 de janeiro de 2011

Sebastião Baracho

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 18 DE JULHO DE 2008)



De seu nome completo, Sebastião de Sousa Dantas Baracho, nasceu em Torres Novas a 10 de Agosto de 1844.

Foi aluno do Colégio Militar, assentou praça em cavalaria em 25 de Agosto de 1861 e é General de Brigada em 19 de Outubro de 1900.

Aos trinta e sete anos inicia a sua carreira política como deputado regenerador e vem a ser reeleito até 1890.

Em 1891 foi comissário régio para a delimitação de fronteiras da África Ocidental a quando do tratado Luso-Belga, lugar que exerce até 9 de Março de 1892.

Em 1893 D. Carlos nomeou-o seu ajudante de campo honorário. Em 1895 assumiu interinamente o comando da 1ª Brigada de Cavalaria. Foi comandante do Forte de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo e em 1901 foi nomeado director geral dos serviços de cavalaria. É neste ano que abandona o Partido Regenerador.

Pediu a D. Manuel II, em 1909 a exoneração de ajudante de campo honorário do Rei, o que lhe foi concedido.

Como deputado pronunciou um discurso sobre questões militares na Câmara de Deputados que produziu grande sensação.

Foi um parlamentar truculento devido ao seu temperamento fogoso. Era enérgico e acutilante no combate das ideias e manteve polémicas com vários jornalistas.

Por questões políticas desafiou para duelo, tanto o Presidente do Conselho como o Ministro da Guerra.

O Ministro aplica-lhe um mês de inactividade na Praça de Elvas.

Dantas Baracho era considerada uma das figuras mais interessantes de Lisboa.

Apesar dos anos já adiantados, mantinha-se em forma no manejo da espada e do florete.

Perante a dissolução das instituições monárquicas, atacou o regime nos seus derradeiros anos de existência e, em 1910, abraçou a causa Republicana, trabalhando para a consolidação do novo regime.

Foi presidente da comissão encarregada de rever a legislação criminal militar e presidente do Supremo Conselho de Justiça Militar.

Quando os monárquicos se concentraram na fronteira, preparando-se para a primeira incursão, ofereceu ao governo republicano o seu concurso como militar, para defesa e acção de combate.

Desiludido pelas lutas partidárias, abandonou a política.

Colaborou nos jornais Gazeta Comercial, O Imparcial, Diário Ilustrado, Mala da Europa, etc.

Era condecorado com a comenda e grã-cruz da Ordem de S. Bento de Avis e com a grã-cruz da Ordem de Orange e Nassan.

Das obras publicadas avulta Entre Duas Reacções, 4 Vols., 1917 – 1919.
Publicou ainda: A Questão Ibérica, Lisboa, 1881, Questões Militares, Lx. 1888¸ Alguns Documentos sobre a minha missão em África, Lx., O Convénio, Lx, 1902, A Defesa Nacional, Lx. 1904 e A situação Militar, Lx. 1904.

Faleceu em 28 de Dezembro de 1921.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI, Costa Garcez Vol. 4

Tradição e Revolução, José Adelino Maltez, Vol. I (1820-1910)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Francisco Mendonça

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE JULHO DE 2008)



Foi a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira que nos revelou este cartaxense nascido em 25 de Janeiro de 1886 e de seu nome completo, Francisco de Paulo dos Santos Mendonça.
Segundo a fonte referida, distinguiu-se principalmente como inventor e desportista no campo do tiro.

Fez o curso Secundário de Comércio no Instituto Industrial e frequentou o Instituto Superior Técnico.

Ingressou em 1904 nos Correios Telégrafos e Telefones onde exerceu as funções de inspector electrotécnico.

Foi inventor de um regulador de velocidade absolutamente original que, aplicado aos aparelhos telegráficos “Hughes” e “Bandot”, mudou por completo a sua função, simplificando-os extraordinariamente. A sua aplicação manteve-se com vantagem por vários anos.

O regulador era conhecido por “D.M.O.” que significava Doignon Mendonça e Oliveira e começou a ser utilizado em 1922.

Foi o criador das Oficinas Gerais dos C.T.T. onde o seu engenho possibilitou transformações de processos que se tornaram úteis ao desenvolvimento daquela instituição.

