terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Pombinhas de Santarém, pombinhas!

[Pombinhas. Retirado com a devida vénia de http://aminhacasaaopormenor.blogspot.com]

(PUBLICADO NO CORREIO DO RIBATEJO DE 28 DE NOVEMBRO DE 2008)

Numa noite de insónias, frequente na minha idade, a fita da memória, sem sabermos porquê, começou a passar.

O que foi buscar para relembrar? Algo que conheci há cerca de sessenta anos!

Com certeza que muita gente da cidade se lembra daquilo que a “fita” me trouxe à memória.

Com cerca de dez anos, primeiro acompanhado de familiares, depois só, deslocava-me frequentemente à então vila de Almeirim que nessa altura, e como é compreensível, era uma sombra do que é hoje.

Para a deslocação eram utilizados os autocarros da extinta Camionagem Ribatejana, situada na Rua Passos Canavarro, vulgo travessa do Postigo. Lembro-me muito bem dos dois gerentes que eu penso serem igualmente proprietários. Um deles, para o forte, baixo, um pouco calvo e de aparado bigode bem preto. O outro, aparentemente mais velho, de pele clara, menos efusivo, muito calmo e extremamente delicado, delicadeza que o seu colega igualmente compartilhava.

Eram conhecidos dos meus pais que com eles trocavam sempre uma saudação quando não uma troca de palavras mais desenvolvida.

Mas afinal o que é que isto tem a ver com o título desta croniqueta?

O comércio ambulante, em regra utilizando produtos artesanais, feitos pelos próprios, por familiares ou adquiridos a artesãos, rondava pelos locais onde as pessoas mais se juntavam, como eram por exemplo os transportes públicos, pois nessa altura, ao contrário de hoje, bem poucos possuíam transporte próprio.

As camionetas entravam e saíam da garagem num rodopio e em muitos casos eram necessários desdobramentos!

Entre os vendedores ambulantes que frequentavam aquelas paragens, um ficou na minha memória e que dificilmente esquecerei.

De estatura meã e para o débil, era de origem africana, vestindo sempre fato branco que assim contrastava com a cor da sua pele.

Num tabuleiro de madeira que uma correia de cabedal ajudava a suportar, passando atrás do pescoço, arrumava as suas “pombinhas” feitas de massa de farinha de trigo, muito branca e levemente adocicada. O feitio representava as pombinhas como se estivessem deitadas no choco. Não lhes faltava o biquinho bem feito, tal como o rabo e apresentavam-se bem tostadinhas, estaladiças. Cobri-as com uma espécie de tule branco.

Pelo que já escrevi, compreende-se a razão pela qual ficou na memória de uma criança que rondava os dez anos, mas ainda há mais e certamente mais marcante.

Pressionando o polegar com o dedo médio, da mão direita, num movimento rápido fazia bater neles o indicador, provocando um estalido, acompanhado por uma espécie de assobio que lhe era muito peculiar e provocado pela posição da língua! Ao mesmo tempo ia dizendo: POMBINHAS DE SANTARÉM, POMBINHAS!

Usando este chamariz / pregão, atraindo as crianças, assim ia ganhando a vida!

As “POMBINHAS DE SANTARÉM” chegaram a ser muito conhecidas e até referidas como características da cidade, mas foi coisa que nunca mais vi, em parte nenhuma.

Pequena nota
Quando escrevi este texto, desconhecia completamente que ainda se faziam pombinhas de Santarém para vender.Primeiro uma familiar residente no concelho deu-me essa informação, algum tempo depois foi a vez de fazê-lo um colaborador do jornal. Recentemente a internet deu-me algumas dicas.
As pombinhas do meu tempo e já lá vão mais de 60 anos, tinham uma modelação próxima com a realidade e uma côr mais clara.

JV