Foi-lhe atribuída a comenda de Mérito Industrial, tendo-se reformado em 1942.

No campo do desporto foi considerado um atirador de reputação internacional.

Em espingarda de guerra foi mestre-atirador aos 200 metros nos anos de 1916, 1917, 1920 e 1924, prémio de honra em séries ilimitadas em 1917; 1º prémio em 1922 e prémio de honra no mesmo ano; mestre-atirador a 300 metros em 1917.

Os êxitos continuam. É campeão de Portugal com arma de guerra em 1919-1922 e 1924, campeão de Portugal: deitado, 1922 e 1927; de pé: 1921, 1922 e 1924; mestre atirador à pistola em 1921, 1924, 1927 e 1932; palmas de honra da Carreira de Tiro Ducla Soares em 1922, o primeiro ano em que foi instituído; campeão à pistola nos Jogos Olímpicos Nacionais de 1914.

Foi chefe da equipa de tiro e atirador que concorreu à VIII Olimpíada, em 1924, em Paris.
Fez parte do XXVII Concurso Nacional e Internacional de Tiro em Reims, 1924, sendo considerado neste certame mestre-atirador a 20 metros no revólver e de 50 na pistola de precisão.

Em 1937 foi instituída uma taça com o seu nome para ser disputada entre mestres-atiradores.

Não consegui encontrar a data do seu falecimento.
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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

sábado, 15 de janeiro de 2011

O rouxinol do Meu Bairro

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 10 DE DEZEMBRO DE 2004)

[Dilma Melo]

No centro da cidade onde vivo, em Setembro último, quando estava prestes a concluir o meu passeio higiénico, depois do almoço, dirigindo-me para casa e entretenga do escrevinhar, deparei ao longe com a figura de uma senhora, observando uma montra, que me pereceu não me ser estranha. Ao aproximar-me, não tive dúvidas mas, como há muita gente parecida, pedi desculpe e perguntei se não era a Dona F. de tal. A resposta afirmativa, não se fez esperar. Não me reconheceu naturalmente, apesar da nossa diferença de idades não ser muito acentuada. Disse-lhe que a reconheci logo pois apesar dos muitos anos passados, mantinha os traços que a definiam. Com a senhora um pouco atrapalhada sem saber com quem falava, fui-lhe dizendo que há vinte e quatro anos vivia nesta cidade onde exerci a minha profissão durante dezasseis anos e que a conhecia do MEU BAIRRO, onde ela também viveu algum tempo, ao fundo da Rua Almeida Garrett no primeiro andar de um prédio que já não existe e para o qual se ia por longa e desconfortável escadaria.


Teria na altura, catorze ou quinze anos e em casa, andava sempre cantando. Tinha uma voz potente e doce de tal maneira que punha a vizinhança de ouvido à escuta, o que também acontecia comigo e com a minha família que morava na rua em frente. Tínhamos a vantagem de entre a sua casa e a nossa, não haver prédios mas sim quintais por onde a voz fazia a sua propagação com facilidade. Toda a gente gostava da ouvir cantar e elogiava as suas qualidades vocais que naturalmente não passaram despercebidas às pessoas dessa área artística.

Depressa se tornou conhecida em toda a cidade e vocalista de uma instituição que há dezenas de anos leva a todo o país e ao estrangeiro o nome da cidade.

Penso que não teria nascido em Santarém mas sim no distrito de Aveiro, de onde é originária a família. Lembro-me principalmente de um seu tio que morou no MEU BAIRRO em frente da minha casa e que faleceu em África e de sua avó paterna, toda de preto, adornada de peças de ouro e com o sotaque inconfundível da Beira. Até me lembro de uma sua prima falecida com poucos meses, tendo ainda presente o seu nome e as suas feições já que existia em minha casa uma sua fotografia. Bem pequenino, como eu me lembro destas coisas!

O rouxinol do MEU BAIRRO não permaneceu por ali muito tempo tendo a família mudado para os lados do Milagre., se não estou enganado.Foi pena não ter enveredado pelo profissionalismo onde certamente teria feito carreira a nível nacional.

Toda a gente a conhece em Santarém.

Quando nos despedimos, não deixou de afirmar que AINDA CANTAVA.
Que continue ainda por muitos anos, são os nossos votos.

Já se passaram mais de cinquenta anos!

MAIS UMA FIGURA QUE HONROU O MEU BAIRRO.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Ernesto Vasconcelos

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 4 DE JULHO DE 2008)



Ernesto Júlio de Carvalho Vasconcelos, de seu nome completo nasceu em Almeirim a 16 de Setembro de 1852 e faleceu em 15 de Novembro de 1930, sendo filho do médico-cirurgião António Germano Falcão de Carvalho e de D. Maria Amélia Lobo de Vasconcelos. Então o seu pai exercia clínica em Almeirim.

Tal como o seu avô materno que foi capitão-de-fragata, assentou praça na marinha. Aos vinte e três anos era guarda-marinha.

No exercício da sua actividade profissional, depressa conhece bem todas as nossas colónias.

Além do curso de oficial da marinha, tirou igualmente o de engenheiro hidrógrafo.

Realiza então vários levantamentos hidrográficos como os que serviram à elaboração da carta da barra de Lisboa e do rio Guadiana, entre outros.

Ernesto Vasconcelos, já como oficial da marinha, adere à Maçonaria entre 1 de Novembro e 31 de Dezembro de 1910.

Uma das primeira medidas do governo provisória da República, foi a de rescindir o contrato de 25 de Novembro de 1905, com a Empresa Nacional de navegação, para as ligações com os territórios portugueses das duas costas de África. Para estudar o assunto foi criada uma comissão presidida pelo capitão-de-mar e guerra, Ernesto Vasconcelos.

Denotando especial competência para estes assuntos, Bernardino Machado nomeou em 3 de Abril de 1911 para fazer parte de uma comissão para estudar os interesses de Macau, em vários aspectos e da qual faziam parte entre outros distintos colonialistas, o Comandante Ernesto de Vasconcelos, então presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Em 1912 é criada uma Comissão para estudar a reorganização do Colégio das Missões Ultramarinas e mais uma vez é nomeado para a presidir.

Nesse mesmo ano formou-se em Lisboa uma Comissão designada Comité Permanente a Favor do desenvolvimento das Nossas Colónias, e foi presidida pelo General Joaquim José Machado e um dos dois secretários da mesma, era este oficial da Marinha.

Almirante, professor da Escola Naval e da Escola Colonial depois Instituto de Altos Estudos Ultramarinos que foi fundada pelo então Ministro da Marinha e Ultramar, Dr. Moreira Júnior, de quem era Chefe de Gabinete.

No tempo da Monarquia, foi vice-presidente da Câmara de Deputados e foi chefe de gabinete de vários ministros. Exerceu o lugar de Director – Geral no Ministério das Colónias e dirigiu a Revista Portuguesa Colonial e Marítima.

Era sócio de inúmeras agremiações, de índole cultural e científica, nacionais e estrangeiras.

Foi um reputado engenheiro hidrógrafo e eminente cartógrafo,
Alcançou reputação mundial pelos seus trabalhos geográficos e cartográficos a que muito se dedicou.

Secretário perpétuo da Sociedade de Geografia de Lisboa, onde a sua alta competência mais ainda se evidenciou.

Fez parte de quase todos os trabalhos respeitantes a limites coloniais e tratados, tais como: o das fronteiras de Timor; a questão do Baroce, em Angola; novo Convénio com a África do Sul, modificando o de 1909, etc.

É vastíssima a sua bibliografia, iniciada em 1884 com Astronomia Fotográfica As Colónias Portuguesas. A sua bibliografia é extensa e valiosa; tem colaboração sobre temas portugueses; na Enciclopédia Britânica, na The International Geographyy, etc.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Lello Universal, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, 1975, Porto

Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube, Vol.XVIII

História de Portugal, J. Veríssimo Serrão, Vol. !!, 1989

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Manuel Constâncio

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 6 DE JUNHO DE 2008)



Manuel Constâncio Alves, de seu nome completo, nasceu no lugar de Sentieiras, freguesia de S. Vicente da actual cidade de Abrantes em 4 de Agosto de 1726.

Falecendo seu pai, que era um pequeno agricultor, em 1738, foi a família viver para perto da vila do Sardoal onde iniciou o estudo das primeiras letras e depressa aprendeu o ofício de barbeiro com cujos rendimentos ia sustentando a família que era numerosa.

Como era hábito nesse tempo a tais profissionais, Manuel Constâncio quis ser sangrador, arte que praticou com um padrinho de baptismo de uma sua irmã.

Começa a estudar português e latim em Abrantes, continuando a exercer a sua profissão e aproveita para frequentar quando pode o hospital local.

Com vinte e um anos, o marquês de Abrantes, possivelmente reparando nas suas faculdades, leva-o para Lisboa, arranjando-lhe o lugar de criado na casa de seu cunhado, o Conde de Portimão, D. Pedro de Lencastre.

Cerca de três anos depois, com vinte e quatro anos, Manuel Constâncio, inscreveu-se como praticante de cirurgia com o licenciado José Elias da Fonseca, no Hospital de Todos-os-Santos de Lisboa.

Na época a cadeira de anatomia era dirigida pelo cirurgião francês, Pedro Dufau que o Marquês de Pombal trouxera para Lisboa com intenção de reformar os estudos nessa área da medicina o que atraiu Constâncio.

Com os conhecimentos adquiridos, apresenta-se a exame de sangrador, obtendo a sua carta em 16 de Julho de 1754, por isso com vinte e oito anos de idade.

Não ficam por aí os seus objectivos pois quatro anos depois apresenta-se a exame de cirurgião, obtendo para o efeito a carta datada de 21 de Outubro de 1758.

É nomeado entretanto para o cargo de cirurgião-ajudante do corpo de tropas comandadas pelo marquês de Marialva, quando as tropas francesas e espanholas invadem Trás-os-Montes.

Em 11 de Novembro de 1763, substitui Dufau no ensino da Anatomia devido aos problemas criados pela guerra. Assume em 1 de Outubro de 1764 a regência definitiva da Cadeira por jubilação de Dufau, tendo sido este que o indicou para o substituir.

Casou aos cinquenta e um anos, tendo tido três filhos e uma filha.

Um dos filhos, Francisco Solano Constâncio foi médico, escritor e político e a filha, a Marília das poesias de Bocage.

Pela sua reputação clínica, foi nomeado cirurgião da Casa Real por alvará de 26 de Janeiro de 1786 e pouco depois cirurgião da Real Câmara.

Pelo seu desempenho mereceu receber o título de escudeiro e cavaleiro fidalgo em 28 de Agosto de 1789.

Manuel Constâncio distribuía generosamente os seus teres pelos discípulos necessitados, certamente pensando no seu difícil percurso de vida.

Foi acima de tudo um professor sapiente, dedicado e progressivo.

Fez escola e os seus discípulos nunca deixaram de enaltecer o nome daquele que soubera despertar neles o interesse científico.

Faleceu a 14 de Julho de 1817, no Sardoal, este abrantino que é um exemplo de trabalho e de competência.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI, Vol. 7, pp1021-1022

Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro Lello Universal, Porto, 1975

Dicionário de História de Portugal, dir. de Joel Serrão, Livraria Figueirinhas, Porto, Vol. IV, p. 241

Boletim da Junta de Província do Ribatejo, Anos 1937/1940

sábado, 8 de janeiro de 2011

A Inquisição na freguesia da Várzea

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 3 DE OUTUBRO DE 2008)



[Papa Paulo III]
A inquisição foi introduzida em Portugal a pedido de D. João III, por bula do Papa Paulo III, de 22 de Maio de 1536, destinando-se a impedir os abusos e delitos dos hereges contra a Religião Católica, ou crimes considerados graves contra os bons costumes, e a castigar aqueles que os praticassem, tendo sido estabelecidos Tribunais do Santo Oficio em Évora, Lisboa e em Coimbra, pelo menos.

A acção terrífica destes Tribunais fez-se sentir por todo o país e igualmente além fronteiras.

Naturalmente que a freguesia da Várzea, não foi excepção, conforme os exemplos que conseguimos obter.

Certamente existirão outros exemplos que desconhecemos.
Veremos então.

Dois padres da freguesia vieram a ser vítimas da acção danificadora desta Instituição.

O primeiro, Clérigo Presbítero do Cabido de São Pedro, é natural e morador na Várzea, filho de Simão Madeira, Capitão dos Auxiliares e natural da Azóia de Baixo e de Helena Madeira, esta natural da Várzea. Os avós eram considerados lavradores.

Tinha 51 anos e era Cura da Igreja Paroquial de Nossa Senhora da Conceição da Várzea [Várgea] quando foi preso a 7 de Dezembro de 1741 e acusado de “solicitação”, isto é, convidar a ter relações sexuais, quando feitas no acto de confissão (Inquisição de Évora, dos Primórdios a 1668, António Borges Coelho, Vol. I, Ed. Caminho, 1987, págs. 270, 271)
Foi sentenciado quase um ano depois (20 de Novembro de 1742) com as sentenças de abjuração de leve suspeita na Fé, seja privado para sempre de confessar, suspensão do exercício das suas ordens, por oito anos com degredo por igual tempo para fora do Patriarcado de Lisboa e interdito de voltar à freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Várzea. (Processo nº 8672 do Pe António Madeira, Tribunal do Santo Ofício de Lisboa – ANTT)
O segundo caso passa-se com o Pe. Alexandre de Figueiredo, que presumo pudesse ter substituído o anterior e que era natural de Porto de Mós, sendo filho de Francisco Pires, oficial de ferreiro e de Anastácia de Figueiredo.

Tinha 42 anos quando foi preso em 21 de Maio de 1743, acusado de sacrilégio, acto de impiedade com que se profanam as coisas sagradas ou ultraje a pessoa sagrada ou venerável.
[D. João III]
No auto-de-fé de 27 de Julho de 1743, tem como sentença o ser advertido a não repetir a culpa. (Processo nº 44 do Pe. Alexandre Figueiredo, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa - ANTT).
De âmbito completamente diferente, mas também sujeito à apreciação do Tribunal do Santo Ofício, é a pretensão apresentada por Josefa Maria no sentido de exercer o lugar de ama [do Paço].

Natural do lugar de Perofilho, mas residindo na freguesia das Abitureiras, filha de Manuel Pessoa, natural da Quinta do Mocho (Várzea) e de Maria Lobeira, varzeense do lugar de Vale de Donzelas. Os seus avós paternos igualmente eram naturais de freguesia da Várzea e os maternos, ele da Romeira e ela de Vale de Donzelas, onde residiam.
Era casada com Francisco da Costa Sequeira e sobrinha do Familiar do Santo Ofício, Manuel Colaço Lobo.

Na documentação facultada não se refere o resultado da pretensão. (Diligência de habilitação de Josefa Maria, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações de Mulheres, mç. 3, doc.10 – ANTT)
Aqui fica este pequeno apontamento para a história da freguesia da Várzea.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Lobo de Ávila

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 4 DE MAIO DE 2007)



Joaquim Tomás Lobo de Ávila, filho de Joaquim Anastácio Lobo de Ávila e de D. Mariana Vitória de Mendonça Pessanha Mascarenhas, nasceu em Santarém no dia 15 de Novembro de 1819.

Ingressou no Colégio Militar e fez o Curso da Escola Politécnica.

Em 1840 era alferes de Infantaria e em 1844 junta-se aos revoltosos, chefiados pelo General César de Vasconcelos, de que foi ajudante de campo, para derrubar o governo de Casta Cabral.

Tendo-se gorado o objectivo, emigra para Espanha e depois para França, onde em Paris completa o curso de engenharia na conceituada Escola de Pontes e Calçadas. Aproveita também para fazer formação em Economia e Direito Administrativo.

Regressando a Portugal depois de 1849, filiou-se no Partido Regenerador.

Motivado pelos seus gostos literários, funda o jornal Cosmorama e depois o Ateneu.

Entretanto entra para o quadro das Obras Públicas e de 1851 a 1856 rege a cadeira de Caminhos de Ferro na escola do Exército.

Como técnico considerado que era na área, faz parte da Comissão que apreciou e decidiu sobre as propostas da construção da linha férrea de Leste.

Exerceu seguidamente os lugares de secretário do Conselho de Obras Públicas e depois o de inspector.

É eleito em 1863 grão-mestre da Confederação Maçónica Portuguesa, tendo sucedido a José Estêvão.

Foi promovido a capitão em 1864.

Exerceu as funções de Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém nos anos de 1860/61, 1863/64 e 1864/65.

Foi eleito deputado por vários círculos, marcando no Parlamento uma posição bem definida sendo um tenaz defensor dos caminhos de ferro.

Entre 1862 e 1865 e sob a presidência do Duque de Loulé, foi ministro da Fazenda, promovendo a reforma dos serviços aduaneiros e a consolidação do nosso crédito no estrangeiro.

Em 1869 novamente pela mão do Duque de Loulé é ministro das Obras Públicas, tomando medidas no sentido de modernizar e actualizar os serviços. Igualmente sobraçou a pasta da Guerra, tendo o governo caído pela acção do Duque de Saldanha.

Em 1874 é sócio da Academia Real das Ciências, devido principalmente ao estudo que publicou e intitulado Estudos de Administração.

Em 1874 foi elevado a par do Reino, tomando posse em 5 de Janeiro de 1875.

O Rei D. Luís, por decreto de 5 de Abril de 1875, concede-lhe o título de Conde de Valbom.

Em 1876 foi nomeado ministro plenipotenciário em Madrid e de 1886 a 90 exerceu as mesmas funções em Paris.

Volta ao Governo no ministério presidido pelo General João Crisóstomo como responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros.

Publicou artigos de índole política em variadíssimos jornais, nomeadamente em A Revolução de Setembro e igualmente literários e científicos em revistas da especialidade.

Faleceu em Lisboa a 1 de Fevereiro de 1901.

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Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube, Vol. XVIII

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira

Santa Casa da Misericórdia de Santarém, Cinco séculos de História, M. Vicente Rodrigues, 2004.

Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

Nobreza de Portugal, Editorial Enciclopédia, Lisboa, 1960

Dicionário Ilustrado da História de Portugal, Publicações Alfa,

domingo, 2 de janeiro de 2011

Almeida Topinho

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 11 DE MAIO DE 2007)



Seguindo a carreira das armas, Manuel Bernardo de Almeida Topinho, nasceu em Santarém no dia 20 de Julho de 1888.

Concluiu o curso de Infantaria, na Escola do Exército em 1911. Sendo alferes no ano seguinte, tenente em 1916 e capitão em 1918.

Foi professor de Educação Física no Liceu Sá da Bandeira, na sua terra natal e delegado provincial da Mocidade Portuguesa.

De 24 de Março de 1927 a 12 de Janeiro de 1932, exerce as funções de Governador Civil de Santarém

Em 1938 era major, tenente-coronel em 1943 e coronel em 1945.

Fazendo parte do Corpo Expedicionário Português, a quando da 1ª Guerra Mundial, comandou a 1ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 21, onde se distinguiu na reocupação da primeira linha do sector de Ferme-du-Bois.

Comandou o Batalhão de Metralhadoras nº 1 e a Escola Prática de Infantaria.

Como brigadeiro desempenha as funções de Comandante Militar dos Açores, para onde segue em 1947, regressando ao continente em Junho de 1948, assumindo as funções de 2º Comandante da Guarda Nacional Republicana.

Como general, comanda a 2ª Região Militar em 1949, funções que deixa de exercer em 1953 por ter sido atingido pelo limite de idade.

Comandou nos primeiros dias de Agosto de 1952, grandes manobras militares do centro do País, contando os exercícios com cerca de 10 mil efectivos. Igualmente participou nas manobras da “Cheipa”, na Alemanha Ocidental.

Presidiu em Santa Clara ao julgamento dos oficiais implicados na rebelião de Janeiro de 1952 e onde foram condenados o coronel Luís Gonzaga Tadeu e o capitão Henrique Galvão.

Desempenhou as funções de Comandante-Geral da Legião Portuguesa, a cuja Junta Central pertencia desde Dezembro de 1935.

Entre as condecorações que possuía contam-se a medalha comemorativa da campanha de França e a Cruz de Guerra.

Faleceu no Porto a 7 de Novembro de 1954.

Teve uma rua com o seu nome na cidade que o viu nascer e que após o 25 de Abril de 1974 recuperou o primitivo nome.

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Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
Santarém no Tempo, Virgílio Arruda, 1971

Santarém – Raízes e Memórias – Páginas da Minha Agenda – Efemérides, José de Campos Braz, 2000

História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. XVI.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Uma indústria artesanal

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO EM 15 DE OUTUBRO DE 2004)

Os assuntos aparecem sem sabermos explicar, ou por outra, um pequeno pormenor a isso nos leva.

No mês canícula de Agosto encontrava-me, com o é meu hábito, naquilo que considero o “Fim do Mundo”, onde se quiser, durante todo o dia não vejo ninguém mas em que nunca me aborreço visto o trabalho, de que gosto, a efectuar, não o conseguir acabar. E podem crer, que é do mais variado!

Quando uma pessoa chega à conclusão de não ter nada para fazer, a não ser sentar-se num banco de jardim, esperando que “ela” chegue, está tudo acabado! Mais vale chamar o “barco” e “embarcar”.

Deixemos este assunto, que é matéria a que não se pode fugir e iremos ao encontro do motivo que originou esta MEMÓRIA DO MEU BAIRRO.

A carrinha que accionou a sua música identificativa quando chegou ao pequeno povoado e cuja sede da empresa se situa a duzentos quilómetros de distância , pára no largo frente à nossa casa esperando que alguém apareça para fazer alguma compra.

A sua paragem quase que nos obriga a comprar qualquer coisa, ainda que dela não precisemos na altura!

Trata-se de uma carrinha de congelados, peixe, carne, alguns vegetais, pasteis, croquetes e rissóis e até caixas de gelados!

Sou freguês principalmente de peixe, já que a nível hortícola a minha produção chega, tal como a carne de aves.

De tudo tinha e acabei por comprar uma caixa de gelados pois isto de se caminhar para velho começa a dar as suas indicações - todos sabemos que as crianças e os velhos gostam de coisas doces, não é verdade ?

GELADOS! Fez-me regressar à minha infância e consequentemente ao MEU BAIRRO.

Não havia dinheiro para gelados na grande maioria das bolsas e os que o tinham, consideravam isso como supérfluo.

Hoje, qualquer estabelecimento comercial tem uma arca de gelados, havendo variadíssimas marcas e o consumo é constante. Naquele tempo as coisas eram bem diferentes, uma vez por outra lá se comprava um geladinho, o que era uma festa !

Não havia gelados industriais, pelo menos não os conhecia. No MEU BAIRRO e no Pátio Frazão, durante muitos anos funcionou o fabrico artesanal de gelados. Penso que tinham o nome de Gelados Escalabitanos. A sua venda era ambulante e feita através de uns carrinhos que se moviam por intermédio de três rodas (triciclo). Até ao guiador, cuja função era substituída por um varão, era igual a uma bicicleta. Daqui para a frente existia uma caixa de madeira, cuja parte dianteira era em forma de quilha para que na deslocação se sentisse menor resistência do vento. A caixa, cuja altura se situava a nível do peito de uma pessoa, era suportada por um eixo nas extremidades do qual giravam duas rodas de bicicleta.

[Pátio Frazão. Foto JV]

A caixa era pintada de branco e as faces laterais tinham uma cercadura vegetalista de tons de azul se a memória não me atraiçoa, na parte central um motivo alusivo ao conteúdo e a marca - gelados escalabitanos.

O tampo tinha uns varões circundantes, ao centro e interiormente o depósito de alumínio (?) ou inox (?) do gelado e uma caixa, exterior, de quatro faces rectangulares, envidraçadas, de tapa em tronco piramidal e na qual se encontravam os copos cónicos de massa de farinha, penso que de dois ou três tamanhos. Julgo que havia igualmente um pequeno reservatório onde era colocada a espátula - colher que se destinava a aviar os gelados.

Os recipientes dos gelados e da espátula eram cobertos por tampa de forma cónica de borla na ponta e que os fechava hermeticamente.

Fica deste modo apresentado o carrinho dos gelados que era, devido às suas características e cores, muito atraente para os adolescentes e petizada.

Esquecia-me de uma coisa, os carinhos tinham buzina de borracha, ou seja um fole de borracha que quando apertado pela pão, fazia passar o ar por uma palheta metálica, produzindo assim um som que de uma maneira geral era diferente de buzina para buzina.
O proprietário e fabricante dos gelados, raramente fazia a sua venda mas ainda me lembro de o ver com um boné redondo e de pala. Era um homem franzino, seco de carnes e pouco falador. A venda estava destinada aos empregados, rapazes de catorze ou quinze anos. Digo rapazes porque existiam vários carros mas não posso precisar o número, talvez uns três ou quatro.

Esta actividade dava-se naturalmente nos meses de verão. Como é evidente desconheço as ordens que os rapazes recebiam, sei sim que se deslocavam aos locais onde havia mais crianças e adolescentes como eram os estabelecimentos de ensino e nesta altura, com significado só havia o liceu e o externato Braamcamp Freire (EBF). O principal negócio era feito por ali. Nos intervalos, a venda estava assegurada pois sempre havia aqueles que compravam sempre. Alguns até eram conhecidos por alcunhas relacionadas com isso.

O vendedor perguntava qual o sabor desejado e depois era a discussão perante a quantidade! Uma bolsa de cabedal e de correia recebia o dinheiro.

Os restantes carros faziam a cobertura da cidade não conhecendo eu outro fabricante.

Ao cair da tarde era o regresso a casa.

Esta actividade não dava para a manutenção anual da família pelo que tinha de haver outras complementares.

Assim, outros carrinhos de base semelhante, eram transformados em assadores de castanhas e que na época própria percorriam a cidade batendo por vezes as portas das tabernas onde os apreciadores as compravam para acompanharem a água-pé.

O assador de barro, reforçado de arame, o abano e os jornais cortados em quadrículas, são coisas que ainda hoje se vêem.

Em muitas tabernas havia a concorrência de mulheres que junto à sua porta se colocavam, sentadas num banco ou pequena cadeira, com o seu assador e que quase monopolizavam o negócio.

Sempre ouvi dizer que as castanhas assadas com sal que tinha servido sardinhas, tornavam-se mais gostosas. Ainda hoje não sei se é verdade, mas é capaz de ter a sua lógica.

Havia mais outra actividade a que o “industrial” recorria para se poder manter:- a venda de barquilhos através de um jogo.

O barquilho, termo originário do castelhano barquillo, constitui uma guloseima, feita de uma massa rija e estaladiça, espécie de bolacha e em forma de cone.

Um cilindro, de folha-de-flandres que colocado no chão, ficaria pela altura das mãos de um adulto, era o recipiente transportador dos barquilhos, colocados aos maços, formando longos canudos.

A caixa dos barquilhos, chamemos-lhe assim, teria um diâmetro de base de cerca de um quarto da altura e era exteriormente pintada de um tom acastanhado, semelhante ao utilizado nos latões das vindimas, presumindo que a tinta fosse da mesma qualidade.

A face, que constituía a tampa, era abaulada no sentido convexo. O círculo era dividido, na sua periferia por uma rede de quadrículas entre as quais estavam escritos, a tinta branca, os vários dígitos e em dois ou três casos, dois algarismos que eu penso não ultrapassaria três dezenas.

De um eixo central, rodava pequeno braço na extremidade do qual se encontrava uma palheta maleável mas resistente que depois de ser accionada pelo jogador, parava determinando a sorte da jogada. Se a memória não me falha, no meu tempo de miúdo, cada jogada custava dois tostões!

A caixa, que tinha uma correia de cabedal da largura de dois dedos, colocada nas extremidades, era transportada às costa do vendedor que ia anunciando o jogo e a possibilidades de ganhar barquilhos. Utilizava naturalmente os mesmos locais que percorria para vender os gelados.

Nunca mais vi tal a vender mas ainda me parece ter o gosto daquela massa estaladiça e onde era notório o gosta a canela.

Nas minhas MEMÓRIAS DO MEU BAIRRO toquei neste assunto de uma maneira mais superficial quando me referi em 23 de Dezembro de 1993, sobre OS PÁTIOS.

Já se passaram quase onze anos ! A título de curiosidade diremos que a primeira MEMÓRIA foi publicada no número de 27 de Novembro de 1992. Como o tempo passa!